Na quarta-feira da Semana Santa, 16 de abril, às 20 horas, a Paróquia de São Sebastião será palco de um dos momentos mais solenes do calendário litúrgico cristão: o Ofício de Trevas, rito que mergulha a comunidade no mistério da paixão de Cristo através da força simbólica da música e do silêncio.
Este ano, a cerimônia contará com a excelência interpretativa do Madrigal Roda Viva, sob a regência do Maestro Geraldo Vasconcelos, que convidou para este momento especial o conjunto instrumental Terra Sonora, da cidade de Mariana. A celebração será presidida pelo Padre Daniel Marcos, e promete unir fé, arte e tradição em uma experiência única de espiritualidade sonora.

A simbologia do Ofício de Trevas: fé que atravessa o silêncio
Poucos ritos litúrgicos evocam de maneira tão intensa o drama humano e divino da paixão quanto o Ofício de Trevas. Originário da tradição monástica medieval, ele propõe uma travessia simbólica: à medida que as velas vão sendo apagadas, uma a uma, representando o abandono, o sofrimento e a morte de Cristo, cresce o silêncio. A penumbra, nesse contexto, é mais do que estética: é linguagem. E a música, em sua tessitura sacra, torna-se o fio que conduz os fiéis pelo labirinto da dor até a esperança pascal.
“O mais comovente do Ofício é essa pedagogia da ausência: a luz se apaga, o som se cala, e então somos desafiados a ouvir a nós mesmos diante do mistério”, afirma o maestro Geraldo Vasconcelos, um dos grandes nomes da música coral brasileira, cuja atuação é marcada por sensibilidade artística e compromisso formativo.

Barroco mineiro em alta definição sonora
O programa musical da noite será composto por duas obras-primas do barroco mineiro: os Responsórios para a Semana Santa de Jerônimo de Sousa Queirós, e o Salmo 50 (Miserere), do mestre Manoel Dias de Oliveira. Ambas as composições, ainda pouco conhecidas do grande público, revelam a riqueza e a complexidade espiritual da produção musical colonial no Brasil.
“São obras que nasceram em meio à fé e ao barro, às ladeiras e aos sinos. Cantá-las hoje é como devolver-lhes o sopro vital. O Roda Viva se coloca como ponte entre o manuscrito e o mistério, entre o tempo antigo e a escuta contemporânea”, reflete Vasconcelos.
Do manuscrito à emoção: o grupo Terra Sonora
A parceria com o grupo instrumental Terra Sonora adiciona à cerimônia uma camada ainda mais rica de autenticidade. Dedicado à interpretação de obras manuscritas dos séculos XVIII e XIX, o grupo trabalha com acervos históricos mineiros, valorizando o rigor estilístico aliado à expressividade musical. O nome do grupo, inclusive, evoca a tinta ferrogálica — feita com elementos do solo — usada nas partituras originais, e que inspira seu compromisso com a “terra sonora” da nossa memória cultural.
Integram o grupo: Maria Emília Dutra (flauta transversa), Gustavo Fechus (violino), Everson Oliveira (cello) e Vitor Gomes (órgão). Juntos, esses músicos formam uma base instrumental de rara sensibilidade, capaz de sustentar e dialogar com a complexidade polifônica do repertório coral barroco.

Madrigal Roda Viva: mais que um coro, uma missão
Referência nacional em música coral e na interpretação do repertório barroco mineiro, o Madrigal Roda Viva acumula uma trajetória de concertos memoráveis no Brasil e no exterior, sempre com a marca da excelência técnica e da emoção genuína. Formado por cantores comprometidos com o fazer artístico como ferramenta de transformação social e espiritual, o grupo é conduzido há décadas pelo Maestro Vasconcelos, que vê na música uma via de construção comunitária.
“Cada apresentação do Roda Viva é também um ato de resistência e beleza. Não cantamos apenas para emocionar. Cantamos para lembrar que a arte é um bem comum, que a cultura é um direito, e que a fé, quando cantada, alcança espaços que nem o sermão toca”, declara o regente, em tom ao mesmo tempo firme e poético.
Uma noite para ser vivida, não apenas assistida
Mais do que um evento artístico ou uma celebração religiosa, o Ofício de Trevas deste ano se configura como um verdadeiro convite à introspecção e à contemplação. Um encontro entre tempos, sons e silêncios. Uma rara ocasião onde cada nota e cada sombra têm um significado.
O público que comparecer à Paróquia de São Sebastião encontrará um chamado. E, talvez, uma resposta. Porque há noites que nos ensinam mais do que os dias. Há sombras que nos iluminam. E há músicas que nos devolvem a alma.