Até então sabíamos que o uso moderado de álcool trazia algum benefício cardiovascular. Porém, um estudo publicado recentemente por uma renomada revista da classe médica internacional, chamada JAMA, trouxe novas evidências em relação ao álcool e o coração.
A pesquisa envolveu dados médicos de quase 400 mil pessoas, com idade média de 57 anos, que passaram suas informações sobre saúde e estilo de vida ao banco de dados UK Biobank, um repositório britânico usado por pesquisadores para estudar genes e sua relação com a saúde.
Ao estudar os dados por meio de uma técnica denominada randomização mendeliana (abordagem alternativa aos estudos clínicos randomizados, para estimar a relação causal entre exposições, envolvendo análises sofisticadas dos genes), os autores não encontraram nenhum benefício cardíaco real para o consumo de álcool, ainda que seja feito de forma moderada. Esse estudo foi interessante porque trabalhou com genes.
O estudo verificou que o risco é pequeno se as pessoas consumirem em média sete doses por semana em comparação com quem não bebe. Após isso, o risco aumenta rapidamente à medida que o nível de consumo cresce.
Por exemplo, um indivíduo de meia idade, que não bebe, tem uma chance estimada de 9% para doença cardíaca coronária (obstrução das artérias coronárias), ao passo que, entre aqueles que bebem uma dose por dia, a chance passa a ser de 10,5%.
Para os bebedores leves a moderados, que consomem até 14 doses por semana, esses tendem a ter outras características que reduzem o seu risco, como fumar menos, se exercitar mais e pesar menos, em comparação aos que bebem muito ou aos que não bebem, conseguindo manter os riscos em um patamar considerado ainda baixo. Por isso se fala que até 14 doses semanais, associado a esse perfil. mantém o álcool menos deletério para os pacientes, o que não é verdade. Quando o consumo ultrapassa 21 doses por semana (uso abusivo), entretanto, os riscos se tornam muito altos.
Temos que começar a pensar sobre esses intervalos moderados e informar aos nossos pacientes. Se pedir orientações em relação a beber, deve-se ficar sabendo que, além de um certo nível, o risco aumenta muito. O estudo mostra que o risco é comprovadamente baixo se beber até sete doses por semana, comparado a quem não bebe. Porém ele aumenta rapidamente à medida que o consumo cresce.
Vários estudos observacionais anteriores mostravam que bebedores moderados tinham menos doenças cardíacas do que aqueles que bebiam muito. Esse tipo de pesquisa (observacional), entretanto, só é capaz de identificar a correlação, e não a causa. Por esse motivo, o método de randomização mendeliana realizada nesse estudo é mais sugestivo sobre a casualidade, o que confere mais peso aos resultados obtidos dessa forma.
Pesquisadores observaram que as pessoas vêm bebendo mais desde que a pandemia começou e um estudo recente concluiu que o número de mortes ligadas ao álcool subiu 25% (dado estatístico muito significativo em 2020).
Cientistas encontraram nesse estudo variantes genéticas que predispõem uma pessoa a beber mais ou menos. Pelo fato de serem distribuídas aleatoriamente na população, as variantes podem servir em um estudo como o equivalente a escolher sujeitos aleatoriamente para se abster de álcool ou para beber em níveis diversos. A partir desse estudo, a Federação Mundial do Coração divulgou um guia em janeiro último, dizendo que nenhuma quantidade de álcool é boa para o coração.
JAMA Netw Open. 2022; 5 (3):e223849. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2022.3849