O sol nascia no domingo passado quando rajadas de fuzis automáticos começaram a ser disparadas de uma das chácaras do Vale do Rio Verde, em Varginha, no Sul de Minas, em direção à rua de terra. Naquele momento, grupos táticos da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) acabavam de cercar a propriedade.
Os policiais foram detectados do segundo andar do sobrado, a partir de uma janela e de uma varanda de tijolos vazados, por sentinelas de uma violenta quadrilha especializada em subjugar cidades para roubar bancos. Na troca de tiros, muros de placas de concreto entre os policiais e o sobrado ficaram rapidamente salpicados de perfurações de projéteis.
Porém, a contenção por disparos dos sentinelas contra o avanço policial não contava que, posicionados contra o sol nascente que os cegava e do alto do barranco oposto ao sobrado, outro grupo de atiradores das duas forças especiais de segurança pública responderia ao fogo.
Tudo que aparecia na varanda ou nas janelas se tornou alvo de salvas de tiros, enquanto policiais em solo arrombavam o portão de metal da garagem da chácara. Sob a cobertura dos disparos entre as árvores do barranco, colunas de policiais avançaram pela garagem arrombada em formação tática, cada componente da fileira apontando seu fuzil para uma direção, varrendo a tiros áreas de onde surgiam criminosos armados.
A entrada na casa pegou a quadrilha desprevenida, sem tempo para vestir coletes balísticos, lançar bombas ou contra-atacar organizadamente. Só nessa chácara, 18 criminosos morreram. Simultaneamente, a outra base dos bandidos, em sítio na saída para Três Pontas, também se tornou um ponto de confronto e mais oito integrantes da mesma quadrilha morrem, sem nenhum policial ser ferido.
As notícias da operação de combate ao crime organizado, ocorrida na madrugada de 31 de outubro, nas chácaras de Varginha, impressionam pessoas mundo afora pela própria ação policial e pelo nível de armamentos e equipamentos de guerra sob posse dos criminosos.
Parecia o ápice de um episódio de filme de ação. Mas para os policiais militares e rodoviários federais que participaram do enfrentamento à gangue do chamado “novo cangaço”, foi uma amostra de como a sinergia entre forças federais e estaduais, bem como o emprego tático aliado à inteligência das corporações, pode prevenir e impedir ataques a bancos, domínio e terror em cidades do interior.
O enfrentamento ao “novo cangaço” tem causado baixas nas quadrilhas, como em 2014, quando nove morreram após ação em Itanhandu, na mesma região mineira, e em 2019, ano em que 14 foram presos depois de atacar bancos em Uberaba, no Triângulo.
Para mostrar detalhes dessa última ação, em Varginha, a reportagem do Estado de Minas recorreu a testemunhas dos combates e a fontes policiais, que não têm autorização para conceder entrevista e fazer uma reconstituição dos fatos.
Grupos de defesa dos direitos humanos põem em questão o fato de nenhum policial ter sido ferido e pedem investigações para saber se não ocorreu, na verdade, um massacre e se prisões não poderiam ter sido feitas.
Oficialmente, nem a PM de Minas nem a PRF se manifestaram sobre detalhes da operação, que terminou com 26 mortos, apreensão de explosivos e de um arsenal de guerra que supostamente seria usado para atacar e dominar a cidade do Sul de Minas na madrugada da terça-feira de Finados.
“Por questões estratégicas, a Polícia Militar de Minas Gerais não fornece informações relacionadas ao Serviço de Inteligência”, informou a corporação.
Preparação começou em agosto
Fontes policiais ouvidas pelo Estado de Minas indicaram que a operação que teve seu desfecho em 31 de outubro em Varginha começou bem antes, após uma ação de integrantes da quadrilha, em Araçatuba (SP), em 30 de agosto.
Na ocasião, o grupo atacou com explosivos duas agências bancárias, espalhou explosivos pela cidade e usou reféns como escudo humano, amarrando-os sobre o capô de carros. Três morreram, sendo dois assaltantes
Dias depois, a Polícia Federal detectou contatos de suspeitos de integrar esse grupo com quadrilhas do entorno de Uberaba envolvidas em roubos de carros e controladores da chamada “Rota caipira”, percurso que escoa drogas da Bolívia por Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais.
Essas informações foram compartilhadas com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), uma vez que suspeitos circulavam pelas rodovias BR-262, BR-381 e outras estradas que as conectam. Não se tinha certeza do alvo, mas seria no Sul de Minas. A Polícia Militar foi contatada e deixou de prontidão seu grupo de elite, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope).
Vigiados de perto, os suspeitos voltaram a se movimentar mais nitidamente em meados de outubro. Menos de uma semana depois, o comando do 24ª Batalhão da PM recebeu informações de que comboios de veículos se deslocavam de forma suspeita entre chácaras alugadas, sem que nenhum evento ocorresse. PM, Bope e PRF se organizaram imediatamente.
A região das duas chácaras foi mapeada, fotografada por aeronaves e estudada nas pranchetas táticas.
Os suspeitos foram monitorados. Dois deles deixaram o sítio e se dirigiram a Muzambinho, município a 140 quilômetros de Varginha. Lá, posicionaram uma carreta e a estacionaram próximo a um posto.
Supostamente, era o veículo de fuga, com esconderijo no basculante, disfarçado de carregamento de entulho, em local preparado com colchões, travesseiros, água e alimentos. A polícia soube que o ataque criminoso só ocorreria na madrugada do feriado de Finados, o que permitiu que agisse antes.
Estratégia
“O estranhamento pelo fato de todos os criminosos terem sido eliminados ao reagir e nenhum policial ter se ferido se deve ao trabalho bem-feito da PMMG e da PRF. Antes, os criminosos tinham o fator surpresa, o mapeamento dos seus alvos, estratégias de evasão e a covardia de executar inocentes, sabendo que a polícia vai sempre ter como prioridade a segurança do cidadão. Agora, foram quase 50 policiais só na ação direta, o que proporcionou superioridade numérica. Houve preparação estratégica, estudo, organização, somado a isso a tática, a experiência, a excelência dos grupos especiais, o fator surpresa e o mais importante: Deus”, disse fonte policial ouvida pelo EM.
Ao fim da ação, foram apreendidos um fuzil calibre .50, dois 7.62 e 14 de 5.56. Três espingardas calibre .12, três pistolas .380 e três pistolas 9mm, sendo uma com kit para disparo de rajadas e dois kits que transformam os armamentos de mão em submetralhadoras.
Com esse armamento estavam 60 munições .50, 2.916 de 5.56, 991 de 7.62, 470 de 9 mm, 163 de .380, 123 de .12, 130 de .44, 206 de .25 e 116 carregadores. A quadrilha dispunha de 40kg de explosivos, 22 capas de coletes, 12 calças táticas, 10 blusas táticas, um capacete balístico, cinco balaclavas, seis chapéus táticos, 12 pares de coletes balísticos, seis pares de joelheiras, 12 galões de gasolina de 18 litros, quatro galões de diesel de 100 litros, sete radiocomunicadores, sete canetas laser, um martelete e três lanternas.
Segundo a Sejusp, “ao contrário do que foi exposto, em nenhum momento foi exaltada a morte dos criminosos. que, certamente, entre a madrugada de 1º e 2 de novembro praticariam uma série de atrocidades na cidade de Varginha caso a polícia não tivesse, através de sua inteligência, levantado com antecedência seu plano de dominar brutalmente o município”.
A secretaria afirma que os policiais revidaram os ataques dos criminosos e convidou os membros do conselho a acompanharem uma operação tática para entender seu funcionamento.