Foi no ano de 1214, quando o frade Domingos de Gusmão, fundador da Ordem Dominicana fazia, na igreja de Prouille, em Tolouse na França, penitência pelos pecados humanos quando a Virgem Maria apareceu e disse: “– Sabes tu, meu querido Domingos, de que arma se serviu a Santíssima Trindade para reformar o mundo?”. “– Ó Senhora! – respondeu ele, – Vós o sabeis melhor que eu, porque depois de vosso Filho, Jesus Cristo, fostes o principal instrumento de nossa Salvação”.
Contudo, muitos anos depois, já na segunda metade do século XVI, é que a devoção a Nossa Senhora do Rosário realmente teve um grande “impulso”, graças a um fato histórico, melhor dizendo, a uma batalha – a Batalha de Lepanto.
Segundo Luciana Braga Giovannini, Doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, que cita Nilza Botelho: “No dia 07 de outubro de 1571, o Papa atribuiu a vitória da Batalha de Lepanto à invocação ao Rosário. Após o combate, foi instituída, por Pio V, a “Festa de Nossa Senhora da Vitória”, que teve o nome substituído para “Festa de Nossa Senhora do Rosário” pelo seu sucessor – o Papa Gregório XIII, reconhecendo o rosário como um importante instrumento da vitória contra o inimigo”.
A Batalha de Lepanto
Lepanto é uma cidade situada na Costa Grega. Desde o início do século XIV, o Império Turco (conhecido também como Império Otomano) invadia e conquistava grande parte da Europa. Foi então no ano de 1570, que Miguel Ghisleri, eleito Papa em 1566 com o nome de Pio V, “convocou as forças navais dos países cristãos para defenderem a Europa e o Cristianismo. A Esquadra Cristã, em minoria diante de mais de trezentas caravelas muçulmanas, foi chefiada pelo Príncipe Dom João d’Áustria”, para combater o perigo – o Islamismo ameaçador. Dom João d’Áustria, com apenas vinte e quatro anos, foi um líder militar que esteve a serviço de seu meio irmão, Filipe II da Espanha.
O Papa Pio V “mandou um cardeal benzer as armas dos soldados, pedindo que levassem o santo Rosário como a arma mais forte. Era uma guerra de legítima defesa da Europa invadida, depois que os turcos tomaram Constantinopla em 1453, e agora ameaçavam destruir o Ocidente Cristão.” O Papa Pio V ainda mandou para Dom João d’Áustria uma bandeira com a imagem de Jesus crucificado.
A Esquadra Cristã levava grande desvantagem em relação às centenas e bem armadas caravelas muçulmanas.
A preparação dos soldados consistiu em um tríduo de jejuns, orações e procissões, suplicando a Deus a graça da vitória, pois o inimigo não era apenas uma ameaça para a Igreja, mas também para a civilização. Tendo recebido a Santa Eucaristia, partiram para a batalha. No dia 7 de outubro de 1571, invocando o nome de Maria, Auxiliadora dos Cristãos, a Esquadra Cristã travou e venceu uma dura batalha nas águas de Lepanto.
Três horas de combate foram necessárias. As forças cristãs eram minoria mas, por ação de Nossa Senhora, milagrosamente, as forças turcas foram aniquiladas.
“Quando a marinha europeia, liderada por Don João da Áustria, derrotou a frota otomana em Lepanto – perto do Golfo de Coríntia na Grécia – o acontecimento foi altamente noticiado em todo o lado. Os europeus ficaram mais chocados que os otomanos: os turcos invencíveis tinham sido derrotados pela primeira vez em vários séculos, e o Mediterrâneo já não era um “lago turco” como temido.
A Europa celebrou em júbilo. A “queda dos turcos” estava iminente. Deus, que tinha abandonado os bons cristãos da Europa pela sua infidelidade e más ações, vinha finalmente ajuda-los.. (Fonte: https://www.trt.net.tr/portuguese/cultura-e-arte/2016/03/21/a-batalha-delepanto-e-as-2-historias-de-cativeiro-e-liberdade-455381). Em meio a tantos homens que lutaram nessa Batalha, do lado do Cristianismo, estava Miguel de Cervantes (autor de Dom Quixote), o mais famoso autor medieval espanhol e uma grande personalidade da literatura mundial.
Os cristãos perderam 17 navios e 7,5 mil homens. Do lado dos muçulmanos, 17 navios foram afundados e 177 capturados. Morreram entre 20 mil e 30 mil turcos. Entre 12 mil a 15 mil escravos cristãos usados como remadores pelos muçulmanos foram libertados.
A vitória dos cristãos foi “considerada desde então como um imenso favor do céu, obtido das mãos da Virgem Gloriosa e Bendita Maria Auxiliadora, graças à oração universal do Rosário e às súplicas do papa São Pio V”. “Esta não é uma história piedosa, foi um acontecimento histórico de natureza sobrenatural, testemunhada por turcos e cristãos”. (José Gálvez Krüger, diretor da Enciclopédia Católica).
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
Ainda em meados do século XVI, chega ao Brasil a primeira Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, “sendo a Irmandade dos Homens Pretos de Olinda a mais antiga do país. A partir do fim do período colonial, as irmandades do Rosário passam a ser constituídas pelos “homens pretos”. No Brasil, ela foi adotada por senhores e escravos, sendo que no caso dos negros ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um capim, cujas contas são grossas, denominadas “lágrimas de Nossa Senhora”, e montavam terços para rezar”. (Fonte: Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil).
Deve-se ressaltar que foi na cidade de Colônia, na Alemanha, que a primeira Irmandade do Rosário foi constituída, pelos Dominicanos, em 1408, quase duzentos anos após a aparição da Virgem a Domingos de Gusmão, no século XIII. Contudo, o culto à Virgem Maria já estava admitido desde o Primeiro Concílio de Éfeso, no ano de 431. A partir dessa data, uma ampla variedade de imagens da Virgem com o Menino foi disseminada juntamente com o seu culto. (Iconografía del arte Cristiano: Iconografía de la Biblia, 2008). Já em Minas Gerais, as primeira Irmandades do Rosário dos Homens Pretos foram fundadas no ano de 1713 nas cidades de Sabará e Cachoeira do Campo; em Ouro Preto dois anos depois e em 1728 na cidade do Serro.
Por Luiz Otávio da Silva – Pesquisador e Pós-graduando em História