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Ambivalências dos fundos de direitos difusos no Brasil

A preservação do patrimônio cultural é um princípio de civilidade, um marco de cidadania quando a comunidade tem vez e voz para participar efetivamente da salvaguarda de seus bens culturais. Essas acepções indicam como as instituições e a sociedade lidam com a proteção da memória social. De acordo com a Constituição Cidadã, o patrimônio cultural possui natureza indivisível e representa uma coletividade indeterminada de pessoas que não podem ser individualizadas. Trata-se de um interesse difuso que somente pode ser assegurado dentro de um panorama comunitário, pois o patrimônio cultural pertence a todos e ao mesmo tempo não há relação de pertencimento de forma individual.  

O Fundo Nacional de Direitos Difusos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (FDD) foi criado a partir de uma ação civil pública Lei 7.347/85 e regulamentado pela Lei 9.008/95. Dessa forma, foi uma ação coletiva que possibilitou um meio de reparação a danos causados aos direitos difusos e coletivos que podem prejudicar um conjunto de pessoas ou até mesmo a sociedade. Em Minas Gerais, também existe outro mecanismo voltado à captação de recursos para órgãos ou instituições da administração pública direta ou indireta, estadual ou municipal e também entidades não governamentais legalmente constituídas e sem fins lucrativos. O Fundo Estadual de Defesa de Direitos Difusos (Fundif), vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), foi instituído pela Lei 14.086, de 06 de dezembro de 2001. O fundo tem como objetivo promover a reparação de danos causados ao meio ambiente, a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Apesar dessa perspectiva comunitária que é atribuída aos direitos difusos e aos seus mecanismos de financiamento, constata-se que são instrumentos pouco difundidos e debatidos amplamente pela sociedade. Além disso, grande parte das instituições que são beneficiadas pelo (FDD) e (Fundif) representam órgãos da administração pública, sejam elas municipais, estaduais ou federais. As entidades não governamentais, as ONGs como são popularmente conhecidas, ainda não alcançaram um percentual com equidade de participação nesses instrumentos de captação de recursos públicos. Dentre os convênios celebrados pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), destaca-se a participação de Municípios, em sua maioria, e de Universidades Federais. A limitação dos convênios a serem celebrados prejudica a abertura do (FDD) às entidades civis. Isso revela uma ambivalência estrutural, uma vez que que os direitos difusos adquiriram no Brasil, a partir da ação civil pública (Lei 7.347/85), uma natureza eminentemente social.

No tocante à preservação do patrimônio cultural, é inegável que a vontade política se sobrepõe às necessidades reais das comunidades que tentam salvaguardar seus bens culturais. Mas se deparam com dificuldades técnicas para elaborar projetos e gerir ações de salvaguarda de acervos históricos, artefatos turísticos e culturais que são vivenciados no cotidiano. A ampliação participativa de organizações civis nos fundos de direitos difusos torna-se crucial para legitimar o artigo 216 da Constituição Cidadã, que determina que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro. Mas isso não acontece na prática quando é analisado o percentual de recursos destinados às organizações não governamentais. Nesse sentido, é necessário repensarmos os direitos difusos a partir de uma perspectiva mais inclusiva da sociedade civil organizada, com a promoção de cursos centrados na capacitação do terceiro setor para elaboração e gestão de projetos. Essas ações podem contribuir com a consolidação de políticas públicas preservacionistas mais abrangentes, democráticas e, consequentemente, mais participativas.  

Éverlan Stutz é jornalista, especialista em gestão do patrimônio cultural pela PUC Minas, mestrando em Turismo e Patrimônio Cultural na Universidade Federal de Ouro Preto 

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