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Uma história de 300 anos – Garimpo Tradicional de Antônio Pereira

A tradição de garimpar em harmonia com a natureza sustentou o distrito de Antônio Pereira (Ouro Preto/MG) por centenas de anos. Agora, a comunidade luta pelo reconhecimento dessa tradicionalidade para evitar que sua história seja esquecida e seu modo de vida destruído pela mineração predatória

Assim como a planta precisa da chuva para florescer e se manter vida, o que mantém um povo unido são seus traços culturais. A partir deles, as comunidades se conhecem e formam uma base sólida para elementos vitais: pertencimento e identidade. Para a comunidade de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto/MG, o garimpo tradicional traz consigo todo esse poder de união, história de um povo e sentido para continuar lutando pela memória e sobrevivência do distrito. 

O trabalho artesanal e tricentenário praticado pelos garimpeiros e garimpeiras de Antônio Pereira no Rio Gualaxo e nos córregos que atravessam o território é o ponto inicial do vídeo documental “Uma história de 300 anos – Garimpo Tradicional de Antônio Pereira”, produzido pelo Instituto Guaicuy, que desde dezembro de 2022, atua como Assessoria Técnica Independente da população de Antônio Pereira. 

O vídeo aborda a importância cultural do garimpo tradicional para a comunidade, visto que o distrito nasceu sob as bateias do Ciclo do Ouro, ocorrido durante o período conhecido por Brasil Colônia, em que a mineração de ouro foi a principal atividade econômica. O que torna a história dos garimpeiros de Antônio Pereira tão rica culturalmente é que, daquela época até os dias atuais, os ensinamentos sobre o modo de garimpar foram passados de geração em geração.  

“Eu sou garimpeira desde meus 11 anos de idade. Eu aprendi com meu pai, o pai do meu pai foi passando, vem de tradição… o pai foi passando para o filho…  Meus filhos também são garimpeiros, eu passei para eles, porque a tradição vai passando para a família.” Dona Ivone Pereira, garimpeira tradicional.

“Meu pai, minha mãe, meu avô e meus bisavôs, todos eles sobreviviam do garimpo tradicional.” Seu Wilson Nunes, garimpeiro tradicional.

“O moço chamado Aristóteles, falou ‘Seu Pedro, ali embaixo, tem muito ouro, vamos tirar ouro?”. Pai falou assim: ‘O que é isso, menino?’… Passou a mão na bateia e desceu com nós… Chegou lá e ficou bobo… Ele cavucou só aquele pouquinho, pôs na bateia, rodou a bateia: ‘Ôh, que tanto de ouro!’ Lá embaixo no Gualaxo. Aí nós começou a mexer com ouro. Eu estava com 13 anos quando eu comecei e aprendi a mexer com ouro.” Dona Maria Tereza dos Santos, garimpeira tradicional.

Dona Maria Tereza e sua bateia | Foto: Gabriel Nogueira / Instituto Guaicuy

Em Antônio Pereira, antes da chegada das grandes mineradoras, o garimpo era o sustento e o lazer de centenas de famílias. O prato na mesa era garantido todos os dias coletivamente através do manuseio de bateias, enxadas, carrinhos de mão, mantas, picaretas e, essencialmente, respeito à natureza. 

“O garimpo que a gente pratica, e que nós fomos criados, é um garimpo tradicional e não destrói a natureza. Nós não trabalhamos  com maquinário, o maquinário nosso são as nossas mãos. A própria natureza cuida de tá cobrindo ali, onde a gente trabalhou. Porque a gente trabalha de canal, trabalha cotando material, carregando, mas depois vai lá e planta no lugar. Então, o garimpo tradicional não destrói o meio ambiente. Outra coisa, a gente não trabalha com mercúrio. Mercúrio, além de acabar com o meio ambiente, ele ainda acaba com a nossa saúde. Então eu não fui criada usando o mercúrio, meu pai me ensinou a apurar o ouro com imã.” Dona Ivone Pereira, garimpeira tradicional.

Após a chegada dos empreendimentos minerários na região de Ouro Preto e Mariana, os garimpeiros tradicionais viram suas vidas serem transformadas radicalmente, inclusive com a proibição da atividade laboral que guiava suas vidas. Especificamente em Antônio Pereira, o risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor, de propriedade da mineradora Vale, ocasiona uma lista extensa de prejuízos e danos à comunidade garimpeira, alguns exemplos são: 

  • instabilidade financeira, pois a proibição do garimpo em várias áreas tomadas pela Vale deixou os garimpeiros sem renda; 
  • quebra de vínculos comunitários, pois, em sua grande maioria, as atividades garimpeiras eram realizadas em grupo; 
  • danos à saúde como problemas respiratórios e de pele causados pela mineração, além da depressão provocada pela perda de hortas, espaços de lazer e medo de ruptura da barragem; 
  •  danos econômicos devido à perda de renda;
  • alteração no modo de vida.

Em dezembro de 2022, o Guaicuy começou os trabalhos como Assessoria Técnica Independente da comunidade de Antônio Pereira e, consequentemente, da comunidade garimpeira. Enquanto ATI, o objetivo do Guaicuy junto a esse grupo em específico foi fortalecer a luta por justiça e reparação integral dos danos causados pela Vale aos garimpeiros e às garimpeiras tradicionais; trabalho este reconhecido pelo Ministério Público. 

“Foi ao longo do trabalho da Assessoria Técnica Independente, do Instituto Guaicuy, que conseguiu fazer a identificação de um grupo, de uma comunidade tradicional, que pertence ao território e que tem sua renda no próprio território, e que acionou o Ministério Público após essa identificação. A partir daí, fizemos uma primeira reunião para entender quem era esse grupo, quais eram as reivindicações desse grupo. E uma preocupação muito grande que partiu deles, foi justamente separarem o que era o chamado garimpo ilegal, da atividade que eles praticavam no território. Isso foi um ganho muito grande a partir do trabalho feito pelo Instituto Guaicuy, porque lá no começo da ação a gente não tinha conhecimento desse grupo dentro do próprio território.” Thiago Correia, promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

FONTE: INSTITUTO GUAICUY

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