Em 2023, empreendimentos de “energia limpa” destruíram 4,5 mil hectares de vegetação no país, principalmente no nordeste. “Total contrassenso”, diz pesquisador
No último ano, empreendimentos de energia renovável causaram a destruição de 4,5 mil hectares de vegetação nativa no país. O número é 9,5 vezes maior do que o registrado em 2020, quando foram desmatados 475,99 hectares para tal fim. A Caatinga do nordeste brasileiro é o bioma que mais tem sofrido com a situação, mostra levantamento realizado por ((o))eco, em banco de dados do MapBiomas.
Entre 2020 e 2023, o total desmatado no país por projetos de renováveis chegou a 9,4 mil hectares, área equivalente à capital do Espírito Santo, Vitória. Dos oito estados brasileiros que registraram desmatamento por esse vetor no período, seis estão no nordeste brasileiro.
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Entre os biomas que mais sofreram com projetos de renováveis, a Caatinga desponta na frente, com 92,6 % do total desmatado no período. Em seguida aparecem o Cerrado, com 7,3%, e a Amazônia, com 0,1% do total desmatado.
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Fazendas eólicas
O maior desmatamento por projetos de renováveis – e também o de maior velocidade – já registrado pelo MapBiomas ocorreu no município de São José do Belmonte, no norte de Pernambuco.
É nesta cidade onde hoje se encontra o autodenominado “maior complexo de energia solar da América Latina”. O projeto, comandado pela espanhola Solatio, conta com sete grandes usinas solares.
Segundo análise do MapBiomas, por lá, somente entre 2020 e 2023, foram desmatados 1.513 hectares de vegetação nativa para dar lugar ao complexo de painéis fotovoltaicos. A cifra representa 1% do território total do município.
“Isso é um total contrassenso para o Brasil. Não faz o menor sentido desmatar, principalmente para a [energia] solar”, disse Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, rede formada por mais de 70 organizações que reúnem a publicam dados para monitorar o uso da terra nos biomas brasileiros.
Segundo o Plano Nordeste Potência – iniciativa voltada para a inclusão social e respeito aos Povos Tradicionais nos processos de expansão da energia renovável no Nordeste do Brasil – 66 gigawatts (GW) estão outorgados para a região Nordeste em projetos de energia renovável, o que corresponde a quase cinco Itaipus de potência energética.
Desses 66 GW outorgados, 28,7 GW são de projetos solares e 34,4 GW de projetos eólicos no continente.
Segundo Cristina Amorim, coordenadora da Iniciativa, os números trazidos pelo MapBiomas mostram que, apesar de as tecnologias da energia renovável serem consideradas limpas, a forma como elas têm sido implementadas não é.
“São fazendas solares [instaladas] sem planejamento, sem avaliação das consequências, sob o manto de que estão salvando o planeta, porque a alternativa é pior. De fato, a alternativa para o clima é pior e, de fato, precisamos de dessas centrais renováveis para tratar da emergência climática. Agora, o que não precisa manter é a forma predatória de expansão”, disse.
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De acordo com ela, o local em que os parques são – e serão – instalados não pode se basear exclusivamente na capacidade de geração na região pretendida, mas nas condições e no contexto em que estarão inseridos.
“Essa é uma questão muito grave, porque o brasileiro, quando pensa em energia solar, ele pensa no painel fotovoltaico no telhado da sua casa e esquece que existem as fazendas solares. E muitas vezes você tem desmatamento para instalação de parques, em vez da utilização de áreas já degradadas”, complementa a coordenadora do Plano Nordeste Potência.
Em janeiro deste ano, a iniciativa publicou o documento “Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável”, que traz mais de 100 recomendações para que o setor público e privado trabalhem por uma transição energética justa e inclusiva.
Segundo Cristina Amorim, o desmatamento revelado pelo MapBiomas é somente um dos impactos dos projetos de energia renovável no país. Muitas vezes, diz ela, as centrais são implantadas em áreas que eram antes dedicadas à produção rural familiar ou outras atividades de subsistência em menor escala.
Redução de renda, insegurança alimentar, êxodo rural e problemas de saúde são alguns dos muitos outros impactos que, de acordo com as organizações que compõem o Plano Nordeste Potência, precisam ser levadas em conta.
“A necessidade de realizar a transição energética global é inquestionável. Os efeitos já severos da crise climática nos lembram que a descarbonização do setor energético é imperativo para a estabilização do aquecimento global. No entanto, se for somente energética, esta transição dificilmente tornará a vida melhor”, diz o documento lançado pela iniciativa em janeiro deste ano.
FONTE O ECO