18 de abril de 2024 00:48

A Gripe Espanhola em Queluz: 170 mortos em 2 meses

Um mal que veio da Guerra?

Abrigados em trincheiras, os soldados enfrentavam, além de um inimigo sem rosto, chuvas, lama, piolhos e ratos. Eram vitimados por doenças como a tifo e a febre quintana, quando não caíam mortos por tiros e gases venenosos.

Parece bem ruim, não é mesmo? Era.

Mas a situação naquela Europa transformada em campo de batalha da Primeira Grande Guerra Mundial pioraria ainda mais em 1918. Tropas inteiras griparam-se, mas as dores de cabeça, a febre e a falta de ar eram muito graves e, em poucos dias, o doente morria incapaz de respirar e com o pulmões cheios de líquido.

Em carta descoberta e publicada no British Medical Journal quase 60 anos depois da pandemia de 1918-1919, um médico norte-americano diz que a doença começa como o tipo comum de gripe, mas os doentes “desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada [no hospital], têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado”.

“A origem do termo influenza é atribuída aos italianos e seria um reflexo das doutrinas prevalentes no início da época moderna, que ligavam os distúrbios físicos aos fenômenos astrológicos
Quando a astronomia tomou a dianteira (…) e as pessoas começaram a imaginar que todas as coisas terrestres eram governadas pelos céus, alguns médicos italianos propuseram que essa desordem provinha da influência das estrelas, e então deram a ela o nome de influenza…”

A gripe espanhola – como ficou conhecida devido ao grande número de mortos na Espanha – apareceu em duas ondas diferentes durante 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era uma doença branda não causando mais que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda, em agosto, tornou-se mortal.

Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro: também caíram doentes as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.

Apesar do nome ela não surgiu na Espanha
A teoria mais aceita pelos estudiosos do assunto é de que a gripe espanhola teria surgido em campos de treinamento militar nos Estados Unidos. Isso porque os primeiros casos da doença também foram registrados lá. Esses casos aconteceram em trabalhadores de uma fábrica em Detroit e em soldados instalados em um campo militar no estado do Kansas.

 

O Inimigo que veio do mar

Navio inglês “Demerara”, vindo de Lisboa, que trouxe doentes a bordo e causou a epidemia.

No Brasil, a epidemia chegou em setembro de 1918: o navio inglês “Demerara”, vindo de Lisboa, desembarca doentes em Recife, Salvador e Rio de Janeiro (então capital federal). No mesmo mês, marinheiros que prestaram serviço militar em Dakar, na costa atlântica da África, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em pouco mais de duas semanas, surgiram casos de gripe em outras cidades do Nordeste e em São Paulo.

As autoridades brasileiras ouviram com descaso as notícias vindas de Portugal sobre os sofrimentos provocados pela pandemia de gripe na Europa. Acreditava-se que o oceano impediria a chegada do mal ao país. Mas, essa aposta se revelou rapidamente um engano.”

Tinha-se medo de sair à rua. Diante do desconhecimento de medidas terapêuticas para evitar o contágio ou curar os doentes, as autoridades aconselhavam apenas que se evitasse as aglomerações.

Nos jornais multiplicavam-se receitas: cartas enviadas por leitores recomendavam pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso para evitar o contágio e desinfetar o ar. Com o avanço da pandemia, sal de quinino, remédio usado no tratamento da malária e muito popular na época, passou a ser distribuído à população, mesmo sem qualquer comprovação científica de sua eficiência contra o vírus da gripe.

E a gripe espanhola chega a Queluz
A Historiadora e Genealogista Avelina Noronha cita o escritor mineiro AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA, que abordou, em uma de suas crônicas semanais no Estado de Minas, a “gripe espanhola”, que grassou no mundo em 1918, com a duração de três anos.

Na referida crônica é relatado um fato que muito me impressionou. Na tentativa de descobrir uma vacina contra a gripe,  alguns médicos resolveram realizar experiências em seres humanos, com prisioneiros da ilha de Deer, propondo a eles a absolvição de seus crimes, por piores que fossem, caso se submetessem aos testes. Os 62 presos selecionados, entre trezentos e tantos voluntários, foram, submetidos aos mais diversos testes e  O ESPANTOSO É QUE NENHUM DOS PRESOS CONTRAIU A GRIPE, mas o médico da enfermaria (ironicamente) contraiu-a e morreu em conseqüência…

Diz Affonso de Sant’Anna que a “espanhola”  infectou 600 milhões de pessoas e matou entre 20 milhões e 50 milhões, esclarecendo o autor que a diferença de 30 milhões é devida à falta de “estatísticas seguras nos países periféricos”. E prossegue: “Diz-se, no entanto, que 80% das baixas das tropas americanas na 1ª Guerra foram devidas à gripe e não às balas inimigas. Diz-se, também, que no Brasil houve, oficialmente, 35.240 óbitos, sendo 12.388 no Rio em 5.429 em São Paulo. Qual seria a estatística de Belo Horizonte, cidade no interior, então recém-criada?”

            De Belo Horizonte o Arquivo Jair Noronha não tem conhecimento, mas pode informar a da cidade de Conselheiro Lafaiete, que na época se chamava Queluz.

Morreram de gripe espanhola:

– em outubro de 1918, o primeiro número indicando o dia, e o segundo o número de pessoas: 27 – 1; 28 – 2; 29 – 2; 30 – 1; 31 – 1 (7 pessoas).

– em novembro de 1918:  1º –  1 ;  2 – 2; 3 – 3; 4 – 2; 5  –  3; 7 –  5;  8 – 2;   9 – 2;

10 – 5;  11 – 9; 12 – 12; 13 – 5; 14 – 3; 15 – 4; 16 – 9; 17 – 4, entre elas uma menina de 12 anos, Maria, irmã do museólogo Antônio Luís Perdigão Batista;  18 – 11 19 – 8; 20 – 8; 21 – 10; 22 – 3: 23 – 3; 24 – 3; 25 – 4; 26 – 2; 26 – 7; 30 – 3 (133 pessoas).

– em dezembro de 1918:   1º – 3; 2 – 2; 3 – 1;  4 – 1;  5 – 1; 6 – 4; 8 – 2;   9 – 2;   11- 1; 13 – 1; 14 – 2; 15 –1; 17 – 1; 21 – 2; 22 – 1; 23 – 2; 27 – 1 (30 pessoas).

Total170 pessoas morreram devido à gripe, (descontando 4 dias do final de dezembro nos 5 dias de outubro) num período de dois meses e um dia. E é preciso considerar que isso foi apenas na área da cidade de Queluz (e não no município), uma cidade ainda bem pequena naquele princípio de século.

Dizem que, em certos dias, devido ano número de mortos, os “fabriqueiros” da matriz não davam conta  de fazer caixão para todos, e alguns tinham de ser enterrados em sacos de aniagem.

Em tempo negros: solidariedade
Outro fato interessante é que sua avó Avelina tão logo a gripe espanhola atingiu nossa cidade, a situação rapidamente se  agravou e haviam casas em que não havia uma pessoa de pé para fazer comida.
Ela que morava na rua da Chapada, fazia caldeirões de sopa para levar nas casas das vítimas de gripe, e acompanhada da filha mais velha, menina de 9 anos, acompanhava-a nas visitas.
Após alimentar os doentes, avó recolhia as roupas sujas e as levava para lavar. Depois consertava aquelas que precisavam de reparos, passava-as e mandava entregar nas casas.
E, não houve nenhuma vítima da “gripe espanhola” em sua casa….

Fique em Casa já era a ordem na época

Entre os que apostavam em iniciativas caseiras para derrotar a peste espanhola, era grande o número de adeptos a receitas de sucos de limão e de cachaça que, na visão deles, seria o melhor remédio para a cura. Não contavam, no entanto, com o apoio de médicos e cientistas.Já o governo central fazia campanha para que a população evitasse aglomerações e determinou o fechamento de escolas, proibindo ainda reuniões em grupos. As autoridades do país consideravam que visitas e passeios seriam o modo mais rápido de espalhar a moléstia. Portanto, o mantra ‘fique em casa!’ não nasceu com a vinda do coronavírus.

A cartoon acima questiona a capacidade da saúde pública em atender os doentes, algo comum ainda nos dias de hoje.

Um país doente

Pedro Nava, historiador que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918,  escreve que “aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades – mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.

Acima um trocadilho, onde o autor ressalta o grande a facilidade com que a gripe se disseminava no Brasil.

Durante a pandemia de 1918, Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, reestruturando sua organização administrativa e de pesquisa.

A convite do então presidente da república, Venceslau Brás, Chagas liderou ainda a campanha para combater a gripe espanhola, implementando cinco hospitais emergenciais e 27 postos de atendimento à população em diferentes pontos do Rio de Janeiro.

Estima-se que entre outubro e dezembro de 1918, período oficialmente reconhecido como pandêmico, 65% da população adoeceu. Só no Rio de Janeiro, foram registradas 14.348 mortes.  Em São Paulo, outras 2.000 pessoas morreram.

A evolução de um vírus mortal

As estimativas do número de mortos em todo o mundo durante a pandemia de gripe em 1918-1919 variam entre 20 e 40 milhões. Para você ter uma ideia nem os combates da primeira Grande Guerra Mundial mataram tanto. Cerca de 9 milhões e 200 mil pessoas morreram nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra (1914-1918).
A criação, em 1922, do Comitê de Saúde e da Organização de Higiene, antepassadas da Organização Mundial da Saúde (OMS), respondeu em parte a uma vontade de combater melhor este tipo de pragas. (Projeto Conhecer)

Fontes:
Gripe Espanhola – Avelina Noronha
(http://textosavelinaconselheirolafaiete.blogspot.com/2013/11/gripe-espanhola.html – Acesso em 31/03/2020)
A medicina e a influenza espanhola de 1918 – Anny Jackeline Torres Silveira
(http://www.scielo.br/pdf/tem/v10n19/v10n19a07.pdf – Acesso em 31/03/2020)
Pandemia de gripe de 1918 – Juliana Rocha
(http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=815&sid=7 _ Acesso em 31/03/2020)

 

Fonte: Projeto Conhecer

Mais Notícias

Receba notícias em seu celular

Publicidade