×


Serra do Pires, um dos últimos campos rupestres, é foco de disputa entre mineradoras e ambientalistas

Localizada no distrito de Torreões, área abriga espécies novas e ameaçadas de extinção; ambientalistas lutam por criação de Unidade de Conservação

Um campo rupestre é definido por sua formação vegetal, que se desenvolve em áreas rochosas. Na Serra do Pires, a 30 quilômetros do Centro de Juiz de Fora, é justamente o paredão, a areia branca que o envolve junto com plantas rasteiras e de espécies variadas, que torna o lugar cobiçado. O local, pouco conhecido pela população, é um dos últimos caracterizados por essa vegetação no município. E não só. De acordo com os especialistas, pode ser o campo rupestre mais ao sul do estado, se diferindo da paisagem ao redor com muita nitidez. O que poderia ser só mais um dos cenários montanhosos da Zona da Mata virou foco de interesses distintos: de um lado, mineradoras atraídas pela possibilidade de extração do quartzito, como acontece em muitas outras regiões de Minas Gerais; de outro, os ambientalistas que enxergaram no espaço um campo frutífero para pesquisa, com espécies novas e ameaçadas. Tamanha importância mobilizou os pesquisadores a investigarem a concessão de uma mineradora, que estava atuando na área, e fazerem uma denúncia, que interrompeu os trabalhos de extração. Mas, quase dois anos depois do início do processo, o destino da Serra do Pires segue incerto. 

Tudo teve início com o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA) de Juiz de Fora, homologado na última segunda-feira (24), que tem o objetivo de propor ações de conservação, restauração e recuperação em áreas prioritárias da cidade. Em abril de 2023, a bióloga Kelly Antunes, que participou da elaboração do PMMA, realizou uma expedição botânica no Vilarejo de Pires pela primeira vez e comentou que a biodiversidade muito particular do local chamou a atenção. “A conservação desse campo é muito importante devido às características do seu solo, bem arenoso. São áreas muito frias, então acumulam bastante água. Por isso, há presença de nascentes, com a possibilidade de se encontrar cavidades, cavernas, grutas, e com essa flora capaz de se destacar nesses ambientes mais inóspitos. É uma vegetação muito característica, que traça um conjunto de espécies ameaçadas de extinção.” 

Quando os pesquisadores visitaram a região, as atividades da mineradora pareciam estar pausadas, porém era possível ver o impacto da área explorada, definida inicialmente em 216 hectares. Desde 2017, a empresa TR4 Mineral Log Ltda conseguiu a autorização do Instituto Estadual de Florestas (IEF) para dar início aos trabalhos, com o objetivo de extrair areia e quartzito industrial para fabricação de vidros. A denúncia da atuação da mineradora no local foi feita pela ONG Programa de Educação Ambiental (PREA), uma instituição com mais de 20 anos de experiência na proteção e conservação ambiental do município, diretamente ao Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG). Na ocasião, foi verificado que laudos da empresa sobre a vegetação de Pires classificavam a área como de pastagem, sendo que a mesma é repleta de areia branca e de um fragmento de vegetação rupestre, que impossibilitaram essa atividade. Kelly também é integrante do PREA e explica que o local é uma formação contínua da Serra Negra, onde atualmente existe um Parque Estadual, no município de Santa Bárbara do Monte Verde. Em 2023, após a denúncia do PREA, o IEF verificou diversas irregularidades e um cenário diferente do que havia sido apresentado no processo de licenciamento. No total, foram aplicadas 7 multas, que somaram cerca de R$170 mil.

Procurada pela reportagem, a TR4 Mineral Log Ltda informou, em nota, que “realizou lavra de areia para a indústria de vidro em caráter experimental até o ano de 2020 com licença ambiental regular”. O texto informa que a pesquisa foi encerrada porque “os parâmetros técnicos para o processamento a seco do minério já haviam sido obtidos e se aguardava a perspectiva da vinda para Juiz de Fora de uma indústria de vidro”.

Ainda de acordo com a empresa, o minério extraído foi proveniente da areia acumulada no sopé da encosta. “Como estratégia de compensação ambiental nossa empresa viabilizou a regeneração natural das áreas de pastagem em todo o entorno da frente de lavra. E como compensação sócio-econômica, a empresa fez doação à Prefeitura de Juiz de Fora de 50% do minério extraído para manutenção de estradas vicinais.”

A TR4 Mineral Log Ltda afirma que “foi autuada em 2023, quando já estava com as atividades paralisadas” e que “a área de Mata Atlântica da encosta caracterizada como campo rupestre ainda não foi objeto de estudo, mas nos surpreende que pesquisadores tenham entrado na área sem autorização e venham fazendo declarações precipitadas sobre a identificação de novas espécies vegetais sem amparo da validação por pares em artigos científicos.” E conclui que “os impactos ambientais são inerentes à atividade de mineração e a sociedade é que determina através da legislação as suas prioridades. Uma indústria de vidro e uma mineração de areia no município significariam mais de 500 empregos diretos e indiretos, além de significativo recolhimento de impostos.”  A Tribuna entrou em contato com o Instituto Estadual de Florestas e a Prefeitura de Juiz de Fora, e aguarda o retorno. 

Os exemplos mais conhecidos de campos rupestres na Zona da Mata são o da área do Parque Estadual de Ibitipoca, que conta com características similares. Mas, também por essa raridade na região, a disputa com as mineradoras é menos frequente – e o nível de interesse econômico envolvido também. Essa questão atinge mais comumente e diretamente a área do quadrilátero ferrífero, onde os minérios têm mais valor do que a extração do quartzito, feito da areia branca. “As atividades de mineração também têm interesse público e são importantes para a vida humana. Mas as normas ambientais devem ser observadas, justamente, para que se mantenha um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, esclarece o mestre em botânica e advogado do PREA, Leonardo Moreira. Para ele, no entanto, a disputa se dá porque, apesar da denúncia ter interrompido a atividade, o maquinário continua enferrujando no local. e nada impede que novos interessados tentem trabalhar ali. “É um lugar que ainda sofre pressão de mineradoras. Já foi feito um dano ambiental (…) Parte de uma biodiversidade que estava ali já foi perdida”, afirma. 

FONTE: TRIBUNA DE MINAS

Receba Notícias Em Seu Celular

Quero receber notícias no whatsapp