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Boom do lítio em Minas gera empregos, acende alertas científicos e explica em detalhes como a extração pode contaminar solo, água e afetar comunidades locais

Avanço da mineração a partir de 2023 eleva níveis de alumínio no solo e na água, expõe cerca de 50 mil moradores e pressiona autoridades ambientais no nordeste mineiro

A expansão da mineração de lítio avança no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e mobiliza pesquisadores, órgãos públicos e comunidades locais. Desde 2023, o lançamento do programa Vale do Lítio, pelo governo estadual, acelerou a exploração do mineral estratégico.

Ao mesmo tempo, a atividade ampliou expectativas econômicas e intensificou riscos de contaminação ambiental. Em Araçuaí, com cerca de 35 mil habitantes, e Itinga, com aproximadamente 15 mil moradores, a mineração passou a dividir espaço com alertas científicos sobre solo e água, conforme análises da Pesquisa FAPESP.

Até 2023, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) concentrou as operações na região. Em seguida, a canadense Sigma Lithium iniciou a produção comercial e expandiu a presença industrial.

Além disso, empresas como Lithium IonicAtlas LithiumLatin Resources e a chinesa BYD adquiriram áreas para pesquisa mineral. Com isso, o setor ampliou rapidamente sua atuação no território.

Investigação técnica revela risco químico associado ao espodumênio

No Brasil, a indústria extrai lítio principalmente do espodumênio, presente em rochas pegmatíticas. Durante a extração, os processos mecânicos e químicos liberam nanopartículas minerais com alumínio, elemento potencialmente tóxico.

O engenheiro-agrônomo Alexandre Sylvio Costa, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), explica que as mineradoras acumulam resíduos ricos em alumínio em rejeitos a céu aberto.

Quando chove, a água arrasta esse material pela superfície e o infiltra no solo. Esse processo amplia diretamente a contaminação ambiental.

Diante desse quadro, pesquisadores da UFVJM, em parceria com a CBL, desenvolveram uma alternativa técnica. Eles analisaram o resíduo gerado após a calcinação do espodumênio.

Após o tratamento com ácido sulfúrico, o processo gera silicato de alumínio. Em outubro de 2025, estudo publicado no International Journal of Geoscience, Engineering and Technology mostrou que o material tratado se torna não reativo.

Além disso, o silicato tratado promove floculação, atrai partículas dispersas e auxilia na purificação da água.

Estudos apontam contaminação acima dos limites recomendados

Apesar dessas soluções, os riscos persistem. O geólogo Edson Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que a mineração de lítio amplia a liberação de elementos químicos no ambiente.

Em parceria com Cássio Silva, da Companhia de Recursos em Pesquisas Minerais (CRPM), Mello analisou amostras de solo, vegetação e água.

As equipes coletaram os materiais entre 2008 e 2009, nos arredores de Araçuaí e Itinga. Todas as análises registraram teores de alumínio acima do recomendado.

Artigo publicado em agosto de 2025, na Journal of Geological Survey, mostrou que 60% das amostras de solo atingiram média de 30,7 mg/kg. Esse valor quase dobrou os 17,7 mg/kg encontrados em áreas sem mineração.

Na água, os pesquisadores identificaram média de 0,405 mg por litro, acima do limite de 0,05 a 0,2 mg/L definido pelo Ministério da Saúde.

Com base nesses dados, Cássio Silva estimou que cerca de 50 mil moradores enfrentam risco elevado. O excesso de alumínio compromete ossos, músculos e o sistema nervoso central.

Os pesquisadores encaminharam os resultados às empresas e a órgãos públicos de Minas Gerais. Até agora, as prefeituras locais e a Sigma Lithium não responderam às solicitações.

Impactos sociais reforçam tensão nas comunidades

Além dos dados técnicos, os impactos sociais ganharam força. Em novembro de 2024, a socióloga Elaine Santos, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, em Portugal, percorreu o Vale do Jequitinhonha.

Durante a visita, moradores relataram rachaduras nas casas, que atribuíram às explosões das mineradoras. Eles também descreveram poeira constante e ruídos contínuos de máquinas.

Agência Brasil registrou esses depoimentos em reportagem publicada em outubro de 2025.

Cenários semelhantes aparecem em outros países produtores de lítio. Na província chinesa de Yichun, pesquisadores observaram aumento expressivo de partículas atmosféricas finas.

Estudo publicado em abril de 2025, na revista EixosTech, detalhou esse avanço.

No noroeste da Argentina, o problema principal envolve o consumo de água. Pesquisadores alertaram para o impacto direto nos aquíferos subterrâneos.

Artigo publicado em fevereiro de 2025, na revista Heliyon, revelou que uma mina consome 51 m³ de água por tonelada de carbonato de lítio. Esse volume representa cerca de 30% da água doce do Salar de Olaroz-Cauchari.

Fiscalização, transparência e futuro da mineração

Diante desse contexto, especialistas defendem mais transparência, fiscalização contínua e diálogo com as comunidades. Eles também destacam a importância de audiências públicas e estudos ambientais permanentes.

As resoluções Conama nº 001/1986 e nº 237/1997 garantem a participação popular no licenciamento ambiental. No entanto, a revista EixosTech aponta que a falta de fiscais e recursos limita a atuação da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Em setembro de 2025, o procurador Helder Magno da Silva, do Ministério Público Federal, recomendou a suspensão e revisão das autorizações de pesquisa e extração de lítio no Vale do Jequitinhonha.

Além disso, ele exigiu consulta prévia, livre e informada às populações locais antes de novas concessões.

Com a crescente demanda global por lítio, surge a questão central: como conciliar desenvolvimento econômico, proteção ambiental e saúde pública para garantir benefícios reais às comunidades afetadas?

FONTE: CLICK PETRÓLEO E GÁS

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