No país, há regiões com mais gente presa do que em liberdade e cidades com tantos gêmeos que existe até festa para eles. Conheça os lugares que desafiam a lógica (e as estatísticas) da população brasileira
Imagine uma vila isolada no interior, com gerações de casamentos entre parentes. Ou uma que, de tantos cidadãos gêmeos, faz até festa para eles. O Brasil está repleto de lugares que desafiam as estatísticas populacionais. A Ilha dos Lençóis (MA), por exemplo, já foi notícia no mundo todo por abrigar uma população desproporcionalmente alta de albinos, fruto possivelmente de relacionamentos consanguíneos no passado. Mas a expectativa de vida dos portadores de albinismo é baixa, e a incidência de sol nesta Ilha cheia de dunas, no município de Cururupu, litoral oeste maranhense, é enorme. Com o passar dos anos, muitos deixaram a ilha, e a população de albinos é uma fração do que foi em décadas anteriores. Veja outras histórias a seguir.
A CIDADE DOS GÊMEOS
Cândido Godói, RS
A cada dois anos, Cândido Godói, no oeste gaúcho, faz um festival para celebrar o fato que lhe deu certa fama internacional. A Festa dos Gêmeos reúne muitos dos mais de cem gêmeos nascidos nesse pequeno município de apenas 6 mil habitantes.
A comunidade de São Pedro, na zona rural da cidade, é o polo irradiador do fenômeno. Nos anos 1990, quando o assunto gerou interesse da comunidade científica, um estudo da Universidade de Cambridge (Reino Unido) indicou que 11% da população da Linha São Pedro eram gêmeos. É uma taxa muito mais elevada do que a que foi medida no Rio Grande do Sul à época (1,8%). Não há estatísticas mais recentes, mas as estimativas apontam que, no mundo, em média, uma em cada 60 a 80 gestações sejam múltiplas (gêmeos, trigêmeos ou mais).
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A explicação para a autointitulada “capital mundial dos gêmeos” ainda é um mistério. Já levantaram até a hipótese de Josef Mengele, o médico nazista que fugiu para o Brasil após a Segunda Guerra, ter realizado alguns experimentos na região que teriam levado à alta incidência de gêmeos. O “anjo da morte” até passou pela cidade nos anos 1960, mas não há nada que indique que ele tenha feito algo nesse sentido. Cândido Godói já tinha muitos gêmeos antes disso. O mais provável é que a cidade tenha essa multidão gemelar devido ao isolamento genético e à endogamia (casamento entre parentes), segundo um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quem prefere uma resposta menos científica, busca a Fonte da Fertilidade, localizada na comunidade de São Pedro. A tradição popular conta que quem bebe da sua água tem gêmeos.
A “CIDADE DOS ANÕES”
Itabaianinha, SE
Itabaianinha, no sul de Sergipe, ganhou em 2013 um projeto-piloto de uma academia de ginástica e de uma oficina de móveis adaptadas para pessoas com nanismo. Isso porque a cidade é conhecida, há décadas, pela alta incidência da condição. Mesmo em um lugar em que ela é mais comum, como Itabaianinha, as pessoas ainda sofriam preconceito e tinham mais dificuldades em conseguir trabalho.
O fenômeno é mais evidente na comunidade de Carretéis. Seu isolamento geográfico ajudou no aumento de casamentos consanguíneos, o que disseminou a mutação genética que (entre outros possíveis fatores) causa o nanismo. No Brasil, a estimativa é de que, a cada 10 mil nascimentos, entre uma e três pessoas tenham nanismo. Em Itabaianinha, que tem cerca de 40 mil habitantes, a média é de um a cada 400 nascimentos. A maioria é do tipo pituitário, em que braços e pernas são proporcionais ao tamanho do corpo.
A cidade chamou a atenção do mundo. É algo que inspirou cordéis e músicas. Há pessoas com nanismo ocupando diferentes profissões, de professores a cantores, artesãos, feirante e taxista. E um time inteiro de futebol (um dos atletas disputou a Copa do Mundo de Nanismo). Mas é uma população em queda. Segundo um estudo da Universidade Federal de Sergipe (UFS), o controle da taxa de natalidade, vacinas hormonais e a mortalidade ligada ao nanismo estão transformando a população: “a cidade dos anões passará a ser uma cidade com anões”. Se na virada do século eram 105 pessoas com nanismo (já se falou em 150), em 2019 esse número era de cerca de 60.
A CAPITAL DAS DOENÇAS RARAS
Monte Santo, BA
No nordeste baiano, Monte Santo está encravada na história brasileira. Foi lá que, em 1893, Antônio Conselheiro fundou a comunidade messiânica de Belo Monte, onde, três anos depois, estourou a Guerra de Canudos. Desde os anos 2000, Monte Santo tem atraído outro tipo de forasteiros: médicos e pesquisadores instigados pela diversidade de doenças raras na cidade. Eles já diagnosticaram casos de osteogênese imperfeita (que deixa os ossos muito frágeis), fenilcetonúria (que pode causar deficiência intelectual), deficiência auditiva de possível origem genética e hipotireoidismo congênito.
Mais uma vez, o excesso de casamentos entre pessoas da mesma família seria a causa de tantas doenças físicas e mentais de origem genética. Muitas vezes, as pessoas se casavam sem saber que eram parentes, segundo uma reportagem da revista Pesquisa Fapesp. A incidência dessas doenças é muito maior em Monte Santo do que no resto do Brasil. A MPS 6, por exemplo, síndrome grave que pode levar a diversas comorbidades físicas, atinge uma a cada 350 mil pessoas no mundo. Em Monte Santo, a taxa é de uma em cada 4 mil.
Monte Santo é um dos casos mais evidentes, mas existem dezenas de cidades no Brasil onde se identificou maior frequência de doenças raras, segundo o Censo Nacional de Isolados, do Instituto Nacional de Genética Médica e Populacional (Inagemp). É o que acontece também em Araras, distrito de Faina (GO), onde há muita incidência de xeroderma pigmentoso, doença que pode levar ao câncer de pele.
Além de ter sido palco da Guerra de Canudos, Monte Santo é conhecida pelo Meteorito do Bendegó, o maior já encontrado no Brasil, e por ter servido de cenário para a minissérie O Pagador de Promessas, da TV Globo, e o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, um clássico do cinema novo dirigido por Glauber Rocha.
FONTE: REVISTA GALILEU