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Intérprete de libras herda ativismo de Clarissa Fernandes pelas causas da inclusão dos surdos e surdocegos em Lafaiete e defende o “direito linguístico”

“Quanto a mim, digo a vocês que luto. Hoje, nós do movimento bilíngue e da comunidade surda, estamos nessa casa para ouvir dos senhores vereadores, na posição de privilégio dos senhores, se também estão dispostos a lutar, ao nosso lado”. Assim expressou a Luana Dias, tradutora intérprete do Par linguístico Português/Libras Servidora Federal do IFMG – Campus Ouro Preto e Militante do Movimento de Educação Bilíngue de Minas Gerais, durante seu discurso na Tribuna da Câmara na noite desta quinta-feira (1), em Lafaiete (MG).
O tom afirmativo e até incisivo das palavras ecoaram no Legislativo na sessão com a presença dos representantes da Associação dos Surdos de Conselheiro Lafaiete e Região (Assular) que ao longo de semana ocuparam as cadeiras do recinto exercendo o protagonismo das causas de acessibilidade e inclusão, como também o reconhecimento das demandas ainda não inclusas nas políticas públicas locais.

Tomada pela emoção, Luana deixou seu recado aos vereadores e cobrou “respeito linguístico” e a introdução das línguas de sinais, a Libras, em vários ambientes públicos e privados como forma de acessibilidade da comunicação entres as pessoas surdas e ouvintes, o direito a diversidade e representatividade da comunidade surda.
Luana discorreu sobre o projeto de Lei Clarissa Fernandes, em tramitação na Câmara, de autoria do Vereador Professor Oswaldo Barbosa (PV) que institui e reconhece oficialmente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) em Lafaiete, garantido a implementação de políticas voltadas ao direito linguístico e de acessibilidade dos surdos e surdocegos nas esferas da saúde, educação, cultura e lazer.

Ao longo da semana, representantes Assular, Paulo Roberto da Silva e Alessandro Carlos, cobraram a disponibilização de intérprete de sinais em diversas repartições públicas e privadas para facilitar o acesso e inclusão dos surdos garantindo o direito linguístico de comunicação.
Tomada pela emoção, Luana contou um pouco de sua trajetória profissional tendo a oportunidade de conviver até os últimos momentos da vida da ativista Clarissa Fernandes, professora de libras do IFMG campus Ouro Preto, sindicalizada ao SINASEFE e ativista da comunidade surda, que faleceu no dia 02/09, vítima de um acidente de trânsito na BR-356, em Itabirito-MG.

A história

Clarissa Fernandes nasceu ouvinte e perdeu a audição aos 5 anos de idade, sendo assim teve o contato linguístico com a língua portuguesa antes de perder a audição. Ela mesma dizia que possuir memória auditiva. Filha de uma professora de português, teve sempre os acompanhamentos necessários para seu desenvolvimento cognitivo e de linguagem. Clarissa sempre teve o apoio da família, porém sendo a única surda na família e por não ter ainda contato com a comunidade surda, acreditava que morreria antes de chegar a idade adulta, pois nunca tinha visto um adulto surdo como ela. “Todos sabemos que sem a representatividade social de quem somos é difícil uma criança conseguir vislumbrar o potencial de quem ela pode ser quando crescer”, afirmou Luana.

Aos 14 anos, finalmente Clarissa é inserida na comunidade surda e adquire tardiamente a Língua Brasileira De Sinais. Mesmo tendo a aquisição tardia da língua de sinais, depois de descobrir um mundo onde existem muitos como ela, Clarissa desenvolveu todo o seu potencial dentro do curto espaço de tempo que Deus nos permitiu tê-la entre nós. Clarissa vivenciou a experiência da maternidade, se casou, se formou no curso de Licenciatura em Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2011.

Foi surdoatleta, apoiou mulheres em suas lutas, militou a favor da educação bilíngue, prestou concurso e ingressou como docente de libras no Instituto Federal de Minas Gerais Campus Ouro Preto. Fez seu mestrado em Educação na Universidade Federal de Ouro Preto.
Foi tutora do curso de Letras Libras da UFSC Polo Ribeirão das Neves, mesmo lugar onde Luana se formou. Foi membro e coordenadora do Núcleo de Apoio as Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas do IFMG Campus Ouro Preto.
Viajou para França para conhecer as origens linguísticas da Libras. Para quem não sabe, a nossa colonização linguística veio de Portugal para hoje falarmos o português, mas caso da Libras a nossa colonização linguística veio da língua francesa de sinais para das origens a língua brasileira de sinais que temos hoje.

Ela foi ouvinte, foi surda, foi menina, foi mãe, de aluna a mestre, foi esposa, foi amiga! De 2017 a 2022 trabalharam juntas. “Fui sua voz e seus ouvidos durante 5 anos dentro do IFMG.” – afirmou Luana. Estava ao seu lado durante sua última aula e Clarissa lhe disse que iria embora cedo no outro dia para estudar a disciplina isolada do doutorado. E no outro dia ela simplesmente foi embora cedo demais e deixando um legado enorme.

No dia 2 de setembro de 2022 ela voltou para casa. “Desse dia por diante eu entrei num estágio de luto, não apenas do luto com o significado de perda, mas da palavra luto na extensão de todo o seu significado enquanto ação de potência para conquistar grandes coisas. A partir da morte de Clarissa eu passei por uma mudança de comportamento. Antes prezava em não participar ativamente do movimento bilíngue para não ocupar o lugar de protagonismo da pessoa surda. Clarissa lutou por aquilo que ela acreditava e não viu o resultado de toda a sua luta. Hoje entendo que não é o fato de ser eu ouvinte que me tire o direito de também lutar por essa minoria. Passei a refletir que mesmo que não seja esse o meu lugar de fala, o que tem feito eu com o meu lugar de privilegio por pertencer ao grupo linguisticamente majoritário no nosso país, que somos nós ouvintes, falantes da língua portuguesa e por estar viva. Me sinto na responsabilidade de levar esse legado a diante. Hoje convido aos senhores vereadores a entrar nesse mesmo estágio de LUTO. Pois não é preciso ser surdo para lutar pela garantia de acesso a direitos humanos essenciais a toda população, a todo cidadão, incluindo esta minoria linguística e respeitando a sua língua assim como estou fazendo com vocês nesse momento. Quanto a mim, digo a vocês que luto”, encerrou Luana o seu discurso arrancando aplausos da plateia e apoio a causa de acessibilidade dos surdos e surdocegos e a reconhecimento a diversidade como direito.

Arte em libras

Luana é também artista, contadora de histórias bilíngue, atua na tradução artística produzindo versões musicais em libras (ou seja, faz música em uma língua que ninguém escuta).
Atualmente, ela trabalha no seu segundo laboratório de tradução musical que basicamente é orientar a tradução musical de forma individual ou coletiva para que o aluno orientado produza no final do laboratório um produto que é um clipe com a versão musical em libras.

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