Após longos anos de espera, com medo até de o bem cultural sumir do mapa, e pedidos de socorro às autoridades, está salva da derrocada a primeira estação ferro
“A plataforma dessa estação é a vida deste meu lugar”. O verso da canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, parece ecoar agora em alto e bom som no município de Chiador, na Zona da Mata de Minas Gerais. Após longos anos de espera, com medo até de o bem cultural sumir do mapa, e pedidos de socorro às autoridades, está salva da derrocada a primeira estação ferroviária de Minas Gerais.
De acordo com a Eletrobras, patrocinadora da restauração do imóvel histórico, já foram executados 60% dos serviços na Estação Ferroviária de Chiador. Em nota, a direção da empresa informa o seguinte: “Foram concluídas etapas importantes do projeto, como a instalação da nova cobertura do armazém, torreões e plataformas de embarque; estruturas metálicas; paredes em alvenarias de pedra; e piso da área externa. No momento, estão sendo instalados forros, portas, janelas, assoalhos e feito o assentamento de piso no interior da edificação”.
Se tudo seguir nos trilhos, aí vai uma boa notícia para os moradores do município (cerca de 2,8 mil habitantes) e defensores do patrimônio cultural mineiro: as obras deverão ser concluídas em fevereiro próximo. Iniciada em novembro de 2023, com investimento total de R$ 9,5 milhões, a intervenção traz alívio à cidade. “Felizmente, nossa estação foi salva da destruição”, diz a coordenadora de Cultura da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes, Maximina Itaboray. Segundo ela, a prefeitura aguarda a cessão do bem ao município, responsável pelo tombamento em 2003. “Há um projeto em análise para definir a finalidade da estação, que fica a seis quilômetros da cidade”.
Dom Pedro II
Inaugurado em 1869 pelo imperador dom Pedro II (1825 – 1891), o imóvel histórico – antes pertencente à extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e, atualmente sob guarda da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) – estava praticamente em ruínas, causando tristeza aos “filhos da terra”, a exemplo do jornalista Ailton Magioli, residente na cidade. “A estação ferroviária foi tão importante para nosso município, que, no Ciclo do Café, batizou um distrito com o nome de Chiador Estação. Outras pequenas estações da mesma época, a exemplo dos distritos de Penha Longa e Santa Fé, também fizeram história.”
A chegada da estrada de ferro a Chiador propiciou o intercâmbio com outras localidades, inclusive o litoral, e promoveu o surgimento das indústrias de laticínio e cerâmica. O intenso comércio com o Rio de Janeiro garantiu o crescimento do povoado, que, em 1880, se tornou distrito de Mar de Espanha.
O Estado de Minas vem acompanhando a situação ao longo dos anos. Em uma entrevista em 2020, Magioli demonstrou preocupação com a deterioração do patrimônio e seu destino: “Há 40 anos, lutamos pela recuperação desse valioso bem de Chiador e de Minas. Queremos que a finalidade seja cultural e haja manutenção para não deteriorar novamente.”
Até chegar à decisão de restaurar a estação de Chiador, foi necessário recorrer à Justiça. Conforme o EM publicou em 26 de outubro de 2012, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação em Mar de Espanha, na mesma região, contra a antiga estatal Furnas Centrais Elétricas S.A, para que a empresa restaurasse o bem cultural e não apenas o seu entorno, como compensação por construção de hidrelétrica.
Na época, o então promotor de Justiça da comarca, Daniel Ângelo de Oliveira Rangel, explicou que a estatal fora obrigada, como condicionante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para implantação do Aproveitamento Hidrelétrico de Simplício (AHE), a fazer o tratamento paisagístico. Rangel foi autor da ação com o então coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda.
Lugar de memória
A estação foi inaugurada no antigo povoado de Santo Antônio dos Crioulos, atual município de Chiador. Segundo os especialistas, o nome é atribuído ao ‘chiado’ que as corredeiras faziam no rio Paraíba e era ouvido por ali – o rio ficava a cerca de 500 metros da estação, no ramal de Porto Novo da Estrada de Ferro Dom Pedro II. A estação constitui um exemplar arquitetônico do século 19 e um espaço considerado “lugar de memória, de significativo valor cultural para a comunidade local e para a sociedade mineira”.
Um palácio Art Nouveu…
Considerado um dos primeiros imóveis no estilo art nouveau de Minas, o Palácio das Águias, em Guaxupé, no Sul do estado, será restaurado com recursos do programa Minas para Sempre, do Ministério Público de Minas Gerais. O espaço, atualmente bem degradado, se transformará em centro cultural e museu, ganhando ainda duas salas de convenção, café, orquidário, apiário, terraço e outros equipamentos.
… À espera do Renascimento
O secretário Municipal de Cultura, Esporte e Turismo, Marcos Buled, conta que as obras deverão começar no próximo mês, com previsão de término em um ano. Desapropriado pela prefeitura, o palacete tem muita história. Foi erguido em 1914 por José (Fite) Puntel, que veio da Itália com a família no fim do século 19. O casarão apresentou novidades para a época, como elementos decorativos integrados às fachadas: estátuas, brasões e florais. Agora, é esperar para ver o resultado.
Parede da memória
Na próxima sexta-feira (1/11), a Associação Sociocultural Os Bem-te-vis, do distrito de Itatiaia, em Ouro Branco, na Região Central de Minas, comemora 20 anos. Entre as várias frentes de trabalho da entidade, presidida pelo atuante Wilton Fernandes, está a luta pelo patrimônio cultural. Em 1994, a Matriz de Santo Antônio, padroeiro local, foi roubada, sendo levados 18 bens do templo, incluindo a imagem de Nossa Senhora do Rosário, do século 18 (foto). A comunidade não perde a confiança e continua à espera de as peças sacras retornem a seus altares.
Páginas de renovação
Os interessados na nossa história encontram boa leitura na obra “Congonhas: da fé de Feliciano à genialidade de Aleijadinho”, de Domingos Teodoro da Costa, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. O livro serviu de referência para a recém-montada ópera “Devoção”, no Palácio das Artes, em BH. O português Feliciano Mendes (1726-1765) foi o responsável pela construção da Basílica Menor do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, joia do Patrimônio Mundial, onde ficam os 12 profetas esculpidos por Aleijadinho. O livro pode ser adquirido no Museu de Congonhas.
Chafariz recuperado
O chafariz da antiga Igreja Santa Rita, demolida em 1938 em Sabará, na Grande BH, já pode ser visto no Centro Administrativo Municipal. Ele foi fielmente remontado, conforme as autoridades, e ganhou até um retrato, gravado em azulejos, do antigo templo. Na semana passada, estreia da coluna, publicamos aqui a foto da igreja do século 18, hoje apenas um retrato na parede da memória.
Minas e as Gerais
Será realizada em Ouro Preto, em 15 e 16 de novembro, a VII Conferência de Pesquisas Interdisciplinares em História da Arte, Arquitetura e Patrimônio – Um diálogo entre as Minas e as Gerais. Entre os temas apresentados por especialistas estão as festas religiosas, gestão de riscos de bens eclesiásticos e o trabalho dos artistas e artífices. Fazem parte da comissão organizadora Alisson Silveira, Arthur Coelho, Daniela Ayala, Eduardo Abrantes, Edvaldo Antonio de Melo, Fernando Pozzer, Isabelle Campana, Marcos Luan Barbosa, Patrícia Urias, Rutiero Carvalho e Túlio Bonnes. As inscrições são feitas pela plataforma Sympla, e há mais informações nas redes sociais do evento.
FONTE ESTADO DE MINAS