Avelina Maria Noronha de Almeida
O SERVO DE DEUS
FINAL
“Há tempo de chorar e há tempo de rir”
Eclesiastes, 3-6
Era uma manhã fresquinha, perfumada pelas flores das árvores próximas.
Os cantos dos passarinhos que pulavam nos galhos das árvores; a brisa que suavemente balançava as folhas das bananeiras; o sol alegre que se derramava sobre a terra; tudo se unia para formar um cenário propício.
– Senhor meu pai!
– Que é, menina Francisca?
O “menina Francisca” ecoou docemente no coração da filha. O pai nunca a chamara assim, dessa maneira carinhosa.
– Senhor meu pai, não sei como vai receber o que vou falar a vosmecê. O servo de Deus, que curou vosmecê, é Moisés, pai de seu neto.
O curandeiro, que estava oculto atrás de Teodoro, apareceu, já sem a barba, e postou-se à frente do Coronel.
No primeiro momento, o velho assustou-se, ficou sem palavras, perplexo, como se estivesse diante de um fantasma.
Procurou Teodoro com os olhos.
– Senhor Coronel, eu não cumpri as ordens de vosmecê. Eu não tive coragem. Moisés era meu filho. Fui eu que o coloquei na porta da casa de vosmecê lá na vila quando ele nasceu. Eu não podia matar meu filho nem meu neto. Soltei Moisés no mato e mandei que fosse com a criança para bem longe. Uma aranha, na volta para casa, mordeu Sinhazinha Francisca e ela ficou à morte, na estalagem. Por uma graça de Deus apareceu na estalagem o homem que chamavam de Servo de Deus, atrás de quem andamos tanto inutilmente. E por incrível que pareça, para maior surpresa minha, era meu filho Moisés. Foi ele quem salvou Sinhazinha e agora salvou vosmecê.
Estavam todos apreensivos, aguardando a reação do Coronel.
Uma rajada de vento lançou folhas secas na varanda. Algumas caíram no colo do velho. Ele nem se mexeu para jogá-las ao chão. Estava impassível. A expressão do rosto indecifrável. Finalmente falou:
– Não sei como eu faria em outros tempos. Mas hoje digo a vosmecês: Jesus Cristo passou na minha porta e carregou com o meu orgulho. Eu agradeço vosmecê, Moisés, por ter curado minha filha e me curado. Agora eu quero ver o meu neto.
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“Há tempo de chorar e há tempo de rir”
Eclesiastes, 3-6
Dois anos se passaram…
Montado no cavalo, Coronel Bento passava por entre as plantações. Ao lado, em outro cavalo, o neto Teodoro.
O velho contemplava o campo verde e fértil que se estendia a perder de vista. A Fazenda das Paineiras voltara a seus melhores tempos de fartura.
Ao longe, Moisés, Teodoro e os escravos trabalhavam na semeadura do feijão.
O fazendeiro se abriu num sorriso largo, virou-se para o lado e disse carinhoso:
– Isto tudo é nosso, meu neto!
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Passaram-se anos, décadas…
Joaquina, aquela menina escrava curiosa, já era uma velhinha, mas conservava o mesmo ar maroto.
No terreiro, rodeada por seus netos, a quem contara a história dos moradores da Fazenda das Paineiras Velhas, dizia como o velho índio da tribo dos tupis:
– MENINOS, EU VI.
NOTA: A frase final pertence ao belo poema Y Juca Pirama, de Gonçalves Dias.
www.biblio.com.br/conteudo/GoncalvesDias/mjucapirama.htm
O poema é lindo! Vale a pena ler.
Avelina Maria Noronha de Almeida