27 de abril de 2024 17:01

Serrana (SP): Como é a vida no oásis pandêmico após vacinação em massa contra a Covid-19

Na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Serrana, leitos vazios se espalham por salas às escuras da área restrita a pacientes de Covid-19. É o resultado do projeto comandado pelo Instituto Butantan que vacinou quase todos os adultos da cidade. 

Na UPA, havia na manhã do último dia 2 de junho apenas uma paciente: uma idosa de 71 anos que hoje luta contra a morte, intubada e aguardando leito de UTI, após se recusar a tomar a Coronavac utilizada no estudo. “Ela disse que não confiava na vacina”, conta Leila Gusmão, secretária de saúde do município.

Na última segunda-feira (31) o Butantan apresentou os resultados parciais do estudo envolvendo a população de Serrana batizado como Projeto S. 

Das 27.160 pessoas que tomaram as duas doses na pequena cidade da região de Ribeirão Preto, cinco foram hospitalizadas até duas semanas da aplicação, resultando em duas mortes, e duas após os 14 dias. Os números mostram uma redução de 95% nos óbitos, de 86% das hospitalizações e de 80% dos casos sintomáticos da doença.

Desde janeiro o Hospital Estadual de Serrana está com 100% de ocupação de sua UTI; até abril cerca de metade dos pacientes eram da cidade; hoje todos os leitos são ocupados por moradores das cidades vizinhas, que estão em colapso. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)
Desde janeiro o Hospital Estadual de Serrana está com 100% de ocupação de sua UTI; até abril cerca de metade dos pacientes eram da cidade; hoje todos os leitos são ocupados por moradores das cidades vizinhas, que estão em colapso. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)

Para o estudo, a população da cidade foi dividida em quatro, por áreas espalhadas pelo mapa. Os pesquisadores constataram que mesmo sem a conclusão da vacinação a proteção era estendida aos não vacinados após 75% dos adultos imunizados. 

“A redução de casos em pessoas que não receberam a vacina indica a queda da circulação do vírus. Isso reforça a vacinação como uma medida de saúde pública, e não somente individual”, diz Ricardo Palácios, diretor de Pesquisa Clínica do Instituto Butantan e coordenador do projeto. Ele destaca ainda a eficiência contra a variante P1, que se tornou predominante durante o estudo.

Serrana: Um oásis em meio ao colapso

Serrana foi escolhida porque apresentava alto índice de prevalência de infecções por covid-19, além de estar perto de um centro universitário e ter um hospital regional. 

Enquanto a unidade local de referência para Covid-19 permanece quase vazia um mês após a conclusão da vacinação, no Hospital Estadual de Serrana os profissionais vivem no limite desde o fim de janeiro de 2021. 

A meta era vacinar todos os 28.380 adultos de Serrana, no oeste paulista; ao todo, no entanto, 27.160 foram totalmente imunizadas. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)
A meta era vacinar todos os 28.380 adultos de Serrana, no oeste paulista; ao todo, no entanto, 27.160 foram totalmente imunizadas. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)

“No dia 12 aumentamos os leitos de UTI; já no fim do mês tínhamos dez leitos, passamos a doze leitos no fim, e desde então, estamos com 100% de lotação. Toda vez que um paciente deixa a UTI, já chega um novo”, relata Carlos Eduardo Almado, diretor técnico da unidade intensiva.

Segundo profissionais do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), as cidades da região já estão em colapso, com filas de espera para vagas de enfermaria e UTI nos hospitais. 

No dia 1º de junho, quando foi anunciado o sucesso do estudo feito com a Coronavac, ao menos três pacientes teriam morrido em Santa Rita do Passa Quatro aguardando um leito de tratamento intensivo, enquanto pelo menos 180 estariam na fila de espera em Ribeirão Preto por uma vaga de enfermaria ou UTI. 

A principal cidade do oeste paulista tinha 94% de ocupação dos leitos de alta complexidade. Um desastre que contrasta com a situação da cidade-laboratório.

“Cerca de metade dos pacientes aqui eram de Serrana na primeira e começo dessa segunda onda; agora dos 16 pacientes internados, nenhum é de Serrana”, conta Almado, que destaca o otimismo vivido fora das portas do Hospital Estadual.

“As outras cidades infelizmente estão em colapso, o sistema de saúde está em colapso mas por causa de tudo, da situação do país, da vacinação. Serrana é um oásis, porque a cidade está funcionando, o comércio está funcionando, e outras cidades estão em lockdown; nós profissionais estamos esgotados, no limite, mas isso porque este é um hospital regional”, comenta.

Para conter o avanço do coronavírus, a vizinha Batatais decretou no meio de maio o mais longo lockdown já adotado em SP

Mais da metade das 104 mortes por Covid-19 no município foram registradas nos dois meses anteriores, e as taxas de ocupação de UTI e enfermaria atingiam 100%, com pacientes sendo transferidos para cidades da região — como Serrana. 

Até mesmo supermercados foram fechados e o prefeito Juninho Gaspar (PP) teria sido ameaçado de morte.

Isolamento social: na hora da saída da escola, marcas no chão delimitam a distância mínima entre os estudantes. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)
Isolamento social: na hora da saída da escola, marcas no chão delimitam a distância mínima entre os estudantes. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)

No último dia 2 de Junho, a secretária de Saúde, Bruna Tonetti, comemorou os primeiros sinais de recuo do vírus. A fila de espera por leitos de UTI foi zerada. Durante o confinamento, eram 21 pessoas à espera. Todos se revezaram para usar os oito respiradores da unidade enquanto aguardavam regulação para hospitais. 

Agora, mesmo com ocupação máxima nas nove vagas da Santa Casa, as únicas da cidade, é possível dar alta a pacientes sem que outro dê entrada na sequência, segundo Bruna.

Volta às aulas com rodízio após vacinação

Entre as diferenças para os vizinhos está a volta às aulas na rede municipal, após mais de um ano com aulas virtuais remotas. Em 10 de maio, um mês depois que o último dos quatro grupos já estava plenamente imunizado, as aulas retornaram com rodízio de alunos, que vão à escola a cada três dias.

Os pais comemoram a retomada: “Ela está se desenvolvendo mais na escola do que em casa, mesmo indo um dia e ficando dois em casa”, relata Mirian Santos, mãe de uma aluna de seis anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Dalzira Barros Martins. 

Apesar de vacinada, a professora Lucimara Cotrim mantém os cuidados com os alunos, que frequentam em um terço a cada dia. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)
Apesar de vacinada, a professora Lucimara Cotrim mantém os cuidados com os alunos, que frequentam em um terço a cada dia. (Foto: Gustavo Basso/Yahoo Notícias)

“Com o virtual nós tentamos, mas não temos o mesmo conhecimento que os professores. Eu cheguei a chorar, perdida de não saber que rumo eu estava levando a minha filha, porque eu queria que ela aprendesse, mas eu não sabia ensinar”, conta Mirian.

Mesmo com os problemas enfrentados em csasa, ela não mandaria Luiza para a escola se não fosse a segurança proporcionada pelo imunizante. “Acho que mesmo com a dificuldade ia continuar em casa porque dá medo, dá muito medo”.

Com otimismo, mas ainda com os cuidados de higiene e isolamento Serrana vai retomando a vida normal, muito antes do resto do país e consciente do privilégio, como o comerciante José Carlos Issa: “Eu gostaria que todo mundo tivesse a chance que nós tivemos, e não passasse o sufoco que estão passando para poder retomar, como nós, a vida normal com otimismo e confiança”.

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