No século XVIII e XIX no Brasil colonial e Imperial, os condenados a pena de morte eram levados para a forca (Tiradentes) ou fuzilamento (Frei Caneca), mas só foi em 1835, após o Massacre de Carrancas na Província de Minas Gerais, pressionado pelos escravagistas, uma lei aprovada leva sem clemência para a forca milhares de escravos como forma de conter os assassinatos cometidos pelos negros rebeldes e fugitivos contra as famílias da Casa Grande. A grande maioria dos enforcados no Brasil eram negras e negras que foram enterrados em vários cemitérios construídos pela Irmandade do Rosário, em varias cidades do Brasil. Nessa 1º parte do nosso artigo vamos dar uma viajada na história do Largo da Forca, hoje Praça da Liberdade-Japão, pelo Cemitério – Capela dos Aflitos, onde eram enterrados os enforcados, Capela de Santa Cruz dos Enforcados, as Igrejas da Boa Morte e do Rosário, memória viva da presença dos negros na cidade de São Paulo, especificamente no Bairro da Liberdade.
Por João Vicente
As fontes desta matéria (fotos,textos) estão disponíveis em vários sites,blogs no Google.
Parte 1 – Os marcos da história de liberdade e opressão na Liberdade, centro histórico da cidade de São Paulo
Um dos bairros mais famosos da cidade de São Paulo, a Liberdade que fora durante muitos anos território habitados pela população negra (escravos,forros,libertos) principalmente a partir de 1720 quando foi fundada a Irmandade do Rosário ficando a Liberdade um território negro demarcado na cidade, onde eles conviviam, faziam cerimônias fúnebres, festas e devoções religiosas. Mas, foi neste território que também imperou as barbaridades que ceifaram a morte milhares de negros e negras por enforcamento. O Bairro Liberdade nasce com a construção do Cemitério dos Enforcados em 1774, da Capela dos Aflitos em 1779. e pela ocupação negra nesse território. Atualmente, a Liberdade é conhecido como um bairro oriental e por isso a mudança da praça para Liberdade – Japão, mudança que está causando um forte debate e revolta na comunidade afrodescendente da cidade de São Paulo
Largo da Forca e da Liberdade, hoje Praça da Liberdade – Japão
O nome Liberdade, porém, remonta a um passado anterior ao da imigração: ao da época da escravidão, quando o local era conhecido como Largo da Forca (ou Praça dos Enforcados).
Hoje Praça da Liberdade – Japão, o Largo da Forca, mudou-se de nome para Liberdade, segundo alguns historiadores por causa do enforcamento em 1821 do soldado negro, Francisco Xavier das Chagas, o Chaguinha, mas outros dizem que é por causa do Chafariz da Liberdade que esteve no Largo por um tempo e relacionado à abdicação de D.Pedro I.
O primeiro mártir paulistano é um soldado negro enforcado em 1821 no Largo da Forca
Campo da Forca (Hoje Praça da Liberdade-Japão).
No Brasil Império, de 1821 até meados de 1888, muitas vidas foram executadas em sua maioria escravos fugitivos ou rebelados. Na cidade de São Paulo, o local da forca foi estrategicamente escolhido por sua proximidade com o Cemitério dos Aflitos, construído entre 1774 para que escravos , indigentes, sentenciados a forca e não católicos fossem sepultados.
Francisco José das Chagas, o Chaguinha
Das poucas histórias que sobraram dessa época, está a do soldado Francisco Xavier da Chagas, o Chaguinhas, condenado à morte por ter participado de uma rebelião que reivindicava salários atrasados, e considerado um dos primeiros mártires paulistanos. Sua história tornou-se conhecida, porque foram necessárias três tentativas antes da sua execução: na primeira tentativa, a corda da forca se rompeu; na segunda, a tira de couro também se partiu; sendo a terceira e última um golpe certeiro. Tal resistência garantiu sua fama, e em sua honra, ergueu-se no local a “Santa Cruz dos Enforcados”, que daria origem, numa travessa da Rua dos Estudantes (em frente à loja Tenmanya e muito próxima à Bakery Iterei), à Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados.
Isolada, abandonada e singela, a capela destoa da arquitetura atual do bairro, e preserva a tradição de fiéis acenderem velas aos mortos. Vez ou outra, avista- se alguém de joelhos em frente à capela
“Milagre!”
Na Revista do Instituto Histórico e Geográfico (vol. V, pág. 58, cassino ice), Antônio de Toledo Piza conta que no dia da execução de Chaguinha, 20 de setembro de 1821, povo “não somente comovido, mas indignado”, dirigiu-se ao palácio do governo para exigir que o enforcamento não se consumasse, mas o pedido de clemência não foi atendido.
Na terceira vez, usando uma peça de couro, as autoridades militares consumaram o enforcamento, sem que Chaguinhas perdesse os sinais vitais. Optaram por assassiná-lo a pauladas. Velas foram acesas e uma cruz foi erguida no local do crime.
Segundo depoimento do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que depois se tornou regente do Império, o soldado foi friamente assassinado no chão:
“Vi com meus próprios olhos a execução do cabo Chaguinha, que se deu antes do julgamento do pedido de clemência feito ao príncipe regente, D. Pedro I. Ao iniciar o enforcamento, o cabo caiu porque a corda se rompeu. Como não havia corda própria para enforcar, usaram laço de couro, mas o instrumento não foi capaz de o sufocar com presteza. A corda novamente se partiu e o condenado caiu ainda semi-vivo; já em terra foi acaba de assassinar.”
Conta-se ainda, que depois que seu corpo foi retalhado, sua cabeça rolou pela ladeira da Forca indo parar dentro de um buraco da capela de Nossa Senhora dos Aflitos, onde eram depositados os corpos dos condenados.
O martírio de Chaguinhas comoveu a população, que passou a adorá-lo como a um santo e construiu no local a Capela, depois transformada em Igreja, que recebeu o nome Santa Cruz dos Enforcados. No Largo da Forca que, com a abolição da pena de morte no Brasil, passou a chamar-se Largo da Liberdade
Cemitério e Capela dos Aflitos
A existência da primeira necrópole publica de São Paulo foi confirmada com a descoberta de nove ossadas no atual Bairro da Liberdade em 2018, onde ficava o Cemitério dos Aflitos, também conhecido como Cemitério dos Enforcados. Documentos escritos comprovam, no período de 1775 a 1858, o cemitério dos negros paulistanos era destino dos negros e negras escravizados, pessoas pobres, indigentes e principalmente condenados a forca.
Junto com o cemitério foi erguido a Capela dos Aflitos em 1779, hoje escondida em um dos becos da Liberdade mais especificamente na Rua dos Estudantes em meio aos arranha-céus, comércio e casas. A capela NS dos Aflitos oculta um cenário que já foi palco de barbárie contra a população negra de São Paulo e que hoje representa um complexo cultural afro brasileiro de religiosidade romaria e resistência em defesa da preservação da presença cultural dos negros no Bairro da Liberdade.“As ossadas chamaram a atenção dos grupos de cultura negra que atuam na região e reivindicam a presença de outras narrativas no bairro da Liberdade. Diante dos achados arqueológicos e da reivindicação, o movimento negro da cidade de São Paulo com apoio do Departamento do Patrimônio Histórico está propondo a implantação de um centro de memória sobre a historia do povo negro no Bairro Liberdade.
Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados
Ao caminhar ao redor da Praça da Liberdade-Japão, no bairro da Liberdade, antigamente chamada de Largo da Forca, escondida por prédios por todos os lados eis que de repente uma igrejinha, que apela às Almas dos Enforcados e que esconde um passado de imensa carga histórica é testemunha ainda de inúmeros enforcamentos, especialmente de negros revoltados com a escravidão, a quem, de uma maneira geral, a Igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados presta silenciosa e resistente homenagem. Seu nome verdadeiro é Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados, mas todos a chamam de Igreja dos Enforcados ou das Almas. Sua construção data de 1891 e fora totalmente demolida em 1926 e reconstruída em 1928. A Capela das Almas ou dos Enforcados como é conhecida pelos paulistanos devotos está relacionada a morte de Chaguinha que acabou tornando-se um santo protetor e tantos outros negros revoltosos, fugitivos que foram enforcados. No interior da Capela existe uma cruz de madeira de cor de preta e dizem que pertencia ao antigo Cemitério dos Enforcados. A lenda Urbana da cidade de São Paulo conta que as atuais ruas onde ficava o cemitério são assombradas pelos espíritos dos enforcados ali enterrados.
Outros marcos da presença do povo negro na cidade de São Paulo
– Igreja do Rosário dos Homens de Preto
Construída nos meados do sec. XVIII, Igreja dos Rosário demolida no início do século XX serviu de apoio as manifestações religiosas e fúnebres dos negros mortos na cidade de São Paulo, já que eram proibidos de frequentar as igrejas dos brancos paulistanos. O cemitério, construído ao lado da igreja logo após sua finalização, também ocupava um importante papel na vida religiosa daquela comunidade. Na sacristia havia uma gamela para lavagem dos defuntos e um caixão de madeira que transportava os corpos até as covas. Tal caixão era usado em todas as cerimônias, uma vez que os mortos eram enterrados apenas com lençóis. Os enterros começavam sempre de madrugada e eram caracterizados por um líder religioso que entoava canções identificadas como sendo do candomblé; o acompanhamento das músicas pelos presentes; e um batuque produzido pelos “mãos de pilão”, que socavam a terra que ia sendo jogada em cima da cova.[4] Diversos registros da época relatam o medo e apreensão que os moradores locais tinham com esses ritos, pois acordavam de madrugada ouvindo batuques associados ao paganismo e canções em outra língua
Igreja da Boa Morte
Igreja Boa Morte em 1910 e atualmente
Construida no inicio do seculo XIX, esta igreja era a parada de escravos condenados à forca, que eram executados ali perto, onde atualmente é o Largo da Liberdade. Era lá que os condenados pediam à Nossa Senhora da Boa Morte, como o próprio nome sugere, uma “boa morte”. Com estilo rococó e barroco, foi construída em taipa de pilão e adobe (tijolos de terra batida) e restaurada entre 2006 e 2010. No século 19, também era conhecida como a igreja das boas notícias. Como permitia avistar os que chegavam da Serra do Mar, seus sinos repicavam para anunciar as novidades e a chegada de forasteiros. Era o lugar mais alto da região central de São Paulo naquela época. Fica na rua do Carmo no Centro Histórico de São Paulo.
Enforcamento no Brasil durou décadas
Proclamada a Independência, em 1822, o Estado manteve o direito de tirar a vida dos cidadãos. Um avanço significativo só foi registrado em 1824, quando o País ganhou sua primeira Constituição. Ainda assim, os enforcamentos prosseguiram. Em 1876, foi realizado na pacata cidade de Pilar na Província de Alagoas o ultimo enforcamento no Brasil.Em 1891, a primeira CF da Republica aboliu a pena de morte.
Tanto no período colonial quanto no Império, foram muitos os casos de condenações baseadas em julgamentos sem, erros judiciários, clemências tardiamente concedidas.
Na quase totalidade, exceto nas rebeliões, conspirações ou insurreições, os condenados eram escravos negros Seus carrascos, geralmente, também eram negros condenados. Para escapar à pena capital, aceitavam o ofício de enforcar os outros condenados.
Não foram poucas, contudo, as vezes em que carrascos negros, embora correndo o risco de serem executados, se recusaram a enforcar condenados.
O jornal Democracia, por exemplo, relatou o que ocorreu em Lorena: um carrasco se negou a enforcar o condenado, alegando que não cometeria “assassinato”. Mais: Clóvis Moura escreveu em seu Dicionário do Negro, no verbete “carrascos”, que:
“mesmo aos escravos repugnava a função odiosa. Alguns preferiam morrer a enforcar outros…”
Registraram-se também destruições de forcas, praticadas por negros escravos unidos a índios. Brancos e ricos raramente experimentavam o nó na garganta. Segundo pesquisas as raras vezes que um homem branco foi para forca aconteceram em 1853,1857 e 1861 na cidade de Macaé(RJ), Luziânia(GO) e Caldas(MG) respectivamente.
História do Centro Histórico de SP passa pela Liberdade
Fica o convite para quem for a São Paulo não deixe de visitar e conhecer melhor a presença da cultura negra na formação da cidade de São Paulo pelo Centro Histórico. Talvez quem sabe, conhecendo melhor a história cultural do povo negro, a gente constrói um país mais igual,mais solidário e fraterno. Até ao próximo capítulo da parte 2, Cemitério dos Enforcados.
Tour Afro pelo Centro Histórico de São Paulo, especificamente na Liberdade