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“A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS”

Avelina Maria Noronha de Almeida

                                       [email protected]

 

Quando a tropa começou a passar em frente, até tremiam ao som das passadas fortes dos soldados. Acontece que o cachorro que ficara de fora, amarrado

 à sua casinha, assustou-se com aquela barulhada…

 

O título do artigo está entre aspas porque não é uma criação minha. É o nome de um livro e eu o achei tão sugestivo que quis usá-lo.

O autor do livro é um escritor do princípio do século XX, muito festejado pois era o maior cronista em sua época, João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto, que nasceu em 5 de agosto de 1881 e faleceu em 23 de junho de 1921 as 39 anos. Por essas datas pode-se deduzir o espaço histórico focalizado.

Ele fazia um inventário das ruas da Cidade Maravilhosa em tempos de grandes transformações urbanas. Aliava sua grande capacidade de observação a muita perspicácia e sensibilidade para captar a alma que habitava em cada um dos espaços públicos por ele focalizados. Descrevia minuciosamente os detalhes, percebia a diversidades de cada tipo humano, o que havia naquela rua, as profissões, enfim, as peculiaridades do lugar com muita sinceridade, sem retoques, mas com fascinante escrita.

Era também repórter e não fazia as reportagens e as crônicas descuidadamente. Pesquisava, refletia, analisava. Por exemplo: certa vez ouviu os relatos de presos de uma Casa de Detenção e fez interessantes comentários no que escreveu, como de que os presos por crimes políticos nunca reconheciam sua culpa como outros presos o faziam. Não tenho forte conhecimento de que tipo de crimes políticos havia naquela época…

O certo é que me deu vontade de também sentir a alma das ruas e escrever sobre elas. Resolvi iniciar andando pela imaginação sobre o passado do caminho escolhido, pois os fatos antigamente acontecidos participam fortemente na formação da personalidade do mesmo. Pelo menos em minha mente.

Escolhida a rua Duque de Caxias, a Chapada da minha infância, pois era onde residiam parentes de minha mãe e, assim, era muito freqüentada por mim.

A primeira lembrança veio do que me contou meu tio Eurico, se não me engano. O foi tia Joana? Bom, não importa. Na Revolução de 1930, a cidade de Queluz estava apavorada com as notícias sobre as violências praticadas pelos soldados revoltosos nas cidades por onde passavam. O exército dos revoltosos já estava se aproximando de Queluz e o povo começou a se esconder com medo de sofrer violências. Quando alguém gritou que o batalhão já tinha apontado no princípio da rua, na casa de meu bisavô João dos Santos, um excelente carpinteiro, a família fechou todas as janelas e se reuniu na carpintaria, que ficava nos fundos da casa. Esconderam-se debaixo da grande mesa de trabalho do dono. Ficaram bem caladinhos para que o exército passasse sem percebê-los e incomodá-los.

Quando a tropa começou a passar em frente, até tremiam ao som das passadas fortes dos soldados. Acontece que o cachorro que ficara de fora, amarrado à sua casinha, assustou-se com aquela barulhada, ficou pulando feito doido e a corrente à qual estava preso raspava num zinco que estava perto fazendo, por sua vez, um grande barulho. Foi quando um dos que estavam lá dentro, não reconhecendo o barulho da corrente, gritou:

– “Tão” metralhando a casa!!!

Foi um pânico só. Saíram numa gritaria doida, correndo para o pasto que tinha no fundo, esbarrando em nos outros, caindo e se embolando numa debandada geral. Muitos se arranharam nos arames farpados da cerca.  Até que, o batalhão tendo passado e o cachorro sossegado, voltaram e souberam, pelos vizinhos, que não tinha havido nem um tiro…

(Continua)

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