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Urbanicidade – Xadrez de Janot na estrada de Damasco e o fundo do poço

Nesta semana, Luis Nassif aponta sua pena para o perigo do caos institucional e geral, neste lindo país abaixo do Equador (aqui). Concordo com ele no sentido de que está na hora daqueles representantes políticos de Brasília descerem do Olimpo e escutar o país. Vamos lá…

No Novo Testamento (Atos 9), quando Saulo (depois chamado Paulo) cai de seu cavalo na estrada para a cidade de Damasco e recebe a visita do próprio Jesus, se convertendo ao cristianismo.

Assim como na economia, todo processo politico caótico tem momentos de corte, uma espécie de fundo do poço, no qual há duas possibilidades subsequentes:

Alternativa A: todos os grupos majoritários se sentirem perdedores. Aí se começa a abrir o espaço para o diálogo; ou

Alternativa B: novas rodadas radicalizantes, e movimentos oportunistas ou de esperneio dos grupos que serão expelidos do poder.

Há sinais no ar, tênues embora, de que possa se estar entrando na alternativa Alternativa A. Enfatizo: sinais tênues ainda.

Ainda se está a quilômetros de distância de um referencial mínimo, que aponte os novos rumos. Mas o ciclo da subversão constitucional aparentemente começa a se esgotar.

Nesse período terrível, aconteceu de tudo, com externalidades negativas em todos os setores, novos poderosos montando uma caçada ideológica no serviço público, procuradores desvairados entrando com ações contra escolas e reuniões políticas, movimentos de ultradireita saindo das profundezas e investindo contra avanços civilizatórios e a quase consumação do mais execrável pacto político da história: o que permitiria a uma organização criminosa apossar-se do Estado brasileiro e livrar-se da Justiça em troca de reformas radicais enfiadas goela abaixo da opinião pública.

Parecia que todos os filtros de uma sociedade civilizada haviam sido desativados, até os básicos, o olhar crítico sobre os puxa-sacos, a desconfiança contra os exibicionistas, o pudor em tratar com governantes notoriamente corruptos.

A própria Lava Jato se tornou um centro escandaloso de vaidade e oportunismo, com procuradores se comportando como blogueiros teens (na expressão feliz de Nina Lemos), aproveitando a visibilidade dada pelo Ministério Público Federal para surfar no universo rentável das celebridades.

Figuras que deveriam estar atrás das grades, como Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e o próprio Temer, e seus seguidores, como Laerte Rímoli, Elsinho Mouco, o submundo jornalístico que se manteve à tona graças a Eduardo Cunha, Aécio Neves, Michel Temer (https://goo.gl/E8Hsf3) comportavam-se como os conquistadores imbatíveis, como piratas do Caribe em cima dos destroços da Constituição.

As delações da JBS foram como uma bomba de nêutron, desmontando toda a armação política-midiática erigida nos últimos anos, o discurso pseudomoralista que derrubou uma presidente eleita e caiu a ficha de parte do golpe, da inviabilidade de um pacto político com uma organização criminosa para promover o desmonte das redes de proteção social brasileiras.

A delação da JBS se abateu sobre o Procurador Geral da República Rodrigo Janot como a luz que derrubou Paulo do cavalo, a caminho de Damasco, e lhe mostrou o rumo. Em uma tacada só, exibiu o amadorismo exibicionista da Lava Jato e suas fixações, reassumiu o protagonismo da operação, a ponto de deixar Dallagnoll com síndrome de abstinência, passando a opinar até sobre o caso JBS para não perder espaço para o PGR.

Nos últimos dias, o portal da PGR divulgou o questionamento de leis de municípios que vetaram material sobre ideologia de gêneros nas escolas, a criação de cotas para negros nos concursos do MPF, a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) encaminha pedido de informações do Alto Comissariado das Nações Unidas para o Itamaraty, sobre a inconstitucionalidade de leis que proíbem discussões sobre gênero em escola.

Os próximos capítulos permitem um pouco de fé nos novos tempos:

Peça 1 – o desembarque do PSDB

Se não há motivos para manter presa Andrea Neves, existem motivos sólidos para a prisão de Aécio Neves. Solto, ele ficará articulando com colegas do Senado e com o Ministro Gilmar Mendes maneiras de impedir as investigações.

Além disso, a prisão terá um simbolismo especial.

Como era possível a uma sociedade que se pretendia civilizada conviver com a exposição pública de Aécio, flanando sobre a Justiça, mandando adversários para a cadeia – como o episódio do jornalista Jorge Carone -, com investigações paralisadas sobre aliados, sob suspeita de tráfico de cocaína? Como seria a democracia brasileira com a falta de limites de Aécio e seus amigos?

Sua provável prisão finalmente trará o PSDB para a realidade política, constatando a impossibilidade total de bancar uma organização presidida por Temer. Mais relevante: quebra o elo da possível parceria com o Judiciário e fecha a porta para o que parecia ser a saída planejada do impeachment.

Ao se inviabilizar politicamente, paradoxalmente, o PSDB se habilita para um passo mais maduro, em busca de entendimento. O duro é localizar no partido alguma liderança que, mesmo de longe, tenha a dimensão de um Mário Covas ou Franco Montoro.

De sobra, interrompe a articulação do chanceler Aloysio Salles com o governo Donald Trump, de abrir brechas para a invasão da Venezuela. A ideia fixa de Aloysio – vergastando Maduro diariamente, como se não houvesse outro tema no Itamarty – não é apenas falta de imaginação e conhecimento para outros temas diplomáticos: cumpre o roteiro do guru José Serra. Em vez da tradição diplomática pacifista brasileira, de buscar uma solução para um país que se desmancha, o papel de gendarme da volta do grande cacete norte-americano.

Aloysio e Serra se valem da perda total de substância ideológica do PSDB, da ausência de estudiosos internos, para montar suas jogadas pessoais com o Grande Irmão. São os últimos vagidos de políticos que perderam a dimensão de país.

Peça 2 – A denúncia de Michel Temer

Mal empossado presidente, Michel Temer levou para dentro do governo seus quatro operadores particulares: José Yunes, Sandro Mabel, José Felipelli e Rodrigo Loures.

A maneira como foi bajulado pelos grupos de mídia se constitui em um dos episódios mais vergonhosos da história do jornalismo, cujo ápice foi o Roda Viva com ele.

Poucos imaginavam seu nível de mediocridade e de falta de noção. E aí Deus mostrou, pelo menos uma vez, que ainda é brasileiro. Criou-se tal desorganização institucional com o golpe, que um político mais habilidoso e ousado – como o próprio Aécio – poderia ter conduzido o país ao estado de exceção amplo e se perpetuado no poder. Felizmente, se entregou a Temer a responsabilidade do pós-golpe.

A denúncia próxima da PGR contra Temer repõe nos eixos um mínimo de dignidade na política. Hoje em dia, é visível em qualquer cidadão, mesmo o menos politizado, o sentimento de vergonha de ver o país governado por uma pessoa da dimensão e do caráter de Temer e sua turma.

Peça 3 diretas-já ou Constituinte

A entrevista de Joesley Batista à revista Época é arrasadora. Com todas as ressalvas que se possa fazer, expõe de maneira ampla o apodrecimento final do modelo político.

Com a saída do PSDB do jogo de apoio a Temer, resta saber qual será o tamanho do centrão para resistir ao Supremo Tribunal Federal e à denúncia contra Temer e ao clamor das ruas.

Entra-se, agora, nos momentos cruciais que definirão a travessia para o novo ciclo político.

Há na mesa as seguintes alternativas:

  1. Eleições indiretas com Rodrigo Maia. Será uma tentativa de dar continuidade à quadrilha de Temer, mas com alguns acenos para setores de oposição. E eleições em 2018.
  2. Eleições indiretas com Tasso Jereissatti. A delação da JBS destruiu essa ponte.
  3. Eleições diretas-já.

Qual a resultante das eleições diretas, não se sabe. Entra-se em um daqueles momentos em que Deus joga dados e tudo pode ocorrer.

Às forças democráticas resta o desafio de construir uma alternativa política e econômica viável, os estudiosos trazendo seus diagnósticos, as lideranças conversando e definindo os contornos de um novo pacto. Ou então, o caos.

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