A Câmara Municipal de Ouro Branco (MG) sediou na noite de quinta-feira, 25 de abril, uma audiência pública marcada por fortes discursos e um alerta contundente sobre a segurança pública no município. O promotor de Justiça, Dr. José de Lourdes de São José, defendeu de forma enfática a implantação de uma unidade da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) em Ouro Branco, apontando a iniciativa como essencial para conter o avanço da criminalidade na cidade. Em meio aos vereadores, houve divisão de opiniões. Em 2019, houve uma tentativa de construção da APAC mas uma forte pressão, provocou um recuo na iniciativa. Já em 2018, foi lançada a pedra fundamental da unidade em Ouro Branco.
“A impunidade é a mãe do crime. Estamos convivendo com criminosos condenados nas ruas porque não temos uma estrutura adequada de execução penal”, afirmou o promotor. Segundo ele, Ouro Branco está em desvantagem em relação a municípios vizinhos que já adotaram sistemas mais eficazes de ressocialização de presos.
Aumento expressivo da criminalidade e comparação com Congonhas
Durante sua fala, Dr. José de Lourdes apresentou dados preocupantes. “Em 2020, 2021 e 2022, Ouro Branco teve pouco mais de 400 inquéritos policiais instaurados por ano. Em 2023, esse número saltou para mais de 700. E em 2024 já chegamos a 753 inquéritos. A criminalidade quase dobrou”, destacou.
O promotor comparou os números com a realidade de Congonhas, cidade vizinha. “Congonhas tem quase 50% menos inquéritos instaurados do que Ouro Branco. Isso porque lá existe uma estrutura funcional: tem presídio, tem APAC, tem sistema de ressocialização. Aqui em Ouro Branco não temos colônia penal, não temos APAC, não temos nada. A consequência é clara: se um criminoso tiver que escolher onde cometer um crime, ele vai escolher Ouro Branco. Aqui não tem controle, aqui ele sabe que a chance de continuar solto é maior”, afirmou com firmeza.

Congonhas como referência
O promotor destacou o trabalho desenvolvido na APAC e no presídio de Congonhas como modelo de ressocialização. “Em Congonhas, o preso sai para trabalhar e volta para dormir na unidade. Ele participa de atividades como costura, lavanderia, música, estudo. Isso tudo com controle rígido. Lá não é casa da mãe Joana”, ressaltou.
Ele explicou que a Polícia Militar fiscaliza os presos que cumprem pena em regime semiaberto. “A PM recebe uma lista semanal dos detentos. Se o preso tiver que se recolher às 20h e for flagrado na rua às 20h30 sem justificativa médica, ele é regredido imediatamente ao regime fechado. E só poderá pedir um novo benefício depois de um ano. É um sistema que funciona porque tem regras claras e fiscalização constante”, afirmou.
Reconhecimento nacional e internacional
Dr. José de Lourdes lembrou que a APAC de Congonhas possui reconhecimento internacional. “É uma unidade premiada, reconhecida pela ONU, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também pelo programa INOVAR, como um modelo de gestão eficaz na recuperação do condenado. A APAC mostra que é possível cumprir pena com dignidade e disciplina, promovendo a reintegração social”, afirmou.

Implantação da APAC não depende da Câmara
Respondendo a questionamentos de vereadores sobre a necessidade de aprovação legislativa para a criação da APAC, o promotor foi direto: “A implantação da APAC NÃO DEPENDE de autorização do Legislativo. O Ministério Público pode fazer a recomendação e o município pode acolher. A Lei de Execução Penal, no artigo 49, determina que o Estado deve recorrer à cooperação da comunidade para a execução da pena. Portanto, a comunidade pode e deve participar da gestão da pena. A lei já dá essa autorização.”
Ouro Branco sem estrutura
Dr. José de Lourdes criticou duramente a ausência de estrutura para execução penal em Ouro Branco. “Nós não temos presídio, não temos colônia penal, não temos APAC, não temos penitenciária de segurança média ou máxima. O preso quer trabalhar, quer se recuperar, mas não há onde. E enquanto isso, a população vive com medo, cercada por criminosos soltos.”
“Não quero ser forçado a sair da minha cidade”, diz promotor
Com mais de 30 anos dedicados ao Ministério Público, Dr. José de Lourdes fez um apelo emocionado: “Passei metade da minha vida em Ouro Branco. Quero viver o resto da minha vida aqui. Mas, se não enfrentarmos o problema da segurança pública, se continuarmos ignorando a necessidade de estruturas eficazes como a APAC, eu e tantas outras pessoas seremos forçadas a sair daqui.”
Perda da Comarca
O promotor alertou ainda para o risco de enfraquecimento das estruturas jurídicas no município. “Como andam as coisas em Ouro Branco, é porta aberta para o Tribunal tirar da cidade a Comarca. Já perdemos a Justiça Eleitoral. Não temos Colônia Penal. Não temos presídio. Só temos a Comarca — e podemos perder também”, advertiu.
Conclusão e próximos passos
A audiência pública do dia 25 de abril reacendeu o debate sobre a implantação da APAC em Ouro Branco. Com o apoio do Ministério Público e o envolvimento da comunidade, o próximo passo é sensibilizar o Executivo Municipal para acolher a recomendação e iniciar os trâmites para a criação da unidade. A expectativa é que, com diálogo e mobilização, Ouro Branco possa seguir o exemplo de Congonhas e oferecer uma resposta concreta à crise do sistema penal e ao aumento da criminalidade.