Exposição que repassa a produção da artista plástica mineira e suas diferentes fases fica em cartaz no Minas Tênis Clube até fevereiro
Maria Helena Andrés completou 100 anos em agosto. Em sua casa no Retiro das Pedras, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, ela não para de trabalhar. Nos últimos tempos, está envolvida novamente com colagens, técnica que fez parte de sua produção na década de 1950. “Estou fazendo composições com colagens. Antigamente, eu colocava a colagem em um quadro pronto, era outra modalidade e funcionava muito bem. Só de colocar o recorte já dá um impacto diferente”, ela conta a O TEMPO.
A artista observa que utilizar a técnica é como reviver aqueles dias, quando fazia trabalhos concretistas em desenho e pintura e via seus seis filhos pequenos correrem pela casa: “Eu colocava os meninos para dormir e ia fazer meus desenhos pequeninos. Eu me divertia desenhando, tenho que sentir prazer naquilo que faço. Era também uma forma de sossegar a cabeça”.
Algumas obras daquele período compõem a exposição “Centenária”, que, como o nome entrega, homenageia Maria Helena Andrés e faz um passeio pela diversa produção da belo-horizontina, cujo início nos leva ao despertar dos anos 1940, quando ela, seguindo orientações de sua mestra no Colégio Sacre-Coeur de Marie, “que aconselhou os meus pais a me colocar numa escola de arte”, se muda da capital mineira para o Rio de Janeiro a fim de ter aulas particulares com o pintor Carlos Chambelland (1884-1950), reconhecido por sua habilidade como retratista.
Em 1944, Maria Helena volta a BH para uma fase decisiva em sua carreira. A artista passa, então, a frequentar a Escola Guignard, que tinha uma diretriz mais moderna. Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) não se preocupava em receitas de pintura aos alunos, que recebiam uma importante orientação: criem de acordo com sua própria tendência.
Inaugurada em novembro na Galeria de Arte do Centro Cultural Unimed-BH Minas (detalhes no fim da matéria), “Centenária” reúne 63 obras, entre pinturas, desenhos, aquarelas, colagens e esculturas. A mostra é um mergulho em todas as fases de Maria Helena; é, também, a síntese de uma trajetória que abraçou e incorporou elementos estéticos de distintos movimentos nacionais e internacionais.
“As pessoas vão ver as mudanças na minha carreira. Tem a mudança do figurativo, muito ligado do Guignard, para o abstrato, quando minhas obras começam a ficar mais geométricas. Depois entro em um construtivismo muito peculiar, muito mineiro, mas ao mesmo tempo ligado a São Paulo.
A exposição, idealizada pelos curadores Marília Andrés e Roberto Andrés, está, portanto, organizada segundo as fases pelas quais a artista passou. Há uma série de obras que traduzem nas telas o impacto que a II Guerra Mundial causou em Maria Helena. O marido da artista, o médico Luiz André Ribeiro de Oliveira, já falecido, chegou a ser convocado para trabalhar na Itália, mas o conflito terminou antes que ele embarcasse.
“O fantasma da guerra continuou no meu subconsciente, era um reflexo da minha vida naquele momento. Sempre houve uma mudança na minha pintura correspondente ao cenário da ocasião, às vivências internas e uma demonstração externa daquilo, sempre com disciplina e liberdade”, comenta Maria Helena Andrés, que buscou na filosofia e na espiritualidade – nos anos 1970, ela faz várias viagens ao Oriente e conhece o Nepal, Tibete, Japão, Tailândia e Índia, onde chega a lecionar desenho em Chenai (antiga Madras) – o entendimento de como arte é importante para pensar e viver o mundo.
As reflexões de Maria Helena sobre processos criativos e o diálogo entre diferentes culturas estão nas páginas de livros como “Caminhos da Arte” (1977), “Oriente-Ocidente: Integração de Culturas” (1984), “Maria Helena Andrés: Depoimentos” (1998) e sua obra mais conhecida, “Vivência e Arte”, lançada em 1966.
A biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos, guarda um volume da publicação que defende a arte moderna não só como um “rompimento com a tradição, mas um encontro com o espiritual. Essa espiritualidade vem permeando tudo por meio do contato com a natureza e o cosmos.
Arte e educação. “Centenária” também abriga um espaço para projeção do filme “Maria Helena, Arte e Transcendência”, dos diretores Evandro Lemos e Danilo Vilaça, e um ambiente lúdico para atividades educativas com crianças. Ali, é como se a artista tivesse uma continuação de sua casa. Foi pensando nos 17 bisnetos, que sempre frequentaram o Retiro das Pedras, onde sempre havia uma pranchetinha com papel e lápis, que Maria Helena, com a ajuda dos filhos, fez questão que a exposição abrisse uma janela para o livre pensamento das crianças.
“É muito importante dar possibilidades para elas se sentirem à vontade para pintar, desenhar, fazer o que se passa dentro da cabeça delas, que é muito fértil. As crianças nos ensinam muito. Pedi à minha filha (Marília) para organizar o espaço com almofadas coloridas, pranchetas e tudo preparado dentro das gavetas para que as crianças cheguem e desenhem o que quiserem. Está sendo um sucesso”, orgulha-se.
A ideia é que a exposição ganhe um caráter itinerante e possa ocupar o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. No dia 10 de janeiro, o catálogo da mostra será lançado em Belo Horizonte. Entre mostras individuais e coletivas, Maria Helena Andrés viajou o mundo e levou sua arte para países das Américas e da Europa, mas “Centenária” tem um significado especial para ela: “É uma síntese do meu trabalho e da minha obra. Acho que é a minha exposição mais bonita”.
Foi com arte, filosofia, educação e espiritualidade que Maria Helena desenhou cada pedacinho de seus dias, conduzida num voo solto e desprendido por um mundo instigante sem fronteiras, só beleza, cujas cores e formas continuam a ser traçadas, dia após dia, em uma casa no Retiro das Pedras. “Acho maravilhoso poder criar até os 100 anos de idade, fazendo aquilo que a idade, a cabeça e o corpo permitem”, diz a artista centenária.
Programe-se
A exposição “Centenária”, que reúne 63 obras de Maria Helena Andrés, está em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas (rua da Bahia, 2.244 – Lourdes) até 5 de fevereiro – terça a sábado, das 10h às 20h, e domingos e feriados, das 11h às 19h. A entrada é gratuita.
FONTE O TEMPO