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PARAÍSO NATURAL EM RISCO: Projeto da Vale prevê rebaixamento de lençol freático

Ao repudiarem o Projeto Apolo, da mineradora Vale, convidados de audiência pública ressaltaram que o Parque Nacional da Serra da Gandarela já está fragilizado por várias cavas de mineração. Nesse sentido, o Apolo vai piorar a situação. Além de expor as fragilidades do estudo apresentado pela Vale, foi denunciado o suposto uso de “empresas laranja” pela mineradora para ampliar sua atuação na região.

A reunião aconteceu nesta sexta-feira (21/3/25), na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Ela foi solicitada pela deputada Bella Gonçalves (Psol). A parlamentar ressaltou que a proteção da Serra da Gandarela tem sido pauta constante da comissão, que já realizou outras audiências públicas, além de visitas técnicas, sobre as ameaças da mineração nas proximidades do parque nacional.

Previsto para ser implementado entre os municípios de Caeté e Santa Bárbara, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em um local chamado Fazenda Serra Maquiné, o Projeto Apolo consiste na construção de mina, usina e ramal ferroviário de oito quilômetros para conexão com a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). A proposta foi adaptada pela empresa depois de licenciamento solicitado em 2009 não ter sido concedido.

Impactos negativos do projeto já constam em estudo da Vale

O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) apresentado mais recentemente pela Vale para o Projeto Apolo foi analisado por Daniela Campolina Vieira, coordenadora do Grupo de Pesquisa, Mineração e Território da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ela mostrou mapas, figuras e dados do documento que já indicam perigosos impactos no Parque da Gandarela. Segundo ela, 80% da cava proposta faz limites com o parque nacional, em distâncias que variam de 100 metros a 1 quilômetro.

Daniela Vieira ressaltou em especial o rebaixamento do lençol freático, inclusive dentro dos limites do parque. “A gente só percebe que a água subterrânea acabou quando não tem mais, por isso é tão perigoso. Esses lençóis só se formam com um acúmulo de séculos.” Os aquíferos da região são importantes para o abastecimento de Belo Horizonte e outros municípios da região metropolitana.

Além disso, entre os riscos citados no documento, estão alterações da paisagem, da biodiversidade, das cavernas e dos sítios arqueológicos. A pesquisadora da UFMG também citou que, embora a Vale alegue que o novo projeto não tem barragens, ele tem diques, que são barragens menores.

Apesar de menores, sua altura supera prédios de 60 andares e, como escrito no EIA/Rima, também há risco de rompimento. Por fim, Daniela Vieira mostrou que todos os cálculos do estudo da Vale foram feitos sem considerar mudanças climáticas sazonais e com dados meteorológicos do período entre a década de 1960 e 1990. Ou seja, não leva em consideração as mudanças climáticas das últimas décadas, que tem contado com eventos climáticos extremas.

Licenciamento em análise do ICMBio

O EIA/Rima analisado por Daniela Vieira está atualmente em análise no Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). O órgão precisa emitir uma Autorização para Licenciamento Ambiental (ALA) devido à proximidade do Projeto Apolo com um parque nacional.

Apenas com tal autorização, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) pode analisar outros aspectos do licenciamento.

De acordo com Frederico Drumond Martins, coordenador regional do ICMBio, o pedido de autorização já está em tramitação no órgão e um colegiado de técnicos deve emitir um parecer até o fim de maio.

A deputada Bella Gonçalves e os demais convidados consideraram que é preciso pressionar o ICMBio para que a ALA não seja concedida. 

Mini-minas seriam estratégia de burlar legislação ambiental

Além dos impactos específicos do Projeto Apolo, os convidados destacaram que há outras atividades mineratórias na região e os efeitos delas precisam ser vistos em conjunto.

Uma das ameaças é o projeto de “mini-minas” da Vale, como explicou Daniel da Mota Neri, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). Trata-se da cessão de direitos minerários para mineradoras menores, que exploram um local e depois vendem o minerário para a Vale.

A estratégia facilita o licenciamento ambiental, já que são feitos vários pedidos para pequenos empreendimentos, com exigências mais brandas, no lugar de um grande projeto.

Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - debate sobre as ameaças ao Parque Nacional da Serra do Gandarela
Segundo Daniel Neri, pequenos empreendimentos conhecidos como mini-minas conseguiriam o licenciamento com mais facilidade, pois teriam que cumprir exigências mais brandas Álbum de fotosFoto: Guilherme Bergamini

Cada autorização é solicitada em uma superintendência da Secretaria de Meio Ambiente, de forma que não são vistas em conjunto. “É um modo de subverter o regramento jurídico do licenciamento”, disse Daniel Neri, que comparou a estratégia a lavagem de dinheiro e chamou as empresas que administram as mini-minas de “empresas laranja”. De acordo com Daniel Neri, a Gandarela já conta com quase dez mini-minas.Play

Segundo especialistas, avanço de projetos de mineração na Serra do Gandarela pode afetar a vegetação e os mananciais existentes na reserva ambiental
Rádio Assembleia

O agricultor Diogo Lyra Gazel relatou os impactos de uma dessas mini-minas, localizada nas proximidades da comunidade de André do Mato Dentro (distrito de Santa Bárbara), onde ele mora. Ele evidenciou que a comunidade, que precisa ser atravessada para se chegar à mina não foi considerada no EIA/Rima. Ele falou sobre o trânsito frequente de carretas, a poeira e as mudanças na circulação, com o transporte público cancelado em dias de chuva pela impossibilidade de acesso.

Diogo Gazel disse ainda que duas novas mini-minas tentam licenciamento nas proximidades, uma delas a poucos metros da igreja, do centro comunitário e da escola do distrito. Os pedidos de licenciamento não levam em conta os efeitos somados de todas as mini-minas vizinhas.

Expulsão progressiva das comunidades

A expulsão progressiva dos moradores de comunidades da região seria, para Luiz Siqueira, coordenador nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), outra estratégia de atuação da Vale.

Ele citou a retirada completa da comunidade de Socorro em 2019, que era, segundo o convidado, um importante local de trocas e sociabilidade da região. O esvaziamento do distrito com 150 famílias teria alterado o modo de vida da região ao desidratar as comunidades rurais.

Luiz Siqueira defende uma mobilização ampla com as prefeituras da região para a construção de políticas públicas que potencializem uma economia alternativa, que rompam com a dependência da mineração. Nesse sentido, muitos dos presentes falaram da importância de se fortalecer o turismo.

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