Depois de evacuações, abandono de equipamentos públicos e apreensão com desmoronamentos na área da maior barragem urbana do mundo, os olhos de 2,5 mil pessoas diretamente ameaçadas se voltam para as obras que se iniciaram em uma área erodida de 2 mil metros quadrados, um rombo aberto pelas chuvas de fevereiro em parte de morro natural que apoia a Barragem Casa de Pedra, em Congonhas, cidade histórica da Região Central mineira, a 82 quilômetros de Belo Horizonte.
Na segunda-feira (8/8) operários começaram limpeza para cobrir de concreto o local de deslizamentos, de forma a impedir que mais chuvas ameacem o terreno. A empresa e as declarações na Agência Nacional de Mineração dão conta de que as barragens estão estáveis.
Uma amostra de que mesmo estruturas com atestados de estabilidade podem não ter todas as garantias para que pessoas durmam despreocupadas na Zona de Autossalvamento – área em que não há tempo de ação de equipes de socorro, e cada pessoa precisa escapar por conta própria na eventualidade de desastre.
As obras representam mais dias de angústia para a população dos bairros congonhenses Dom Oscar, Cristo Rei, Residencial Gualter Monteiro e Eldorado, principalmente por não ser essa a única intervenção no complexo de barragens da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) na cidade.
Acima da Barragem Casa de Pedra está o barramento B4, uma das estruturas construídas com ampliação de capacidade a montante, a mesma técnica de alteamento das barragens que se romperam em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019), e que deveria ter sido desmanchada neste ano. Ela está tendo os cursos de água que a formaram desviados para ser descaracterizada, um processo delicado, que deve ser concluído apenas em 2028, segundo a empresa.
Outro fator que também preocupa a população e ativistas ambientais é a quantidade de água entrando na Barragem Casa de Pedra, parte dela com aspecto lamacento, mesmo nesta época de chuvas escassas. Uma situação que não deveria ocorrer, já que a barragem oficialmente não recebe mais rejeitos e não pode ser ampliada.
Um desses cursos é a antiga canaleta que levava água com rejeitos do tratamento do minério de ferro, responsável por criar a barragem. A reportagem constatou, em dia de céu limpo, o aspecto escuro da água, que pode ser indicativo de rejeitos. Outros dutos que parecem vir das prensas de desidratação também ingressam na Casa de Pedra com o mesmo aspecto.
“São vários cursos com essa água de aparência suspeita. Vemos também acúmulos que parecem divisões alagadas dentro da estrutura da barragem. Água, a gente sabe que entra e sai da barragem, mas a Casa de Pedra não deveria mais receber rejeitos. Isso tudo nos preocupa. Será que esse comportamento contribuiu ou causou saturações que terminaram com o deslizamento de fevereiro?”, questiona o diretor da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon), o ambientalista Sandoval de Souza.
A CSN afirma que a água com aspecto escuro não contém rejeitos da produção de minério de ferro, que segundo a empresa são estocados em pilhas a seco. De acordo com explicação da mineradora, o aspecto da água se deve a sedimentos em suspensão drenados da área interna de atividades e que correm por diversos canais até as chamadas lagoas de clarificação.
Após deslizamento, o medo da correção
Durante o desprendimento das encostas da Barragem Casa de Pedra, em fevereiro, a população dos bairros abaixo ficou em pânico. Muitos moradores evacuaram suas casas, até porque o Rio Maranhão transbordou, alagando ruas e moradias.
O curso é afluente do Rio Paraopeba, acima de Brumadinho, e está assoreado. O local que deslizou é um terreno natural que apoia o chamado Dique de Sela, parte da represa que desde 2017 precisa passar por reparos e é alvo de procedimentos jurídicos.
O anúncio das obras foi visto com desconfiança, mesmo com a CSN convidando a prefeitura, Defesa Civil, bombeiros e polícia para conhecer os pontos de intervenção. Foi nessa época, quando se comparou as obras de revestimento à cortina de concreto da região da BR-356, próximo da curva do Ponteio, em Belo Horizonte, que as coisas tomaram mais uma vez contornos preocupantes para a comunidade.
sso porque a intervenção demandaria a inserção de drenos horizontais profundos (DHP), parte do escoamento do subsolo do terreno sob a estrutura concretada, procedimento similar ao gatilho que fez romper a Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, matando 270 pessoas em Brumadinho. Na época, o Ministério do Trabalho divulgou laudo técnico apontando que foram inseridos 15 dos 29 drenos previstos, procedimento não concluído devido à ruptura.
Após essa polêmica, a CSN informou que não serão necessários os DHP. “É importante destacar que não serão realizados drenos horizontais profundos, pois o talude natural não está saturado; portanto, não demanda drenagem interna. As atividades de manutenção têm previsão de ser concluídas antes do novo ciclo de chuvas, no fim do ano”, informou a companhia por meio de nota da sua assessoria de imprensa.
A mineradora acrescentou que “o processo erosivo no terreno natural do Dique de Sela foi totalmente gerado por causas naturais, sem qualquer relação com as atividades da empresa” e que se vale do período de estiagem para as “obras de manutenção dos taludes naturais na região” do dique.
De acordo com a companhia, a técnica é usada para manutenção, reforço e preservação de terrenos passíveis de erosões superficiais. “Trata-se, portanto, de uma obra preventiva e programada para evitar quaisquer riscos de erosões em decorrência de possíveis chuvas, como as que assolaram o estado no início do ano. Após esse procedimento, o talude é finalizado com um revestimento de tela metálica e concreto projetado para sua proteção superficial”, informou a nota.
Fonte: EM