Garimpando
NO ARQUIVO E CENTRO DE PESQUISA “JAIR NORONHA”
Avelina Maria Noronha de Almeida
GARIMPANDO ENSINO 2
Paulo Freire, certa vez, disse à repórter de um telejornal que o maior problema do Ensino Brasileiro era a separação entre professor e aluno. Apresentando a gravação da entrevista nas classes em que eu lecionava, fizemos um estudo sobre o assunto e, após debates e ampla pesquisa de campo, chegamos à conclusão de que realmente são, quase sempre, muito frágeis os laços que ligam mestres a discípulos.
A sala de aula é como se fosse um campo, tendo ao centro uma linha que divide funções, direitos e deveres. Em momentos de interesse, entusiasmo, amizade, deleite intelectual essa linha desaparece e todos se unem trabalhando com prazer, surgindo, então, o clima ideal para a verdadeira aprendizagem. Infelizmente, às vezes um muro se levanta sobre essa linha. As vozes se alteram, palavras são distorcidas ou, simplesmente, não ouvidas. Professores de um lado, alunos de outro, digladiam-se ou se ignoram. Direitos são reclamados; deveres, exigidos. Vem a separação, e a meta fica nebulosa. Não há mais sala de aula e, sim, barulhenta arena ou, o que pode até ser pior, uma arena silenciosa. QUEM LEVANTA ESSE MURO? O professor ou os alunos?
A verdade é que nos conjugamos na demeritória operação. O professor coloca suas pedras quando, por cansaço, negligência ou falta de preparo não consegue levar à aula a motivação indispensável; ou permite que problemas particulares lhe prejudiquem a atuação; ou deprecia, ironiza, agride, avalia sem os devidos critérios, não compreende, não é criativo, não estimula nem é amigo, não promove o crescimento interior do educando.
Triste obreiro, porque prejudica a si próprio, é o aluno indisciplinado, desatento, displicente, desonesto (oh! as terríveis colas…), dissimulado e insensível.
Também colocam pedras os pais quando são incompreensíveis, omissos, preocupando-se com a situação escolar do filho apenas ao “estourar a bomba” e, racionalizando sua incúria com recriminações injustas ao professor, criam ou reforçam no espírito da criança ou do jovem idéias negativas a respeito do magistério.
Todas as pessoas envolvidas na complexa organização educacional que, em funções diversas, agem de maneira errada ou incoerente, são nossos “auxiliares” na inglória construção do fracasso.
QUAL A MELHOR MANEIRA DE DESTRUIR ESSES MUROS? Fazendo da Educação uma obra comunitária no centro da qual estão professor e alunos em perfeita sintonia. Se maestros e músicos não se afinam, que será da execução da orquestra?
* * *
Formiguinhas carregavam, parede a cima, um grande inseto. Havia momentos em que paravam, marcavam passo penosamente, retrocediam um pouquinho e eu pensava: “Agora elas se desequilibram e o inseto cai…” Mas não: logo, logo, recomeçavam a subida. Em meia hora, alcançaram a beirada superior da janela, atravessaram-na e sumiram em direção do telhado. Uma coisa me chamou a atenção: durante todo o tempo, outras formiguinhas subiam e desciam formando o caminho e algumas, ao passarem pelas carregadoras, aproximavam-se e pareciam tocá-las e, depois, iam-se embora. Uma coisa eu garanto: em todo o percurso observado por mim, nenhuma daquelas que transportavam os fardos foi substituída. Era como se as outras lhes transmitissem uma energia especial ou, em misteriosa linguagem, as estimulassem mais ou menos assim: “Dediquem-se à sua tarefa. Ânimo, estamos aqui para apoiá-las e ajudá-las se for necessário.”
Podemos comparar os professores a essas formiguinhas carregadoras. Eles também não podem ser substituídos na missão de ensinar. Podem e devem ser apoiados, estimulados, ajudados, mas cabe-lhes exclusivamente a direção, a responsabilidade e a execução efetiva das atividades pedagógica. Porém isso nem sempre acontece hoje em dia.
Excesso de trabalho, tensão, insegurança, consumismo, transição de costumes, currículos falhos, uma série de fatores enfraqueceu a capacidade da família de orientar e fazer-se respeitar. A criança geralmente vai para a escola desprovida de atitudes benéficas para as interações sociais mais amplas e despreparada para uma vida de maiores responsabilidades, o que obriga os professores a realizarem verdadeira ginástica mental para conseguir ambiente propício à boa aprendizagem. Ficando sobrecarregados, então, o que fazem muitos, talvez a maioria deles? Dão o “troco” exigindo “deveres extra-classe” excessivos e complicados, obrigando os pais, tenham ou não competência, a suprir, por seu turno, as consequentes deficiências do ensino na sala de aula.É preciso acabar com essa situação viciosa em relação às funções desempenhadas por pais e mestres, essa diluição de responsabilidades. Deve a família reconquistar a força e a autoridade perdidas para que o professor tenha condições de desenvolver tranqüilamente o processo pedagógico para o qual se instruiu e que obedece a normas e metodologia estabelecidas graças ao esforço, estudo e experiências de muitas pessoas, através dos tempos. A intervenção indevida de pessoas não preparadas pedagogicamente, mesmo que bem intencionadas, em vez de ajudar, pode acarretar interferências e condicionamentos negativos. O ideal não é a escola desempenhar o papel do lar, nem os pais substituírem os professores, mas, ajudando-se mutuamente, cada um desempenhar melhor sua própria função.
(Continua)