Abaixo-assinado contra a proposta já tem mais de 50 mil apoiadores
Após 15 anos travado, o governo de Minas Gerais, sob gestão de Romeu Zema (Novo), retomou os debates sobre a concessão de licença prévia para a Vale executar o projeto Apolo, que trata da exploração minerária próxima à Serra do Gandarela, localizada na região do quadrilátero ferrífero mineiro.
Nas últimas semanas, aconteceram audiências públicas sobre a proposta em pelo menos dois municípios do entorno, Caeté e Santa Bárbara. A serra abriga o Parque Nacional da Serra do Gandarela, que também faz limite com outros seis municípios: Itabirito, Mariana, Nova Lima, Ouro Preto, Raposos e Rio Acima. A área está a apenas 40 quilômetros de distância da capital mineira.
Entre os possíveis impactos da implementação do projeto, que prevê uma cava de sete quilômetros de extensão e 200 metros de profundidade, especialistas alertam para a ameaça da segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
“A Serra do Gandarela abriga um dos últimos aquíferos preservados do nosso quadrilátero aquífero e ferrífero e a cava do projeto Apolo vai destruir esse aquífero. Essa água pura, que está preservada e que abastece as nascentes do Rio das Velhas e do Rio Piracicaba, vai secar. Uma vez destruído o aquífero, acabou essa reserva que pode ser uma fonte de garantia de segurança hídrica para RMBH”, explica Daniel Neri, professor e pesquisador do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).
Com especificidades geológicas, a região possui reservas de águas em formações ferríferas, com grande quantidade de armazenamento e infiltração. As águas da região também são consideradas de qualidade elevada ou “classe especial”.
Proposta inovadora?
Desde 2021, a Vale afirma que fez mudanças no projeto, cujo licenciamento começou ainda em 2009. Segundo a mineradora, a proposta é “inovadora” e “sustentável”, já que não prevê a construção de barragens.
Porém, para Daniela Campolina, uma das coordenadoras do grupo de pesquisa Educação, Mineração e Território da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a destruição dos aquíferos já representa riscos suficientes que justificam a rejeição do projeto.
“É muito complicado, especialmente em tempos de mudanças climáticas. Nós não podemos nos dar o luxo de fazer um projeto com esses impactos. A Vale alega que não alteraria a dinâmica hídrica, o que cientificamente é uma mentira. Por mais que apresentem a ideia de um ‘novo conceito de mineração’ , não existe nenhuma tecnologia que impeça, no caso desse projeto, a destruição definitiva dos aquíferos”, avalia.
“Eles estão medindo os impactos em metros quadrados, mas, na realidade, os impactos são em metros cúbicos, pelo volume de água subterrânea e pela influência que isso teria nos aquíferos. Os efeitos do projeto também tendem a influenciar os biomas e ecossistemas que dependem dessa água”, complementa Daniela Campolina.
Impactos sociais
Outra preocupação quanto ao projeto são as consequências sociais e econômicas que a chegada da mineração pode trazer às comunidades da região. Do aumento da quantidade de poeira ao crescimento dos índices de prostituição, a ambientalista e moradora de Caeté Maria Tereza Corujo acredita que os riscos são muitos.
“Sempre quando chegam grandes empreendimentos de mineração, há aumento do custo de vida, e sobrecarga dos serviços públicos, principalmente de saúde e habitação. Além disso, também crescem os índices de gravidez precoce, prostituição infantil e adulta. Para se ter uma ideia, está previsto um alojamento para 480 trabalhadores perto da comunidade Morro Vermelho, que já tem situações de fragilidade social”, comenta.
“São impactos gigantescos e irreversíveis. O potencial turístico da área também deixa de existir, algumas cachoeiras, por exemplo, não vão ser mais de acesso público”, conclui Maria Tereza.
Mobilização
Com a possibilidade de licenciamento do projeto, foram intensificadas as mobilizações para informar a sociedade sobre os riscos. Um abaixo-assinado do movimento Salve Gandarela já recebeu mais de 50 mil assinaturas.
Nos municípios, o esforço tem sido de articular o máximo de atores possíveis para resistir à implementação da proposta. É o que explica o vereador de Barão de Cocais e militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Rafael Tcheba (PDT).
“A mineração e a ‘minério-dependência’ estão ameaçando não apenas nosso futuro, mas também nosso presente, o que é mais gritante. A gente precisa urgentemente defender nossa soberania hídrica. Nós estamos articulando todos os atores municipais da microrregião para fazer uma frente de resistência ao projeto Apolo. Não faz sentido algum, pensando em desenvolvimento sustentável, viabilizar um empreendimento como esse”, afirma.
O outro lado
Procurados para comentar sobre as denúncias, a Vale e o governo de Minas Gerais não responderam até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
FONTE BRASIL DE FATO MG