Moradores e lideranças tomaram na noite de ontem (23), a quadra escola na Escola Odorico Martinho da Silva, no Bairro Pires, para participar de uma audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente, da Câmara de Congonhas, para discutir e propor soluções para o abastecimento de água na comunidade, problema vivenciado há mais uma década.
A comunidade respondeu ao chamado da associação de moradores e protagonizou um encontro marcado pela tensão e incisivas cobranças pela qualidade do produto e proteção das nascentes do João Batista e Boi na Brasa, responsáveis pelo abastecimento dos mais de 3 mil moradores e situadas em reserva legal das mineradoras CSN e Ferro+.
Nos dias 3 e 9, as obras das duas empresas romperam as tubulações carreando minério e barro para o reservatório chegando até as caixas d’aguas dos moradores. Em nota, a Defesa Civil responsabilizou as mineradoras, mas a comunidade protestou pelo constrangimento de ser obrigada usar água suja e poluída por mais de uma semana. O Ministério Público abriu um procedimento para investigar os danos ao meio ambiente.
Protestos
Mais de 300 moradores lotaram a quadra da escola e expuseram o drama do abastecimento de água no Pires. “Aqui é o início de uma nova relação com as empresas diante desta expressiva participação popular”, disse Padre Claret, do Movimento Atingidos pelas Barragens (MAB).
A Presidente da Associação de Moradores, Isaura de Lourdes, fez um breve relato da situação após o rompimento das tubulações e o drama vivido por mais de 10 anos pela comunidade. “Acidente ou não, isso vem acontecendo desde 2008. O Pires merece respeito e não queremos lama e barro. Temos água em abundância e porque não instalam um equipamento de alerta para avisar que ocorreu um acidente e que a água está contaminada? Queremos um diálogo franco com as empresas e uma solução”.
Dezenas de moradores protestaram em suas falas na audiência. Foram denúncias de doenças em crianças e idosos causadas pela água contaminada e outras reclamações em favor do meio ambiente. “É muita humilhação ter que lutar pelos nossos direitos básicos e de acesso a água potável”, disse a moradora Mirtes Teixeira. “Vão esperar uma intoxicação em massa?”, questionou Milene Aparecida. Após as falas, os moradores promoveram uma aclamação simbólica pela preservação das nascentes do Pires.
Mãe relata que filho tem problema com água poluída
Durante a audiência, dezenas de mães e moradores relataram o aumento da incidência de doenças provocadas pelo consumo da água poluída principalmente após o rompimento das adutores. Segundo elas, os filhos tiveram que faltar às aulas por causas de constantes diarreias. Os idosos também sofrem com a situação de insegurança hídrica.
Nossa reportagem ouviu Lucimar Rodrigues cujo filho, Artur, de 6 anos, tem complicações de saúde devido ao consumo de água imprópria. O menino passou por diversos exames sendo encaminhado diversas vezes passando mal e com dores para a UPA de Congonhas. “São diversas crianças com problemas de saúde e não recebemos qualquer apoio”, criticou. Ele mostrou dezenas de exames realizados por Artur e gastos com a saúde da criança.
Empresas classificam acidentes como infortúnio
Os representantes da CSN e Ferro + classificaram os rompimentos das tubulações como “infortúnio”. Em meio aos protestos e xingamentos dos moradores, eles reconheceram o erro das empresas e propuseram ações. “Hoje é um dia triste para mim como para vocês. Sabemos da nossa responsabilidade. Não gostaria de estar passando este momento com vocês”, assinalou o Yashi Maciel, da Ferro +. Ele informou que entre 2007 a 2023, a prefeitura arrecadou com os royalties de mineração da empresa mais de R$1,3 bi. “Precisamos achar uma solução para a água do Pires com os diversos atores envolvidos e dividir responsabilidades”, afirmou. Suelen Pereira, da CSN, também lamentou os rompimentos e informou que a rede de tubulação será mapeada, sinalizada e fechada, assim como a rede de gás, para evitar acidentes.
Deputada chama de mineradoras de mentirosas
Um dos momentos mais tensos da audiência foi quando a Deputada Estadual, Beatriz Cerqueira (PT) fez duras críticas a atuação das mineradoras nos acidentes e classificou as posturas “mentirosas”. “Tenho 5 anos de atuação e conheço o discurso das empresas. Gostaria que vocês ficassem sem água potável como os moradores apenas por um dia. Graças a força coletiva que estes representantes estão aqui e não estariam se não fosse a intervenção da Câmara em propor esta audiência. Já se foram mais de 20 dias e as empresas não apresentaram soluções, muito menos tomaram a iniciativa de um diálogo mais próximo da comunidade. O que aconteceu é crime. Quem vai limpar as caixas d’águas de minério ou apresentar análises da água semanalmente? Isso aqui não foi proposto pelas mineradoras. Temos que inverter a relação. Elas que precisam dos territórios para explorar o minério”, contestou a deputada.
Durante seu discurso contundente, que arrancou aplausos dos moradores, Yashi Maciel ficou em pé em tom de protesto e intimidação. Outro momento protagonizado pelo representante da Ferro +, foi quando insinuou que Sandoval de Souza, ativista ambiental, presente a audiência, estaria agindo em promoção pessoal, mas foi prontamente respondido pela liderança comunitária.
Vereadores criticam mineradoras
“Estamos exigindo uma solução”, pontuou Vanderlei Eustáquio, já ao final da audiência, reservada aos discursos dos Vereadores. “Vocês foram infelizes. Ao invés de justificativas e ficar pedindo desculpas, deveriam vir com soluções e um plano de ação. As mineradoras estão devendo”, salientou o Vereador Averaldo Pica Pau (MDB). “De que adianta ganhar muito se o povo está sofrendo”, comparou o Vereador Eduardo Matozinhos (PSDB). “Tiram ouro e devolvem lama”, atacou Averaldo
Prefeitura
Ana Gabriela, Secretária Municipal de Meio Ambiente, informou que após os acidentes a defesa civil esteve nos locais para apuração e análise. Ela pontuou que a pasta está sugerindo ações como a adoção de uma válvula com o sistema “abre e fecha” para não afetar o abastecimento em casos de acidentes e não contaminar a água e o levantamento topográfico da tubulação com sua sinalização e fechamento.
Além disso, a a pasta solicitou o cercamento, mapeamento e revegetação das áreas das entorno as nascentes, sinalização da adutora e isolamento e análise da água.
Copasa
Durante a audiência, os moradores rechaçaram a possibilidade de instalação da Copasa no Bairro Pires.