Mortandade de peixes se estende por 17 quilômetros e atinge até espécies resistentes e ameaçadas de extinção
A morte de mais de 4 mil peixes em um trecho de aproximadamente 17 quilômetros do Rio Paraopeba, na Grande BH, acendeu o alerta em Minas Gerais. O que mais preocupa pesquisadores, ambientalistas e moradores ribeirinhos é que a mortandade atingiu espécies conhecidas pela resistência a ambientes degradados, como o pacamã, peixe que integra a lista de espécies ameaçadas de extinção. O fenômeno, iniciado no último sábado (6/9) na altura de Juatuba, segue em expansão e já alcançou Esmeraldas.
Os primeiros registros da mortandade foram feitos no sábado, na jusante da foz do Rio Betim com o Paraopeba. A suspeita é de que algum produto químico tenha sido lançado na noite da sexta-feira (5/9), provocando uma reação em cadeia ao longo do leito do rio. Imagens feitas ontem (10/9) pelo Estado de Minas mostram centenas de peixes sem vida acumulados em um trecho conhecido como Fazenda da Ponte, em Esmeraldas.
A contaminação não é visível a olho nu. A água do Paraopeba, em alguns pontos, parece límpida e sem alteração de cor, mas esconde uma ameaça silenciosa que tem deixado rastros às margens do rio. “Temos vídeos que mostram os peixes agonizando, buscando respiração fora d’água. Até agora, já foram recolhidos mais de 4,5 mil espécimes, de diferentes tamanhos e espécies”, afirmou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (CBH Paraopeba), Heleno Maia.
As análises laboratoriais da água, dos sedimentos e das carcaças já estão em andamento, mas os resultados podem levar até dez dias para ficarem prontos. “Somente com o laudo poderemos confirmar se houve envenenamento desses animais. Ainda não sabemos do que se trata, mas acreditamos que será possível identificar os responsáveis com mais facilidade, já que o ponto de origem parece estar concentrado na foz do Rio Betim. A gente sabe que partiu dali, resta saber se veio diretamente da margem ou se desaguou pelo Betim”, completou.
O CBH Paraopeba enviou equipes ao local para coletar amostras de água e verificar a extensão do impacto. Os resultados, no entanto, devem levar cerca de dez dias para ficarem prontos. “Estamos tentando uma informação preliminar do laboratório, mas temos que tratar com muita cautela para dar informação mais precisa”, comenta o presidente do CBH Paraopeba.
A partir do ponto de origem, o fenômeno vem se deslocando rio abaixo, acompanhando a correnteza. O monitoramento da equipe do CBH Paraopeba mostra que o rastro de mortandade já chegou a Esmeraldas anteontem (9/9), mas não há relatos de impactos em trechos abaixo do município.
A hipótese de que o problema estivesse relacionado ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019, foi praticamente descartada. “Se fosse algo ligado ao desastre da barragem, a contaminação teria surgido a montante, mas o que observamos foi o contrário. O ponto inicial está a jusante da foz do Rio Betim, distante da área do Também foi levantada a possibilidade de o episódio ter ligação com descargas industriais, mas essa linha vem sendo enfraquecida. “Cogitou-se que poderia ser alguma indústria de bebidas, mas já verificamos que a empresa não faz descarte no local. Ela lança efluentes no Ribeirão Serra Azul, que deságua no Paraopeba bem distante do início do problema. E se fosse o caso, teríamos sinais também no ribeirão, o que não aconteceu”, acrescentou.
Sem saber o que causou o fenômeno também não há como prever até onde a contaminação pode chegar e até mesmo se pode alcançar os reservatórios de água, como Sistema Paraopeba, que abastece a população. “O momento é de cautela e de aguardar os laudos laboratoriais para termos certeza do que aconteceu”, reforçou Heleno Maia.

Impacto nas espécies
A dimensão do desastre ecológico fica ainda mais evidente quando se observa o perfil das espécies afetadas, como o pacamã, peixe noturno que vive próximo ao fundo do rio, na lista de ameaçados de extinção. Além dele, surubins de até 40 quilos foram recolhidos sem vida, assim como piranhas, conhecidas pela resistência em ambientes poluídos.
“Sabemos que pode ser uma contaminação muito mais reagente, porque temos espécies que são muito resistentes. Esses animais já convivem há anos com a contaminação por metais pesados oriundos do rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, além do esgotamento sanitário que atinge a bacia. São espécies adaptadas a cenários adversos, mas agora não resistiram”, lamenta o presidente do comitê.
Morador de Esmeraldas desde a infância, o jardineiro Francisco Xavier de Almeida, de 60 anos, contou que já testemunhou episódios semelhantes em outras ocasiões, mas nunca nessa dimensão. “É a terceira vez que vejo isso acontecer, mas dessa vez foi diferente. Eu estive aqui na segunda-feira e não tinha nada. Aí meu vizinho filmou e disse que os peixes começaram a aparecer mortos de segunda para terça. Está morrendo peixe desde a semana passada e cada dia aparecem mais”, relatou.
O espanto dos moradores aumenta porque, aparentemente, nada de anormal é visto na água. “Você olha para o rio e ele parece normal, limpo. Mas aí se depara com milhares de peixes mortos às margens. É triste demais”, completou Francisco.

Monitoramento contínuo
Equipes do comitê e da Defesa Civil dos municípios da região percorrem o rio para mapear áreas mais afetadas. O trecho sob monitoramento inclui a confluência com o Rio Betim, que deságua no Paraopeba e segue até a Represa de Três Marias, em Felixlândia, um dos maiores reservatórios do Estado. Além disso, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), responsável pela operação da rede de monitoramento da bacia do Rio Paraopeba, também realizou coletas emergenciais na área afetada para análise laboratorial.
O caso também é acompanhado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e pela Polícia Militar de Meio Ambiente.

Em nota, a Semad informou que as medidas de mitigação só poderão ser definidas após a conclusão das análises. “As medidas para mitigar os impactos ambientais serão definidas a partir dos resultados das investigações e do monitoramento contínuo realizado pelos órgãos competentes. O Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) reforça seu compromisso com a proteção dos recursos hídricos e a preservação ambiental, e poderá disponibilizar outras informações, conforme o andamento dos trabalhos no local”, disse o órgão.
FONTE: ESTADO DE MINAS