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“Solo da Cana”tem apresentação hoje (24) em Lafaiete (MG), discute ativismo ambiental e faz análise dos valores “modernos”

Solo da Cana é um trabalho cênico que trata do cultivo de afetos nas relações entre os seres. Para isso, ficcionaliza uma voz vegetal, na tentativa de ampliar a escuta para além da humanidade: a cana-de-açúcar, ícone da monocultura agro-pop, vem a público trazer uma perspectiva de resistência ao colonialismo e ao apagamento das diferenças. Solo da cana trata de uma batalha entre a ampliação da fronteira agrícola e a atrofia do sensível, entre o superávit e a fome, na luta por um terreno que recupere, regenere o todo.

Izabel de Barros Stewart é idealizadora e autora de “Solo da Cana”; bailarina, improvisadora e artista brasileira atenta às transformações ocorridas na Terrra – e em especial no Brasil. Neste espetáculo, compartilha visões do mundo contemporâneo colocadas no papel, e que chegam agora ao palco sob direção do coreógrafo João Saldanha, parceiro da sua trajetória artística.

“Solo da Cana” reflete sobre como somos moídos pelas informações e valores impostos pelas engrenagens do mercado financeiro, da economia, dos avanços tecnológicos, da urgência e da superficialidade das relações humanas, carentes de transformação e de afeto.

O palco está praticamente vazio. Em cena, um pequeno banco, que é carregado pela atriz pelo espaço cênico, uma garrafa de cachaça e uma trouxa. A união entre texto, direção e demais colaborações preenche o espetáculo com forte carga imagética e conduz o público a uma reflexão necessária.

Zap Papo com Izabel Stewart

Gustavo Zubreu – Como foi a concepção do argumento e roteiro deste trabalho cênico? De onde veio o tema e desde quando você vem desenvolvendo este espetáculo?

Izabel Stewart – A concepção do projeto tem a ver com o meu engajamento no ativismo ambiental, com a educação ambiental, mas não se restringe a isso. A cana aparece no trabalho como uma personagem que encarna a cultura mono-agro-pop que se alastrou mundo afora, e vem transformando a vida em mercadoria, as pessoas em produtos e a natureza em recurso. Então, (esse argumento) vem da questão de como alargar nosso horizonte sensível. São inquietações que me atravessam e que encontrei esse modo de dar vazão: elaborando um texto e levando pra cena.

É a primeira vez que me atrevo na dramaturgia, como uma necessidade, uma urgência sem nenhuma pretensão maior; apenas esse sentimento de urgência de falar de coisas que me atravessam e que não dizem respeito só a mim. São assuntos que estão na pauta do dia e que encontrei nas artes cênicas um modo de dar vazão. Trata-se de uma arte viva, no sentido de que ela acontece presencialmente e se transforma a cada apresentação. Então, achei que este era um modo bem propício de colocar essas questões e de buscar uma cumplicidade com o publico. É um trabalho em que fico frente a frente com a plateia, tenho uma relação bem direta. Mas não é uma relação de enfrentamento, embora eu lance uma série de provocações. É sobretudo uma tentativa de alcançar uma cumplicidade sobre assuntos que dizem respeito a todos nós.

Gustavo Zubreu – Antes dessa temporada de outubro no Espaço Abu (no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro) , você fez apresentações únicas do espetáculo no Centro de Artes da Maré e na Fundição Progresso, dentro da programação do Plante Rio. Como foi a recepção do público e o que os novos espectadores vão receber após essas primeiras experiências do Solo no palco?

Izabel Stewart – Sobre a recepção na Maré e na Fundição, foram muito boas. São públicos bem diferentes. Na Maré, foi um público de curiosos que não sabiam nada a respeito do meu trabalho e nem do João (Saldanha, diretor do espetáculo). Teve um bate papo depois da peça que foi muito legal. É sempre muito interessante ver o que as pessoas enxergaram no trabalho, como as pessoas receberam, como elas foram tocadas. E nessa conversa surgiram várias coisas que convergem com aquilo que me propus a levar para a cena; (também) coisas que vão em direções que eu nem tinha pensado, percepções que tem a ver com o repertório da vida de cada um.

Na Fundição, foi um público que estava envolvido com o Plante Rio (evento realizado nos dias 29 e 30 de setembro, preparatório para o CBA – Congresso Brasileiro de Agroecologia), mergulhado na agenda agroecológica, que abrange também questões políticas, sociais, econômicas, culturais, que tocam muitos assuntos, assim como o Solo da Cana. Então, pra mim, foi super importante ter essa experiência de encontro com um público da periferia, e esse outro público, vamos dizer assim, especializado nas pautas agroecológicas. Me senti muito alimentada e isso me enriquece enormemente.

Gustavo Zubreu – O Solo da Cana tem direção e coreografia de João Saldanha, conhecido como expoente da dança contemporânea brasileira. O que esse trabalho com ele trouxe para texto e concepção da autora? Como está se complementando essa parceria?

Izabel Stewart – Trabalhei com o João muitos anos, há muito tempo atrás. E a gente mantem uma relação de amizade muito forte, uma intimidade muito grande. Quando eu estava escrevendo o texto do Solo da Cana e pensando em como levar pra cena, me dei conta de que somente o João poderia topar essa empreitada comigo: uma pessoa que me conhece profundamente e na qual confio como amigo-parceiro, por quem tenho grande admiração.

Além de tudo João é um jardineiro, um paisagista, uma pessoa que se relaciona com esse universo vegetal. Então, realmente estou convencida de que além da relação de amizade e admiração profissional, houve uma cumplicidade no interesse do tema que nos alimentou mutuamente durante todo o processo, e que é perceptível em cena.

O João teve toda a liberdade de interferir nas minhas intenções iniciais e participar comigo da concepção e da confecção do trabalho. É um trabalho de mutirão mesmo e ele, com certeza, está na frente comigo e com as produtoras. A gente formou uma equipe muito muito bacana: o Saraiva na trilha; o Mauro com os figurinos, o Pedrão no trabalho de voz, que eu nunca tinha feito… É uma turma bem massa que se formou!

Gustavo Zubreu – Por fim, gostaria de explorar um pouco do seu desejo com esse trabalho: como você espera que as pessoas levem pra casa ou pra vida do Solo da Cana?

Izabel Stewart – Essa é uma coisa que eu entrego. Não trabalho com a perspectiva do que as pessoas vão levar: depende do interesse, da trajetória e do repertório de cada um, o que cada um vai ficar (guardar) desse trabalho. Mas que possa de alguma forma mover as pessoas, sem expectativa de alguma coisa específica.

O trabalho, a encenação, como foi concebido e como está acontecendo, é sobre o cultivo de afetos e da busca de uma cumplicidade nas relações interespécies, já que estou ali propondo ficcionalizar uma voz vegetal, uma voz de uma cana de açúcar, em diálogo com seres humanos, partindo da pergunta: o que uma cana de açúcar teria a nos dizer? Pode atingir muitas outras camadas também, mas isso vai depender de como essa interação com o publico vai se dar e da história de cada um, como ela se liga, ou não, a todo esse universo que eu estou propondo em cena.

SERVIÇO

Solo da Cana – com Izabel de Barros Stewart

Dias: quarta-feira (24)
Horário: 19h
Onde: Teatro Muncipal ( Placidina de Queiróz)- Câmara Municipal)
Entrada: gratuita
Classificação indicativa: 10 anos

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