Belo Horizonte é cercada por montanhas — e por várias lendas urbanas: a última moradora do Arraial do Curral Del Rey que amaldiçoou a cidade e assombra o Palácio da Liberdade até hoje, o dançarino sedutor que frequentava a região de Venda Nova e na verdade era o diabo em pessoa, a loira que circula por perto do Cemitério do Bonfim e tantas outras “assombrações” fazem parte das fábulas locais. Os “fantasmas” ajudam a contar a história da cidade, de sua fundação à ocupação das periferias, e também os hábitos e o estilo de vida dos moradores.
Se alguns anos atrás a Savassi, bairro tradicional no centro-sul da cidade, era uma das regiões mais disputadas pelo comércio e pelo entretenimento, quem visita a região hoje se surpreende com a quantidade de estabelecimentos fechados e imóveis abandonados.
Uma dessas propriedades está vaga muito antes de a inflação imobiliária atingir níveis estratosféricos ou de a economia ser atingida pelos efeitos da pandemia. A causa pode estar, na verdade, em uma das fantasias fantasmagóricas que perambulam pelo imaginário da capital mineira.
No cruzamento da rua Tomé de Souza com a rua Professor Moraes, uma casa de quatro quartos e 200 m² segue há quase dez anos com placas de “aluga-se” fixada nas grades das janelas, dividindo espaço com pixo, grafite e a tinta rosa da fachada descascada pelo tempo. Foi nesse imóvel que, durante sete anos, funcionou a boate Mary in Hell. Inaugurada em 2006 onde antes era uma copiadora, a casa noturna teve grande importância na construção do cenário alternativo em BH.
“Nos anos 2000, apesar de as casas serem poucas e pequenas, havia em torno delas um momento eletrizante”, explica o jornalista cultural Helvécio Carlos. Ele destaca o indie, a eletrônica e o pop como os estilos predominantes das festas no local. “Inferninhos como Mary in Hell, A Obra, Up Bar, Blackmail, DDuck e Velvet serviram de portal para uma nova dimensão de estilos indispensáveis para a formação cultural de uma cidade.”
A boate fechou as portas em 2013 com a debandada do público para outras baladas na região centro-sul, mas deixou como legado para a cidade a nostalgia de festas alternativas e uma lenda urbana da vida noturna belo-horizontina. Em 2007, o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão (1936-2020), foi convidado para fazer uma performance no Halloween.
Na véspera do Dia de Finados, com entradas a R$ 10, a boate atingiu sua capacidade máxima e encheu a pista que funcionava no subsolo da casa com mais de 300 pessoas que queriam curtir uma noite macabra com o peculiar e aterrorizante personagem de Mojica. A contadora Mariana Brescia, que era frequentadora da Mary in Hell, lembra que o inferninho sempre teve uma “vibe meio Halloween”: “Era muito escuro lá dentro e todas as paredes eram pintadas de preto”.
Na noite de Zé do Caixão, Mariana foi para a festa com dois amigos. “Chegamos cedo, tanto que conseguimos entrar. Encheu muito rápido”, conta. Entre a sua entrada e a lotação total, estima que se passaram menos de 40 minutos. Como previsto, Mojica apareceu, bateu seu cajado no chão e rogou as tradicionais pragas, como fazia por onde quer que passasse.
A promessa de uma festa repleta de breu e obscuridade foi cumprida, mas não por conta da presença mítica do personagem, de uma trilha sonora assustadora ou uma decoração sombria. O restante da noite poderia muito bem estar em algum roteiro de um filme — de terror ou uma comédia de humor macabro.
Logo depois que Zé do Caixão surgiu descendo as escadas e se direcionou para a cabine do DJ, a energia elétrica da boate caiu. “Pouco tempo depois de sua aparição, a luz acabou e eu fiquei completamente desesperada, porque estava super cheio de gente, e só tinha um jeito de entrar e sair”, conta Mariana. Foi nesse momento que grande parte de quem estava na casa tentou ir embora e escapar da bagunça na escuridão — muitos indo embora sem pagar a entrada e a consumação.
Maurício Raphael Corrêa Alves era o gerente da boate na época e lembra que, além do caos, a noite trouxe muito prejuízo. “Nós estávamos preparados para um sábado normal, não um lotado como foi. Não teve preparação, tanto que a bebida foi acabando no meio da noite”, comenta. Festas com convidados famosos eram comuns na Mary in Hell, que também recebeu Tati Quebra Barraco e Rita Cadillac.
Maurício acompanhou de perto o estopim do susto. “As luzes de emergência acenderam e fui no quadro pra ver o que tinha acontecido. Foi bem medonho, uma coincidência muito grande”, conta ele, atual sócio da boate Dduck, que ajudou a tirar o Zé do Caixão do local. “Nós o tiramos de dentro da casa, pois ele já era mais velho e ficamos preocupados com a segurança dele.”… – Veja mais em https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/23/vazio-desde-2013-imovel-em-bh-pode-ter-sido-amaldicoado-por-ze-do-caixao.htm?cmpid=copiaecola
Fantasmas desalojados’ A boate fechou à 1h da manhã, a luz não voltou no mesmo dia e foi preciso um eletricista para religar a energia na boate. No dia seguinte, descobriram que, aparentemente, uma sobrecarga do ar-condicionado causou um estouro no poste da rua — mas ninguém consegue ter certeza…. – Veja mais em https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/23/vazio-desde-2013-imovel-em-bh-pode-ter-sido-amaldicoado-por-ze-do-caixao.htm?cmpid=copiaecola
Coincidência ou não, muita gente não voltou mais na boate depois desse dia. Não foi o caso de Mariana, que esteve lá outras vezes, mas não deixa de achar o acaso no mínimo curioso.
“Certamente é estranho isso acontecer no dia em que o Zé do Caixão vai. Deu bastante medo, porque você vai para a festa de Halloween ver um personagem mítico e fica preso na boate que só tem um jeito de entrar e sair, é assustador.”.
Com ou sem a condenação maléfica de Mojica ou outros espíritos rondando o local, o fato é que, desde que a Mary in Hell encerrou suas atividades e saiu de lá, o imóvel nunca mais foi alugado.
A casa faz parte de um conjunto urbano em estudo na região da Savassi, mas não está tombado e não possui proteção de patrimônio cultural na esfera municipal. O atual proprietário pede R$ 10 mil mensais pelo aluguel da casa, que está disponível em diversas imobiliárias.
Quem não acredita na maldição aposta que o que realmente a que assombra a propriedade é o fantasma da especulação imobiliária. Um deles é Thiago Moreira, designer que pesquisa imóveis antigos de Belo Horizonte e mantém a página Cidade Invisível. “Com esse preço, não vão conseguir alugar mesmo”, comenta.
O valor elevado pode ser um dos empecilhos para que a propriedade tenha um destino parecido ao de outros casarões espalhados pela cidade. “Existem muitas outras casas em Belo Horizonte que tinham histórias de assombração e não existem mais por conta de demolição. Aqui, até os fantasmas estão sendo desalojados.”.
Fonte:UOL