A população atingida pela Vale mostra mais uma vez que não vai desistir de buscar a garantia de seus direitos. No contexto de corte no valor e previsão de fim do Programa de Transferência de Renda (PTR) — auxílio financeiro para garantir condições de vida até a reparação dos danos sofridos — em janeiro de 2026, três associações civis sem fins lucrativos entraram com uma ação pela manutenção do Programa.
O pedido de tutela de urgência, medida judicial que solicita ao juiz que decida sobre um assunto para garantir que um direito seja atendido de imediato, foi formalizado pela Associação Brasileira dos Atingidos por Grandes Empreendimentos (ABA), pela Associação Comunitária do Bairro Cidade Satélite (Ascotélite) e pelo Instituto Esperança Maria (IEM).
Origem do PTR
O Programa de Transferência de Renda foi estabelecido em fevereiro de 2021, no Acordo Judicial de Reparação entre a Vale, responsável pelo rompimento da barragem em Brumadinho em 2019, o Governo de Minas e as Instituições de Justiça. Foi implementado em outubro do mesmo ano, em substituição ao Pagamento Emergencial criado logo após o desastre-crime como uma medida emergencial para tentar reduzir o impacto imediato na vida das pessoas, buscar garantir a sobrevivência das populações atingidas e possibilitar a participação no processo de reparação.
A construção do PTR, que é gerido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), buscou resolver alguns problemas de critério de acesso do Pagamento Emergencial, mas também considerou que as outras medidas de reparação previstas no Acordo ajudariam na retomada econômica e no fortalecimento dos serviços públicos nos municípios atingidos.
No entanto, a execução atrasada das ações previstas nos Anexos do Acordo fez com que a população ainda não tenha tido acesso às medidas reparatórias socioambientais e socioeconômicas e que continue necessitando do auxílio financeiro, dado que o rompimento intensificou situações de vulnerabilidade. Além disso, o número de indenizações individuais já pagas é inexpressivo (9 mil pessoas indenizadas x 154 mil pessoas que recebem o PTR) e o processo coletivo ainda está em andamento.

Violações ameaçam direitos
“Todo esse contexto de adoecimento, contaminação e o anúncio da abrupta redução do PTR, apontam um cenário devastador para as famílias atingidas e oposto ao direito à uma reparação realmente justa e efetivamente integral”, indica o documento do pedido de tutela de urgência.
No entanto, o direito a um auxílio que assegure a “manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem as condições, pelo menos equivalentes, às anteriores ao desastre-crime” está previsto na Política Estadual de Atingidos por Barragens (PEAB), de 15 de janeiro de 2021, que já estava em vigor na ocasião de assinatura do Acordo Judicial de Reparação. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), de 15 de dezembro de 2023, também estabelece direitos fundamentais às populações atingidas. Nesse sentido, o encerramento do PTR sem a reparação pode ser interpretado como uma violação a esses direitos.
Vale não cumpre obrigação de limpeza do rio
Ainda se destaca que a Vale tem descumprido obrigações legais, como a retirada dos rejeitos tóxicos lançados no Rio Paraopeba. Embora o Plano de Recuperação Socioambiental estimasse que até o final de 2024 esse processo de retirada teria alcançado 54 km do Rio, a extensão ainda não chegou a 2 km. Um relatório de administração de 2024 da própria empresa indica que só 48% das áreas afetadas estão em processo de recuperação ambiental e que, após quatro anos do Acordo, 39% das obrigações de fazer da Vale foram concluídas. Nem mesmo as obrigações de pagar foram completadas. Por isso, a previsão é que a reparação ambiental se estenda por mais seis anos, pelo menos até 2031.
Redução do PTR não acontece como previsto
O documento produzido também demonstra como a redução de 50% do valor implementada no PTR está em desacordo com a previsão no edital que selecionou a entidade para gerir a verba do Programa, que era a seguinte:
- 90% do valor recebido inicialmente restando 6 meses para o encerramento;
- 80% do valor recebido inicialmente restando 5 meses para o encerramento;
- 70% do valor recebido inicialmente restando 4 meses para o encerramento;
- 60% do valor recebido inicialmente restando 3 meses para o encerramento;
- 50% do valor recebido inicialmente restando 2 meses para o encerramento;
- 40% do valor recebido inicialmente no último mês do Programa, sendo esta a última parcela a ser paga.
Ou seja, a redução só seria iniciada em agosto de 2025 e não em março, como efetivamente ocorreu.
Considerando que o auxílio financeiro ainda se demonstra indispensável para a proteção dos direitos das pessoas atingidas, as associações pedem ao juiz a “prorrogação do Programa de Transferência de Renda (PTR) nos valores iniciais, até que sejam alcançadas as condições de vidas equivalentes ou superiores às precedentes” ou que seja estabelecido um outro auxílio às pessoas recebedoras do PTR. Em caso de negativa dos dois pedidos, a solicitação é que pelo menos a redução seja executada de acordo com as regras previstas no edital de chamamento.
Fonte: Instituto Guacuy