Garimpando -Uma rua encantada verdadeiramente encantada – 9

                                                        Avelina Maria Noronha de Almeida

                                                      avelinaconselheirolafaiete@gmail.com

O SERVO DE DEUS

NONO CAPÍTULO

            Já tinham andado bastante quando chegou a hora de pararem para comer.

            Os escravos armaram o tripé para colocar a panela e o cozinheiro, quase um menino, pôs o feijão a cozinhar. Teodoro desdobrou um couro para sinhazinha deitar e descansar um pouco enquanto a comida ficava pronta.

            Comeram carne seca cozida no espeto, feijão misturado com farinha de mandioca, torresmo, couve e pimenta. Teodoro tomou, também, uma cachacinha. A sobremesa era rapadura com melado e um café fumegante servido em cuités.

            Com isso refizeram as energias e passaram para mais uma etapa da viagem.

            Iam por atoleiros, subidas e descidas perigosas, por picadas sinuosas, brejos, escarpas, matas, descampados.

            Algumas flores vermelhas, amarelas, apareciam de vez em quando, porém mais era o verde mesmo. Num trecho da estrada, uma bela visão: muitos puçazeiros (jabuticabeiras do cerrado) carregadinhos de flor branca agarradinhas nos troncos e galhos.

            Foi indo, o crepúsculo chegou, acendendo uma fogueira no poente. Algumas nuvenzinhas de ouro davam mais encanto ao céu sobre o horizonte.

            Pararam em um rancho para passar a noite. Era a hora em que os tropeiros, em volta de uma fogueira, pegam suas violas e as toadas se elevavam no ar, às vezes alegres, às vezes galhofeiras, quase sempre nostálgicas.

            De longe, Francisca apreciava a cantoria.

            Um tropeiro, o Manuel, tinha uma viola de Queluz de que muito se gabava. Sonora igual a ela não havia.

Imagem da Internet

             – Minha gente! Esta viola já me salvou de apuro. Já me tinham contado que os índios de uma tribo que ficava nas terras onde eu estava eram muito bravos, comiam gente, mas que se o prisioneiro soubesse cantar bem e fazer trovas, eles poupavam da morte. Pois não é que, poucos dias depois, eu fui pego na mata por esses índios. Antes que eles me tomassem a viola, comecei a dedilhar e a cantar:

Lourenço, abre a porteira,

que a tropa do Sérgio evém.

Tem uma mula de guia,

que não respeita ninguém.

            Na mesma hora eles me largaram e começaram a fazer festa. Fiquei vários dias lá na tribo. Foi indo eu fiquei cansado de cantar toda hora e, aproveitando a liberdade que eles me davam, fugi pra bem longe.

            – Então canta pra nós também, Manuel.

            – Lá vai, minha gente:

Maria, por caridade,

não ama tropeiro, não.

Tropeiro é home bruto,

bicho sem combinação.

Maria escute o conselho,

sossegue o seu coração.

Maria, por caridade,

tenha de mim compaixão.

            A noite estava linda. No céu a lua clarinha derramava sua luz nos campos e nas matas. A turma começou a gritar:

            – Canta mais uma, canta!

            Gabriel não teve outro jeito. E continuou a cantoria.

O tropeiro não goza prazer

Sua vida, contínuo penar:

chega de tarde no rancho,

que trabalho, meu Deus vai me dar!

Comendo feijão com torresmo,

escolher para cama um lugar,

triste vida de tropeiro, coitado.

É chegar a tropa do pasto,

eu já ouço o cincerro tinir;

couro em cima do lote,

os cabrestos já vou repartir.

            Se o chefe da tropa não ficasse bravo, a cantoria ia até o amanheceDe manhãzinha, retornaram à caminhada. Perto de meio-dia, o chefe falou:

            – Seu Teodoro, já estamos chegando no Tejuco, ó… o senhor me desculpe. Inda não acostumei; agora é Diamantina.

            A moça contemplou a paisagem grandiosa que se descortinava ao redor.

            Finalmente chegaram.

            Perguntaram, em uma estalagem, se conheciam o servo de Deus, um homem que fazia curas. Um garimpeiro que estava sentado em um banco levantou-se solícito:

             –Se conheço! Ele me curou depois de muitos anos que eu estava no catre. Deus abençoe o santo homem!

            Francisca sentiu o coração bater apressado:

            – E onde ele mora?

            O homem informou:

            – Minha senhora, ele morava aqui perto, mas mudou-se para as proximidades do garimpo. Parece que ele também quer achar diamante.

            Saíram procurando o garimpo, até que um velho deu a informação desejada:

            – Vosmecê quer ir ao garimpo? Pode desviar aqui que o senhor chega lá.

            Teodoro e Francisca andaram mais um pouco e aí começaram a ouvir o canto dos escravos trabalhando no garimpo. Um deles cantava:

Ei é lambé

Quero me cabá no sumidô

Lamba de vinte dia

Ei lambá

Quero me caba no sumido

            E o coro completava: Ei ereré…

            Francisca não se continha de felicidade. Tinham conseguido chegar ao garimpo. Iam encontrar o servo de Deus!

            – Graças a Deus! Chegamos ao fim da nossa missão!

            E começou a cavalgar com entusiasmo.

                                                                                                          (Continua)

 

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