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MP de Minas Gerais usurpa funções do Iphan e chega a ‘sequestrar’ peças históricas

Promotores de Minas Gerais batem cabeça com o Iphan, atuando sem consultar o órgão até mesmo em outros estados, numa corrida apatetada por peças históricas desaparecidas, colocando em risco patrimônio cultural brasileiro

Recentemente, tem acontecido uma situação recorrente de “fogo amigo” – para usar um eufemismo – no campo da preservação cultural. Logo um campo que – ao menos no que tange à bonita e histórica Arte Colonial – tem sido tão desprezado no Brasil. Explico: cada vez mais se repetem as situações nas quais a Coordenadoria de Patrimônio Cultural do Ministério Público de Minas Gerais tem atuado se sobrepondo às atribuições do Iphan, que é o órgão nacional de proteção a este patrimônio e a quem foi delegado o múnus de zelar pelos bens tombados nacionais. E isso não ocorre só em Minas, não: o MP de lá agora se arvora em protetor da arte que parece considerar só mineira, e chega a fazer inexplicãveis diligências em outros estados e até aqui no Rio.

Mas o que uma entidade estadual mineira tem a ver com o órgão federal ou com o estado do Rio de Janeiro?

A situação é complexa e envolve desde um senso comum (e completamente equivocado) muito difundido de que o barroco brasileiro seria quase uma exclusividade das cidades mineiras, até os mecanismos atuais de fomento ao patrimônio local: denúncias de bens procurados constam como critério de pontuação para que as cidades de MG recebam verbas do ICMS cultural, por exemplo. Na verdade o Barroco Carioca também é riquíssimo, com igrejas e obras de arte de fazer inveja a cidades europeias, além de ser retratado em fartíssima bibliografia.

Tais fatos tem criado uma verdadeira indústria da denúncia, com operações midiáticas de apreensão e devolução de bens, muitas vezes sem uma apuração mais minuciosa sobre a procedência dos objetos e sem seguir os trâmites obrigatórios do órgão federal competente, a quem cumpre rastrear e proteger os bens tombados desaparecidos, furtados e desviados.

Para piorar a situação, a função de fiscalizar a circulação dos bens com restrição de comércio ou saída do país é exclusiva do Iphan – hoje presidido pelo ex-candidato a governador de Brasília, Leandro Grass – instituição que possui todo um arcabouço legal e portarias específicas normatizando essa competência. Uma instituição que tem poucos braços, poucos servidores e milhares de leilões de arte e antiquários para fiscalizar, é verdade. Mas que tem especialistas capazes de fazê-lo melhor que ninguém, ainda que em pouco número.


Casos recentes, como uma imagem de São Bento pertencente à Catedral de Diamantina ou um resplendor de prata que foi apreendido junto a um falso padre em Minas Gerais tem causado estranheza e uma reflexão sobre os limites de competência e de preocupação genuína com o patrimônio cultural.

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No primeiro episódio, a peça foi identificada pelo Iphan quando a bonita coleção do artista Emanuel Araújo (1940-2022) foi a leilão em São Paulo, em 2023. A imagem tombada foi descoberta dentre os ítens apregoados. Mas antes que os trâmites processuais fossem concluídos, o MPMG bateu à porta do leiloeiro e – ao que indica sem nenhum procedimento oficial instituído ou ordem judicial – levou o objeto para Minas Gerais à revelia e ao arrepio da lei. Ressalte-se que uma peça tombada dessas circular por rodovias de um Estado para o outro, sem conhecimento prévio do Iphan, pode incorrer em prejuízo ao patrimônio cultural passível de sanções. Em outras palavras, o MPMG fez algo ilegal, e sem autorização do Iphan praticamente ‘sequestrou’ a peça, por incrível que pareça.


Já o resplendor (peça geralmente em prata fixada na cabeça das imagens – que serve de adorno e denota a dignidade dos santos) constava como ‘devolvido recentemente’ no sistema SOMDAR, o banco de dados de bens procurados do MPMG, que tenta rivalizar com o BCP, oficial do Iphan. Ainda assim, foi encontrado e apreendido pelo Iphan e Polícia Federal após fiscalização a um leilão ocorrido no final de 2024, no Rio.

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A imagem de São Bento da Catedral de Diamantina apreendida e transportada ao arrepio das normas do Iphan


BCP foi a fonte onde foram localizadas, pelo provedor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, as três sacras de altar, monumentais, de prata, que pertencem à Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro. Elas foram apreendidas pela Polícia Federal e pelo Iphan no escritório de arte Dagmar Saboya em Copacabana, e devolvidas ao acervo da Ordem. O sistema do Iphan é comprovadamente a melhor maneira de se checar se uma peça à venda pode mesmo ser oferecida.

Algo não está ornando bem quando um órgão que não tem como atividade fim fiscalizar a circulação e comércio de bens tombados nacionais decide buscar objetos à revelia, enquanto mantém público um portal defasado e pouco confiável de bens procurados.

FONTE: DIÁRIO DO RIO

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