Mineira de Conselheiro Lafaiete, ela enfrentou uma vida de provações e decidiu procurar o Rei para mostrar suas canções após ficar viúva com seis filhos
Mulher, negra, pobre e analfabeta, Helena dos Santos era a cara do Brasil, o que não a impediu de conhecer o Rei do seu país. Esse encontro fatídico, no entanto, aconteceu muito depois. Nascida há cem anos, em Conselheiro Lafaiete, no interior de Minas Gerais, Helena teve uma vida de provações. Perdeu a mãe ainda criança e a madrasta, com quem o pai se casou na sequência, a maltratava cotidianamente. Logo que surgiu a oportunidade, mudou-se com a irmã e o cunhado para o Rio de Janeiro, aos doze anos de idade. Lá, ela se empregou em uma fábrica de tecidos, e aprendeu a costurar.
Ao sofrer um acidente de trem, enfrentou dois anos impedida de exercer suas funções, o que prejudicou as já precárias condições econômicas. A solução encontrada foi trabalhar como doméstica nas casas de madames. Com dezessete anos, desposou Lauro de Oliveira, vindo de Cabo Frio, antigo colega da fábrica de tecelagem. Do casamento vieram seis filhos, mas, quando estava grávida do último, Helena perdeu o marido e a vida perdeu novamente o sentido. Para sobreviver, passava noites em claro costurando, enquanto as manhãs e as tardes eram dedicadas ao trabalho de faxina para suster os filhos.
Em Conselheiro Lafaiete, Helena estudou só até o primeiro, mas o marido a ensinou a escrever por meio de rimas e composições. Com a Jovem Guarda a todo vapor nos anos 1960, comandada por Roberto, Erasmo e Wanderléa, Helena decidiu arriscar uma canção naquele ritmo despojado e alegre, que embalava a juventude com calças boca-de-sino e gírias descoladas. Munida da letra de “Na Lua Não Há” nas mãos, ela se dirigiu ao suntuoso prédio da Rádio Nacional, no centro do Rio, e batalhou até conseguir se encontrar com o Rei. Roberto Carlos não só a recebeu como aprovou a canção para o seu novo LP.
Assim, o ano de 1963 marcou a estreia em disco de Roberto com “Splish Splash”, e a de Helena dos Santos como compositora. A parceria não parou por aí. Helena tornou-se uma espécie de confidente do Rei, para quem escreveu mais de dez sucessos, dentre eles “Meu Grande Bem” (1964), “Como É Bom Saber” (1965), “Esperando Você” (1966), “Fiquei Tão Triste” (1967), “Do Outro Lado da Cidade” (1969), e outros, percorrendo as décadas de 60, 70 e 80, o que a permitiu viver dos direitos autorais obtidos pelas canções. Ela então se mudou para um apartamento no Horto Florestal e, depois, no bairro Bangu.
Em 1970, Helena lançou o livro “O Rei e Eu”, publicado, em capítulos, pela revista Contigo, ao modo das fotonovelas de antigamente, em que detalhava a relação com Roberto. Helena morreu em 2005, aos 83 anos, e merece estar no mesmo panteão de mulheres negras de fibra como Carolina de Jesus, Conceição Evaristo, Marielle Franco, Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara.
FONTE ITATIAIA