Entre poeira, fogão a lenha e panelas antigas, tia Ana segue vivendo sozinha no sítio no Vale da Gurita, planta, capina, faz queijo, bolinho doce, pão de queijo de verdade, cuida dos bichos e prova que a vida simples ainda sustenta a Serra da Canastra como poucos lugares no Brasil.
Vivendo sozinha no sítio onde nasceu, no Vale da Gurita, em plena Serra da Canastra (MG) , tia Ana atravessou décadas fazendo tudo com as próprias mãos. Ela planta, capina, faz queijo, bolinho de queijo, pão de queijo, cuida dos animais e ainda recebe visita com mesa cheia de quitanda, como se o tempo tivesse desacelerado só para ela.
Enquanto muita gente abandona a roça e troca a vida rural pela cidade, tia Ana segue firme, vivendo sozinha no sítio, cercada de poeira, minério vermelho, cheiro de café fresco e barulho de fogão a lenha. A rotina é puxada, mas ela garante que assim é melhor para cuidar de tudo do próprio jeito, honrando o que aprendeu com os pais lá atrás.
Vivendo sozinha no sítio e cuidando de cada detalhe
Com o tempo, os irmãos tomaram outros rumos, a vida mudou, mas tia Ana ficou. Hoje, segue vivendo sozinha no sítio, sem drama e sem vitimismo.
O sobrinho Cláudio ajuda quando tem gado, vaca parida ou necessidade mais pesada, e quando a roça está muito tomada de mato, ela chama um peão para dar um reforço.
No resto, é ela e Deus. Capina horta, mexe com couve, cuida de galinha, lida com vaca, organiza tudo dentro de casa e ainda acha força para assar quitanda para qualquer visita que aparecer.
Chegar na cozinha da tia Ana é certeza de encontrar lata de biscoito cheia, broa pronta e massa de pão de queijo esperando só o forno esquentar.
Pão de queijo raiz, do tipo que não vem em pacote

O pão de queijo da tia Ana é receita de mina raiz, herdada da mãe. Nada de mistura pronta. Na massa vão polvilho escaldado, um copo de óleo, um copo de leite, um copo de água, ovos e queijo de verdade, feito na roça, tudo medido no olho e na experiência.
Ela explica que o segredo é escaldar bem o polvilho, amassar na mão até a massa ficar “gusguenta” no ponto certo, nem dura nem mole demais.
Se fica mole, o pão de queijo “esborracha”; se fica duro, “vira uma casca”. O resultado são bolinhas firmes por fora e macias por dentro, que enchem a cozinha de cheiro bom.
E se sobrar massa, não tem problema. Vivendo sozinha no sítio, tia Ana já se acostumou a guardar para assar no dia seguinte, esticando o sabor e o trabalho.
O mesmo vale para a broa: ela faz, congela crua e, na hora, é só levar ao forno para ter quitanda fresca como se tivesse sido feita há minutos.
Bolinho de queijo frito, cozido e banhado no melado

Outro destaque da mesa é a bolinha de queijo, que engana o olhar de quem pensa que é coxinha. A massa é simples: queijo amassado com um pouco de farinha de trigo.
Daí surgem duas versões: o bolinho frito, que depois ganha banho de calda grossa ou melado, e o bolinho cozido direto na calda, que fica macio, doce e grudado de sabor.
Ela faz questão de servir os dois tipos para comparar. O frito tem a casquinha crocante, que estala na boca e guarda o contraste do sal do queijo com o doce do melado.
O cozido puxa mais calda e fica “caprichado de bom”, como ela mesma define. E se deixar um dia inteiro na calda, o trem melhora ainda mais.
Farinha, polvilho, tareco e o tempo em que nada vinha da cidade
Quando começa a falar de como era fazer farinha e polvilho antigamente, tia Ana volta no tempo. A mandioca era moída na picadeira, peneirada, seca e torrada no forno, tudo manual.
Ela lembra de uma receita especial que a mãe fazia com a massa da mandioca, o “tareco”, tipo um bolo que era pingado no forno com colher depois da torra, para alegrar o fim do serviço.
Naquele tempo, vivendo no sítio e praticamente sem ir à cidade, ninguém comprava pão ou biscoito pronto.
A mãe fazia biscoito, pão de queijo, broa, bolo, e sempre que alguém chegava, tinha lata cheia. Hoje, tia Ana mantém o costume: se bater à porta em qualquer hora do dia, é quase certo encontrar quitanda fresca ou pronta para ir ao forno.
Crenças, superstições e a fé que ficou mais forte do que o medo
A conversa rende histórias das antigas. Ela lembra da Semana Santa em que não se podia matar frango, porco, nem fazer sangue, por respeito à tradição.
Quinta-feira depois do almoço já era hora de parar tudo. Na sexta, nem faca se pegava. Depois, no sábado de aleluia, o povo “tirava aleluia” e o couro comia em forma de brincadeira nas crianças.
Tia Ana também cresceu ouvindo falar de lobisomem, assombração, barulho no escuro e medo de andar na roça na quaresma. Hoje, vivendo sozinha no sítio, ela ri de tudo isso.
Diz que nunca viu nada, nunca topou com assombração e que o que mais assusta é o medo da própria cabeça. Para ela, é Deus quem guarda, e o resto é história que o povo aumenta.
Simplicidade sem distinção entre rico e pobre
No jeito de falar, fica claro que tia Ana não mede ninguém pela conta bancária. Ela serve o mesmo café, o mesmo pão de queijo e a mesma broa para o pobre e para o rico, sem separar louça “de visita importante”.
Ela conta, rindo, que nunca ligou para pratinho chique de louça; os pratos esmaltados riscados, com marca do tempo, têm o mesmo valor.
Para ela, o que importa é ter uma boca boa para comer e um corpo funcionando bem, o resto é frescura da cidade. A mesa é democrática, a hospitalidade é a mesma para quem sobe a estrada de terra e tem coragem de bater no portão.
Uma vida inteira vivendo sozinha no sítio como ato de resistência
O que poderia parecer isolamento é, na verdade, um ato de resistência silenciosa. Ao continuar vivendo sozinha no sítio, tia Ana segura uma ponta importante da cultura da Serra da Canastra: a comida feita no fogão de lenha, a hospitalidade sem pressa, o trabalho na roça, o respeito à natureza e a fé misturada com superstição e bom humor.
Enquanto o tempo tenta apagar a vida simples, ela insiste em acordar cedo, amassar pão de queijo, fazer bolinho de queijo, cuidar dos animais e manter firme a roça que herdou dos pais.
Na prática, tia Ana mostra que tradição não se preserva em museu, mas em gente que continua vivendo, plantando, cozinhando e recebendo quem chega.

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