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Prefeitura de Manaus ignora avisos de pesquisadores sobre 3ª onda de Covid

NO DIA 21 DE JANEIRO, o biólogo Lucas Ferrante, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, o Inpa, avisou pessoalmente o prefeito de Manaus, David Almeida, do Avante, sobre o risco iminente de uma terceira onda de contaminação pela covid-19 na capital do Amazonas. Foi uma reunião rápida, de menos de 30 minutos. Acompanhado de três assessores, o prefeito chegou a sinalizar que poderia adotar o lockdown para salvar vidas. Mas o discurso logo mudou, e o aviso do cientista foi ignorado.

Ele e outros sete pesquisadores elaboraram um modelo epidemiológico a partir das taxas de transmissão da nova variante do vírus no Amazonas, a reinfecção por perda de imunidade apresentada em pacientes após seis meses e os cenários de vacinação e isolamento social do estado. O estudo, que será publicado em uma revista científica de renome internacional e que está em fase de revisão, sinaliza a necessidade urgente de lockdown em Manaus e aponta para uma terceira onda de contaminação mais longa e que, potencialmente, pode causar mais mortes do que a observada em 2020.

O aviso dos pesquisadores pode parecer repetitivo; como tem sido a postura das autoridades. Em agosto, o grupo de cientistas já havia publicado um artigo na Nature Medicine, uma das principais revistas científicas do mundo, prevendo a segunda onda que agora atinge o Amazonas. Foram tachados de alarmistas.

A diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, Rosemary Costa Pinto, que esteve em pelo menos três reuniões em que a segunda onda foi alertada, foi uma das pessoas que negou as orientações dos especialistas. Em 22 de janeiro, após Ferrante avisar o prefeito de Manaus sobre a terceira onda, ela morreu de covid, aos 61 anos.

O estado, que viu pacientes morrerem em hospitais devido à falta de oxigênio, teve em janeiro um aumento de 632% na média móvel de mortes por covid-19, maior aumento no país. Na última semana de 2020, a média diária de óbitos pela doença foi de 19 pessoas. No domingo, 31 de janeiro, foram 139 mortes. Exatamente como Ferrante e os pesquisadores previram – e avisaram – as autoridades.

No novo estudo, que envolve, além de pesquisadores do Inpa, cientistas das universidades federais de Minas Gerais, Amazonas, São João del-Rei e uma aposentada do Instituto Butantan, a previsão é ainda mais dura: uma terceira onda poderá se arrastar até 2022 e terá Manaus como epicentro mundial. “Se não for tomada nenhuma iniciativa, como ocorreu no passado, a terceira onda será mais longa e matará muito mais gente. A alternativa é lockdown com mais de 90% de isolamento e vacinação de toda população de Manaus”, diz Ferrante.

“Na época [da publicação do primeiro estudo], fomos desacreditados e nenhuma medida mais racional foi tomada. Acertamos data, hora e local da segunda onda”, reclama o cientista. Por questão de confidencialidade, o pesquisador não pode divulgar mais detalhes antes da publicação do novo artigo, mas adianta que uma das previsões é a alta taxa de internação. “As internações não serão muito maiores, mas ocorrerão de forma contínua e mais prolongada”, explicou em entrevista ao Intercept.

Análises divulgadas no dia 13 de janeiro pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas apontaram que a nova cepa do vírus, descoberta em dezembro , já é responsável por 91% dos casos de infectados no estado. Segundo Ferrante, a nova cepa não é causadora da segunda onda, mas “causada pela segunda onda”. Para ele, chega a ser ingênuo achar que a nova variante está apenas em Manaus, quando ela já circula  em outras regiões e mesmo em outros países, o que torna o caso da capital do Amazonas um exemplo do que o Brasil pode vir a enfrentar se nenhuma atitude for tomada.

Segundo o pesquisador, quanto mais tempo se leva para reduzir a circulação do vírus, maior será o número de novas mutações que irão surgir. “Ou se fecha toda Manaus agora ou Wilson Lima [governador] e o presidente Bolsonaro serão responsáveis pelo impacto de mais contaminações e mortes na república e no mundo”.

Os pesquisadores analisaram também o primeiro caso de reinfecção em Manaus. Segundo eles, a imunidade natural após a contaminação, que impediria que uma pessoa pegasse covid-19 novamente, não é duradoura como se imaginava. Em seis meses, as pessoas infectadas já podem apresentar perda de imunidade. Quem foi infectado pela primeira cepa do vírus, com origem em Wuhan, na China, também não está imune à nova variante em circulação, ainda de acordo com os cientistas.

Em janeiro, o Brasil foi denunciado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a CIDH, por violações ao direito à vida, saúde e integridade, além da falta de oxigênio e insumos hospitalares em meio à pandemia. Ferrante também é autor de um dos pedidos de impeachment contra o presidente, tendo como base estudo publicado pela revista Science, que aponta o negacionismo de Bolsonaro diante da pandemia e a divulgação de informações enganosas sobre uso da cloroquina e isolamento social.

Na última semana, o governador Lima, do PSC, reeditou as normas de isolamento social no estado e, mais uma vez, desconsiderou as previsões dos cientistas: as novas regras limitaram horários de funcionamento de estabelecimentos comerciais, mas não promoveram a redução esperada de circulação das pessoas pela capital Manaus, por exemplo. Setores como a indústria operam praticamente de forma ininterrupta, e o transporte coletivo foi ampliado, ao contrário do que indicam os cientistas.

Já a vacinação no estado continua vacilante, como em todo o país. Até esta quarta-feira, 2, o estado do Amazonas tinha vacinado um pouco mais de 63,5 mil pessoas, ou seja, 1,5% da população. Questionei o governo do estado sobre a possibilidade de adoção de um lockdown. Me responderam que “neste momento, o decreto de restrição de circulação de pessoas por um período de 24 horas, permitindo o funcionamento apenas de serviços essenciais em horários também restritos, foi considerada a melhor medida a ser adotada na fase atual de enfrentamento da pandemia”.

Sobre a previsão dos cientistas a respeito da terceira onda da pandemia, o governo tergiversou e não respondeu, declarando somente que “os esforços” estão voltados para o cenário atual, que mostra a presença da nova variante do vírus na maioria dos casos de novas infecções.

Logo após o encontro com Ferrante, em 21 de janeiro, o prefeito de Manaus, David Almeida, chegou a declarar que poderia adotar lockdown. Mas ao ser novamente questionado sobre o assunto, mudou de ideia e descartou a adoção das medidas indicadas pelos pesquisadores. “A prefeitura não pode falar em lockdown, essa é uma decisão do governador do Amazonas”, nos informou o prefeito via assessoria de imprensa.

Sobre a vacinação em massa, o argumento é que “não há vacina suficiente”. “A prefeitura está vacinando seguindo o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, elaborado pelo Ministério, no qual estão estabelecidos os grupos prioritários. Não há condições de falar sobre vacinação em massa apenas em Manaus porque não há vacina suficiente no mundo”.

Já o governo federal, que atuou para evitar adoção de lockdown no Amazonas, também se mostra pouco interessado em conter o avanço do vírus no estado. Bolsonaro chegou a declarar a não competência do governo federal para levar oxigênio para o Amazonas.

Enquanto isso, Espanha, Alemanha, Portugal, Reino Unido e os Estados Unidos proibiram voos vindos do Brasil, citando justamente o descontrole da pandemia por aqui e, em especial, a nova cepa do vírus de Manaus.

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