Desde 2010, Tiago é detido constantemente pela polícia depois que um criminoso foi registrado com seu nome. Justiça reconheceu erro, mas problemas persistem
O patroleiro Tiago Cândido Souza, de 42 anos, convive há mais de uma década com medo de ser preso a qualquer momento, mesmo sem ter cometido crime algum. O receio não é injustificado. Desde 2010, ele precisa se explicar em toda abordagem policial já que um criminoso, condenado por tráfico de drogas, foi cadastrado no sistema penitenciário utilizando o nome dele. Em algumas das vezes que foi parado, Tiago estava com mandados de prisão abertos e precisou que seu chefe e seu advogado fossem à delegacia explicar que tudo não passava de um mal entendido. “É constrangedor”, desabafa.
No ano passado, a Justiça determinou que o Estado de Minas Gerais pagasse para Tiago uma indenização de R$ 10 mil por danos morais e corrigisse os registros equivocados. No entanto, a história ainda não chegou ao fim. O patroleiro tem, no momento, um mandado de prisão em seu nome por um crime cometido por outra pessoa.
A confusão mais recente aconteceu no final de agosto, quando Tiago foi abordado pela Polícia Militar Rodoviária (PMR) na BR-352, próximo à cidade de Monte Carmelo, no Triângulo Mineiro, ao voltar para casa depois de ter ido ao enterro do seu irmão, falecido dias antes. O patroleiro estava acompanhado da mãe, de 84 anos, da esposa, de 42 anos, e dos filhos, de 3 e 9 anos. A viagem se estendeu por horas após policiais identificaram um mandado de prisão em nome de Tiago.
O patroleiro argumentou que a determinação não era para ele e se tratava de um erro no sistema de busca criminal. Ele, inclusive, apresentou a decisão judicial que reconhece o erro e determina a correção dos registros em seu nome. “Eu andava com o documento há uns seis meses dentro do carro. Agora eu já fico com ela direto no bolso”, conta.
Mesmo após apresentar a sentença, os policiais disseram que não poderiam liberá-lo e que, portanto, o levariam para a Delegacia de Polícia Civil de Patrocínio. Por fim, alertaram que, caso seu advogado demorasse, o patroleiro iria direto para o presídio. “Dessa vez eu pensei que realmente ia ser preso”, conta Tiago que revela nunca ter se sentido tão vulnerável.
As detenções constantes fizeram o patroleiro se tornar centro das atenções na cidade que mora – Lagamar, no Noroeste de Minas, com pouco mais de 6 mil habitantes. “Se eu saio na rua, todo mundo vem falar comigo, fazer perguntas”, desabafa.
Os comentários chegam até os familiares do patroleiro. “Já falaram para meu irmão ‘nossa, não sabia que o Tiago era bandido’, entre outras coisas”, relata. O constrangimento é tanto que Tiago não anda mais a pé pela cidade e só saí de carro – e com os vidros fechados.
Erros
O transtorno começou em maio de 2010, quando um outro Tiago, de sobrenome Alves, foi preso em flagrante por furto em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A reportagem pesquisou na documentação do processo disponível nos sistemas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e encontrou ao menos 22 citações, entre despachos e ofícios, em que o suspeito é referido como Tiago Cândido Souza.
Somente em abril de 2021 é que iniciou-se procedimento para a correção do erro. Na ocasião, um juiz da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Uberlândia determinou que a Polícia Civil e o presídio onde Tiago Alves estava preso unificassem o prontuário dele com o de Tiago Cândido Souza, que seria um nome “falso”. A partir daí, o processo passou a se referir ao detento com seu nome verdadeiro.
O erro no cadastro é sabido pelo próprio criminoso. Em uma audiência recente, ele alegou ter dito seu nome ao se apresentar à Justiça, “mas não deu nada no sistema” e que “me falaram que meu nome é Tiago Cândido de Souza, mas, na verdade, meu nome é Tiago Alves”.
Um ofício de junho de 2010, despachado uma semana após Alves ser preso em flagrante, alertou o delegado regional da Polícia Civil de Uberlândia de que o cadastro do preso constava com nome falso. O erro não foi corrigido na época e as consequências seguem até hoje.
Reparação
Desde então Tiago Cândido Souza tem sofrido por ter seu nome atrelado à ficha criminal de outra pessoa. Seja nos momentos em que havia mandado de prisão contra Tiago Alves, seja nos momentos em que o criminoso estava preso e policiais mantinham o patroleiro detido sob suspeita de que se trata de um detento fugitivo.
Há alguns anos, Tiago Cândido Souza moveu um processo por danos morais contra o Estado de Minas Gerais. À Justiça, citou uma situação ocorrida em dezembro de 2019, quando foi impedido por policiais militares de seguir viagem em decorrência das anotações errôneas na sua folha de antecedentes criminais. O patroleiro relata que os problemas encontrados na sua ficha criminal o impediram de ser contratado por várias empresas. “Já perdi serviços muito bons por conta disso”, conta.
O juiz que recebeu o caso determinou que fossem corrigidas todas as informações constantes no prontuário ou no registro policial e judicial que relacionassem Tiago Cândido Souza a Tiago Alves. Também foi determinado que o patroleiro recebesse uma indenização no valor de R$ 10 mil.
Erro permanece
Apesar da decisão, consta no Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) um mandado de prisão de 12 de agosto de 2024 contra Tiago Cândido Souza. Questionado pela reportagem, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) não esclareceu a permanência do erro, apenas informou que há uma determinação judicial para retificação dos registros e que a Advocacia-Geral do Estado (AGE-MG) informou ter feito a correção.
Com relação ao Tiago Alves, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) disse que o criminoso esteve preso no Presídio Professor Jacy Assis, em Uberlândia, até fevereiro deste ano, quando teve um alvará de soltura concedido pela Justiça. O TJMG acrescentou que o mesmo já cumpriu 96% da pena de 12 anos e 5 meses por tráfico de drogas e está em prisão domiciliar.
A pedido da reportagem, a Sejusp pesquisou se há prontuários em nome de Tiago Cândido Souza nos sistemas penitenciários, mas nenhum registro foi encontrado.
FONTE ESTADO DE MINAS