Com o público barrado pela pandemia, Observatório da Discriminação Racial no Futebol registra queda de 53% no número de ocorrências
Sétimo relatório anual do Observatório da Discriminação Racial no Futebol – projeto que monitora casos de intolerância racial, religiosa, xenofóbica, LGTBQfóbica e machismo no esporte mais popular do país – registra um número menor de casos registrados no Brasil em 2020, mas ajuda a apontar o dedo da denúncia da intolerância para as torcidas. Com o público barrado dos estádios pela pandemia, a redução no número de casos de racismo foi de 53%: os registros caíram de 67, em 2019, para 31 em 2019.
O evento de lançamento do relatório ocorreu no Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Atualmente, o museu conta com uma exposição temporária comemorando os 100 anos do goleiro Barbosa, atleta negro cuja carreira ficou marcada após o Maracanazzo – a derrota da seleção brasileira para o Uruguai na final da Copa do Munndo de 1950 – e sofreu ofensas racistas durante toda a sua vida. O fundador do Observatório, Marcelo Carvalho, explica que o relatório registra o número de ocorrências publicadas pelos veículos de comunicação. “Por conta das denúncias que recebemos nas nossas redes sociais mas não conseguimos atestar a veracidade, sabemos que o número de casos de preconceito no futebol é muito maior”, afirma Marcelo.
O observatório registrou, no total, 76 casos de intolerância em 2020 – oito cometidos no exterior contra jogadores, funcionários do clube e torcedores brasileiros. Em 2019, no total, foram 133 casos de preconceito registrados: 67 de discriminação racial. Em 2020, dos 76 casos registrados, 31 foram discriminações raciais, 12 LGTBQfóbicos, 4 xenofóbicos e 13 casos de machismo no futebol. Os outros 13 casos aconteceram em outros esportes. Em relação às vítimas, a maioria (78%) são atletas, mas houve casos de preconceito contra torcedores, funcionários do clube e comentaristas esportivos representam a menor fatia.
Os organizadores do relatório questionam as razões para a redução do número de casos em 2020: “Tal resultado se deu porque o futebol brasileiro teve várias interrupções de calendário, além da não participação do público nos estádios, minimizando assim a possibilidade de ocorrerem atos preconceituosos? Ou o número de ocorrências diminuiu porque há uma maior conscientização das pessoas em relação à luta contra as formas de opressão?”, indaga o relatório, produzido em parceria com o Grupo de Estudos sobre Esporte e Discriminação (GEED), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Campeão mundial com a seleção brasileira em 1994, o ex-jogador Mauro Silva, hoje dirigente da FPF (Federação Paulista de Futebol), defendeu a importância de pessoas negras ocuparem cargos de poder nos diversos ambientes do futebol. “Talvez há alguns anos uma entidade esportiva não estivesse envolvida em um debate como esse. Hoje, a Federação está comprometida em construir esse novo mundo, combatendo as injustiças e criando oportunidades”, afirmou Mauro Silva durante o evento. Ele destacou campanhas da FPF na luta antirracista, como um vídeo de divulgação que tinha o slogan “Negar e silenciar é confiar o racismo” e trazia o depoimento do goleiro Aranha, ex-Grêmio, que sofreu ofensas racistas durante uma partida em 2012, caso que ficou marcado na história recente do futebol brasileiro.
Negro, apaixonado por futebol e formado em administração de empresas, Marcelo Carvalho criou o Observatório Racial para monitorar e divulgar, através de seus canais, os casos de racismo no futebol – o que depois foi ampliado para outras discriminações. Em artigo no relatório 2020, ele destaca que o ano foi de mobilização contra o esporte em quase todo o mundo, mas os atletas brasileiros pouco se manifestaram. “A lamentar o silêncio do esporte brasileiro a respeito do movimento “Vidas Negras Importam”, a respeito da luta antirracista, da violência policial que sofrem negros e negras e do genocídio da população negra. No Brasil, o gesto apareceu em um ou outro jogo praticado por alguns atletas ou até por equipes inteiras, mas nunca foi algo coletivo”, escreve Carvalho.
No relatório 2020, pelo quinto ano consecutivo, o Rio Grande do Sul ficou no topo da tabela dos locais das ocorrências de discriminação, representando 29% dos casos. Quem fecha o top 5 são São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Em agosto de 2021, foi em Londrina, no Paraná, que o racismo voltou as manchetes esportivas. O meia Celsinho, do time paranaense, ouviu comentários preconceituosos em relação ao seu cabelo vindos do camarote do Brusque, visitante da partida. O time catarinense ainda divulgou uma nota acusando o atleta que sofreu o ataque racista.
Mesmo com a ausência de público no estádio, houve casos de racismo envolvendo a torcida em 2020. Em agosto, o Brasil, time da cidade gaúcha de Pelotas, usou o sistema de alto-falante de seu estádio para reproduzir cantos racistas de seus torcedores, que usam o termo “macaco” para se referir aos torcedores do clube rival da cidade, o Pelotas, em partida pelo campeonato estadual. Houve punição para o Brasil, mas foi muito leve – o TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) do Rio Grande do Sul puniu o clube com multa de R$ 5 mil, mas não tirou pontos do clube na disputa do Gaúchão.
O caso do Brasil de Pelotas foi um dos apenas quatro julgados pelos Tribunais de Justiça Desportiva do Brasil. Em outros dois, a punição foi semelhante, com multas variando de R$ 1 mil a R$ 5 mil reais. Em dois casos, houve perda do mando de campo do time da casa. Esse cenário de impunidade vai ter, pelo menos, uma mudança no próximo relatório. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) puniu o Brusque com a perda de três pontos no caso das ofensas a Celsinho, do Londrina.
Sobre 2020, Marcelo Carvalho atribui a redução dos números realmente a interrupção dos campeonatos e aos jogos sem torcida, consequências do avanço da covid-19. “Isso não se deve a algum trabalho de conscientização, ação efetiva ou campanha de combate ao racismo. Os números caíram por conta da pandemia”, afirma o criador do Observatório da Discriminação Racial. E, pelo relatório preliminar de 2001,os números já ultrapassaram os de 2020: já são 41 casos registrados. E os torcedores estão, agora, voltando a frequentar as arquibancadas.
FONTE PROJETO COLABORA