Avelina Maria Noronha de Almeida
Queima do Judas,na Rua Duque de Caxias,na Chapada no livro “Subindo e Descendo a Ladeira” de Lucy de Assis Silva : “Rua de gente alegre e festeira,não poderia faltar a queima do Judas,no Sábado de Aleluia.
No século XX, o Sábado de Aleluia tinha algumas manifestações populares bem interessantes. Uma delas era a queimação do Judas – um boneco vestido de pano pendurado, que era malhado, estripado e queimado no Sábado de Aleluia, em Queluz. d
O Livro “Subindo e Descendo a Ladeira” de Lucy de Assis Silva fala sobre a Queima do Judas,na Rua Duque de Caxias, na Chapada: “Rua de gente alegre e festeira,não poderia faltar a queima do Judas,no Sábado de Aleluia. Um arco de bambu na entrada do morro do Cruzeiro indicava que seria,ali,a queima do odiado boneco. O testamento era entregue a todos os participantes da festa,mas só um lia em voz alta. A queima do Judas era um espetáculo muito concorrido. A “horta do Judas”, ou “quinta do Judas”,era preparada na noite de Sexta-Feira Santa, para que no Sábado de Aleluia tudo estivesse pronto… De uma feita, até o Ford 29 do Manoel Corrêa foi levado,onde, no assento do motorista,estava o Judas,como se fosse o dono… Apesar da brincadeira,o carro não foi danificado. A parte mais cômica ficou por conta de uma cama que foi levada do vigia de uma casa em construção,na Porteira de Ferro. O dono do móvel em que o Judas estava deitado,sem desconfiar de nada,achou muita graça,dando boas risadas. Porém ao chegar na construção,e dando pela falta da cama,armou-se com um machado e,muito nervoso e descontrolado,acabou por destruí-la,com o Judas em cima e tudo,sob o olhar pesaroso de todos. Depois,a gargalhada foi geral,uma vez em que o infeliz Judas havia sido trucidado antes da hora…”
Outro depoimento interessante, este de Antônio Luiz Perdigão: “Nos Sábados de Aleluia, era o Chico Vaca quem lia os testamentos do Judas Iscariotes. Uma carroça toda enfeitada com Bambus, puxada por um animal, rodava pelo povo, percorria a praça e adjacências. Na boléia,o cocheiro,tendo ao seu lado o arauto, no caso Chico Vaca. De trecho em trecho havia uma parada, para que lesse o testamento, gozando as pessoas mais influentes e populares da cidade. A iluminação era ruim. Para que fosse lido o testamento havia, na carroça,uma terceira pessoa que levava uma tocha ou lampião a fim de dar claridade necessária à leitura. Finalizava horas depois no centro da praça com a queima do Judas, a qual proporcionava ao povo, que ali ocorria, grande alegria e algazarra da garotada.
Outro costume era dos testamentos de Judas, muito engraçados! Às vezes, na primeira metade do século, eram excessivamente maldosos, despertando indignação em pessoas satirizadas. Mas nem sempre isso acontecia, muitos até gostavam de serem lembrados quando as brincadeiras eram leves. De todo jeito, os textos eram feitos com muita graça.
Encontra-se, no Correio da Semana de 6 de abril de 1940, sob o título ALELUIA! ALELUIA!!!, o seguinte:
“Encerrando a Semana Santa, é de praxe marcarem o Sábado de Aleluia com o trucidamento de Judas. A nossa cidade, embora todo o seu adiantamento, não fugiu ao velho hábito. Felizmente, ele modernizou-se. Já não fazem a Quinta do Judas, para a qual, na madrugada do Sábado de Aleluia, os gaiatos carregavam tudo que encontravam à mão, inclusive veículos, animais, utensílios domésticos, até plantações completas.”
Mas se a brincadeira acabou, deixou de ser feita, nem por isso passou a expressão que muitas vezes se ouve falar (eu mesmo costumo usar a expressão) “Vou levar pra a horta do Judas”. Pelo jornal, comprova-se a sua existência em nossa cidade. Continua o jornal, excelente testemunho da História:
“Ao romper das Aleluias, lido o Testamento, Judas, com seus trinta dinheiros nefandos, era entregue à sanha da meninada. Hoje, em nossa cidade, às Vezes costuma acontecer que o Judas: ‘passando’ pelas ruas da cidade, lido o seu testamento de ponto em ponto, é ‘estourado’ finalmente.
Alguns trechos de um Testamento da Chapada de tempos passados:
Sou o Judas da Chapada, / Morro da Mina e Água Preta, / Sou irmão de todos vós / E também do Capeta.
Para o grande Zé Duarte / Amolar suas navalhas, / Deixo uma lima velha / E um fardo de toalhas (Zé Duarte era um barbeiro antigo da Chapada).
Uma viola, uma sanfona / E também um violão, / Deixo pra ser empenhado / No botequim do alemão.
Ao amigo Zé Álvaro, / Que é um moço granfino, / Deixo-lhe a ciência, / De afinar seu violino.
Depois de brincar bastante, concluía:
Finalmente, dou nó à corda, / No momento da tortura, / E lego a minha eguinha / Ao violeiro Ventura.
Agora uns trechos do “Testamento de Judas Iscariotes” (organizado pela dupla Angorá) em 1940 e distribuído ao povo:
Antes de ir pro outro mundo / Quero no micro falar; / Por isso peço ao Seu Louro / A Rádio Clube ligar.
Ao conhecido Braz / Eu deixarei coisas mil. / Poderá fazer escolha / Para o seu Salão Brasil.
O meu belo frontispício / Dará um lindo ladrilho, / Por isso já fiz oferta / Ao Joaquim de Souza Filho..
Dimas, o fogueteiro, / Que me fez de bomba e capim, / Virá com sua morena / Pôr-me fogo no estopim.
A corda já me aperta! / Minha boca está espumosa! / Dai-me água, Dr. Mário, /
Lá da Fonte Luminosa!…
Senhores!… adeus!… / Só para o ano… / O nó já me aperta, / Já não sou um ser humano!…
Outra amostra desses textos satíricos: “Testamento do Judeu Errante e do Judas Escariotes”, que saiu no Sábado de Aleluia de 1957:
“No sábado da aleluia
Só se fala em Judas, o traidor
Este ano vou meter a cuia
no Judeu Errante, que foi um horror!
O Judas Escariotes
deixou a sua herança
para os que vivem no mal
como uma boa vingança.
Eu, o Judeu Errante
de que todos já ouviram falar
vivi muitos séculos
por em Jesus escarrar.
[…]
Tenho pena das pessoas
que só pensam na riqueza
esquecem que Deus existe
e que ama os da pobreza.
Quem com o ferro fere
com o ferro será ferido
quem só pensa no dinheiro
um dia viverá desvalido
Duas curiosidades: a primeira é que, antigamente, as pessoas que vinham da roça e não tinham casa na cidade, ao passar num córrego que havia logo após a descida íngreme da Rua Francisco Lobo, ali lavavam os pés, por isso o local passou a ser chamado de Lava-Pés; a segunda: para cada procissão, as senhoras e moças faziam um vestido novo. Minha mãe, nessa época, era costureira e passava mal para dar conta.
Hoje as tradições esmaeceram na distância do tempo (embora aqui e ali ainda haja resquícios), porém, em seu lugar, encontramos outras atitudes que, graças a Deus, não estão em todas as pessoas: a descrença, a indiferença, o desrespeito.
Não podemos negar que havia um encanto especial nos tempos de outrora!
FELIZ PÁSCOA PARA TODOS OS LEITORES!!!