UM MUNDO ONDE TODOS TENHAM VOZ
Avelina Maria Noronha de Almeida
Se andarmos de olhos fechados, parece que cada cantor naquele momento
está à nossa frente. É algo mágico, encantador, não dá para expressar
em palavras toda a grandiosidade desse momento.
Quando fui a Inhotim, considerado o maior acervo de arte ao ar livre da América Latina, localizado no município de Brumadinho, em terras que em tempos bem antigos foram da Real Villa de Queluz, entre tantas atrações houve uma que me fascinou. Ao entrarmos na galeria de Janet Cardiff, num salão bem amplo, nossos ouvidos se deliciaram com sons maviosos, que pareciam vir de coros angélicos.
A música que era cantada tratava-se de uma composição polifônica medieval, a qual, em 1575, fora feita em homenagem à Rainha Elizabeth Primeira, na comemoração do seu aniversário. São oito coros, de cinco vozes cada um, diversos uns dos outros, dando um total de 40 canais diferentes, que ouvi extasiada em mais ou menos quatorze minutos.
A autora da obra gravou com microfones individuais, separadamente, na catedral de Salisbury, a voz de cada integrante do coral e, à medida que vamos percorrendo o ambiente, caminhando junto às caixas, ouvimos, reproduzida no alto- falante próximo, a voz de cada cantor, percebendo as diferentes combinações e harmonias, sem nenhum prejuízo do conjunto. Se nos afastamos para o centro, ouviremos a composição em conjunto, assim, ouvimos a mesma coisa de formas diferentes. Se andarmos de olhos fechados, parece que cada cantor naquele momento está à nossa frente. É algo mágico, encantador, não dá para expressar em palavras toda a grandiosidade desse momento.
O progresso tecnológico nos permite, nos tempos de hoje, ouvirmos as diversas vozes do mundo. Mas como são dissonantes! Como falta harmonia entre elas! Além do mais, quanta dor, infelicidade, medo, agressão e outras tristezas mais elas lançam no ar, atravessam terras e mares e chegam até nós. Mesmo perto, ao nosso lado, quanto desencontros e divergências terríveis são ouvidos… Que diferença do som harmonioso da sala de Inhotim…
É claro que os sons têm que ser diferentes, pois as pessoas são diferentes, as diversidades são genuínas. Não podemos querer que todos falem na mesma língua, do mesmo modo, pois o mundo é constituído de seres diferentes, cada um tem sua peculiaridade, sua riqueza de expressão.
O que está faltando, então, para que a música da Humanidade soe bela, sublime como aquela que ouvi em Inhotim? Por que distoa tanto esta música entre nós, entre os países, entre as gentes? É uma reflexão que devemos fazer, urgentemente para que vozes não sejam desagregadoras, abafadas, estranguladas nas gargantas dos perseguidos e miseráveis, dos menos favorecidos, dos que são desprezados por se inserem num contexto diferente.
Vamos colocar a riqueza de sentimentos e forças que existe em cada um de nós para, reunidos, tentarmos fazer que a Voz do Mundo se torne mais bela, unindo as diferenças, abolindo as discriminações, suavizadas pela fraternidade. Enfim, assim como no maior acervo de arte ao ar livre da América Latina, soem as diferentes combinações e harmonias sem nenhum prejuízo do conjunto. Assim teremos um Mundo igual para todos, um Mundo em que todos tenham voz.