Movidos pela fé e espírito de aventura, caminhantes e ciclistas de Entre Rios de Minas (MG) e região desbravaram, no último dia 13, um novo caminho de peregrinação para o Retiro Velho – onde nasceu Manoelina Maria de Jesus, mais conhecida por “Santa” Manoelina dos Coqueiros. O evento, de cunho religioso/esportivo, foi marcado também por uma missa campal reunindo uma multidão de fiéis (cerca de 350 pessoas), numa realização da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo, e do grupo de voluntários do Projeto de Resgate Histórico de “Santa” Manoelina dos Coqueiros.
Retiro Velho ,“um lugar sagrado”, conforme qualificou Pe. Ildeu da Cruz Sílvio durante a celebração eucarística, está localizado na zona rural de Coqueiros, distante 12 km do centro de Entre Rios de Minas pela MG – 270, sentido Desterro de Entre Rios. A casa onde nasceu, em 1911, Manoelina Maria de Jesus, atualmente é propriedade de Maurílio de Oliveira Resende, que vem preservando o local visando sua reabertura como um centro de peregrinação, “para que todos que aqui vierem possam beber da água, fazer suas orações e sentir a paz deste lugar”.
Vale lembrar que em 16 de março de 2019, foi inaugurada uma estátua em homenagem à taumaturga, esculpida em pedra sabão pelo artesão David Fuzatto, de Cel. Xavier Chaves, inspirada no desenho do artista entrerriano Daditto. Da mão direita da estátua, jorra água pura proveniente da mesma fonte de onde, nos idos de 1930, Manoelina, então com 19 anos, apanhava água e benzia milhares de romeiros que vinham de toda parte do país e até do exterior, em busca de cura para os males físicos e “da alma”. Muitos saiam curados do encontro com ela.
Presente à celebração, o entrerriano Otávio Soares de Resende, 59 anos, residente na zona rural Mata dos Pacheco, parente distante de Manoelina, disse que já recebeu vários milagres. “Tenho muita fé nela … peço autorização, em oração”. Esta “oração dotada de fé” foi exortada por Pe. Ildeu ao convidar os fiéis a rezarem “por cada um que abraçou a causa de Manoelina”.
Durante a homilia, o Pároco de Entre Rios de Minas fez “um convite para partilhar, voltar para a Fonte, como a água que é capaz de gerar vida. Mãos de Manoelina intercedendo por todos junto de Deus. Vida, Fé, Comunhão : 3 palavras para meditarmos. Exemplo de vida de Manoelina, em doação a Deus, em missão de fé. Suas orações revelavam o Divino, o Sagrado! Aqui (se referindo ao Retiro Velho) é possível escutar Jesus! Manoelina nos mostrou isto. A fé de Manoelina transformou a vida de muitas pessoas! ‘Virgem’ Manoelina recorda a você que ‘o Senhor é a sua luz e salvação’ e, como nas palavras de São Paulo, continuai firmes na fé”.
Naquele “lugar sagrado”, onde é possível “sentir a energia de Deus, da Vida”, os fiéis rezaram a Oração para Beatificação de Manoelina Maria de Jesus. Padre Ildeu disse que vai se encontrar com Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela abertura do processo, “para que nossa Paróquia receba documentação para também colher assinaturas”. Dom Vicente presidiu missa em homenagem à “Virgem” Manoelina, em Crucilândia.
A cidade mineira de Crucilândia, para onde Manoelina se mudou nos idos de 1931 e está sepultada (faleceu em 1960, aos 49 anos, de causa natural), também homenageou a “Virgem” Manoelina, como é conhecida lá. O Projeto de Lei nº 1.229/2021, de autoria do prefeito Laercio de Souza, instituiu a data de 14 de março (quando ela faleceu) como o “Dia da Virgem Manoelina”, passando a fazer parte do calendário de feriados municipais a partir deste ano. Pela manhã, seu túmulo (de número 284) no Cemitério Municipal recebeu a visita de romeiros que entoaram louvores à “Virgem”, deixaram flores e acenderam velas em gratidão. Às 19 horas, Dom Vicente Ferreira presidiu a santa missa na matriz da paróquia Santa Cruz e São Geraldo.
Entre Rios de Minas, desde 2018, também celebra o 14 de março como “Dia de Santa Manoelina”, embora ainda de forma não oficial. A peregrinação para o Retiro Velho, este ano, aconteceu no domingo (13) e ganhou um novo trajeto a fim de atender também os ciclistas. Partindo da praça Cel. Joaquim Resende, passou pelas zonas rurais de Faleiros, Dois Córregos e Alto do Madruga. Desceu à direita até o asfalto da MG- 270, onde deu acesso para o Retiro Velho à esquerda. O evento contou com equipe de apoio – ambulância, caminhonete com lanches e água, além de um ônibus para transporte de fiéis e retorno dos caminhantes. O percurso de aproximadamente 20 km (praticamente uma meia maratona!) por estrada de terra foi aprovado pelos participantes e está sendo agora demarcado oficialmente pela administração pública municipal.
Cerca de 40 peregrinos completaram o trajeto e receberam medalha de honra ao mérito das mãos do Secretário Municipal de Cultura, Felipe Resende, que também participou da caminhada. Resende ressaltou que “Manoelina dos Coqueiros é referência importante para a história do nosso município e, preservar esta memória, é zelar pela cultura local”. Da mesma forma, voluntários do projeto de resgate histórico da “Santa dos Coqueiros” fizeram o novo percurso. Um de seus líderes, o médico José Pedro Borges, destacou “a necessidade do reconhecimento do valioso trabalho assistencial de cura de Manoelina Maria de Jesus”.
Primeiro peregrino a chegar na entrada do Retiro Velho, o canto entrerriano Vitor Nato, também ressaltou a importância do evento “para reconhecimento do valor de Manoelina, como preservação de memória e atratividade turística para Entre Rios”. Desejando participar no próximo ano, Nato fez o percurso em 3h20m e o qualificou como “tranquilo, mas desafiador nas subidas”.
Já buscando mostrar a “força” da ACER – Associação de Ciclismo de Entre Rios – 33 ciclistas seguiram juntos durante todo o percurso, perfazendo um tempo de 2h14m. “Combinamos seguir juntos”, informou o presidente Reginaldo José Ferreira, ao acrescentar que “apenas uma ciclista não conseguiu concluir, por problemas com a bike”. O presidente da ACER explicou ainda que o trajeto “é de nível médio, muito bacana, com destaque para a paisagem maravilhosa no Alto do Madruga”.
Resgatando um pouco da história
Manoelina Maria de Jesus (1911-1960), moça simples, analfabeta, pobre, fervorosa, católica, gostava de cantar “benditos” (cantos religiosos com que são acompanhadas as procissões). Aos 19 anos, nos idos de outubro de 1930, sob inspiração divina, começou a realizar “milagres”. Na casa de dois cômodos no Retiro Velho, morava com os pais e 16 irmãos. Alimentava-se apenas de água, “que se transformava em vinho pelas suas orações”.
Naquela época, Entre Rios ficou conhecida no país inteiro e até no exterior, por causa de reportagens veiculadas na revista O Cruzeiro e no jornal A Noite, onde o repórter Davi Nasser narrava os milagres da “Santa de Coqueiros”. O local tornou-se um centro de fé e curiosidade. Os poucos carros da época não davam conta de transportar os romeiros que vinham de toda parte. Também chegavam cartas de todo o Brasil e até do exterior, as quais ela benzia e depois ateava fogo. Algumas correspondências continham dinheiro, pois moedas de 1.000 réis e pesos eram vistos entre as cinzas dos papéis das cartas.
A historiadora de Crucilândia, Conceição Parreiras Abritta, registrou em seu livro História de Crucilândia (Belo Horizonte, Página Studio Gráfico, 1988, pp.100 e 102-103): “(…) chegavam caminhões repletos de pessoas em sua casa, gente a pé, a cavalo, pessoas vindas de todos os lados. A família de Manoelina não tinha mais sossêgo nem para trabalhar. Chegavam sacos repletos até às bordas de correspondência, muitas das quais traziam dinheiro. (…) Vestia-se de uma túnica azul comprida e um véu branco na cabeça. Dormia em um catre de madeira, sem colchão e roupa de cama”.
A fama da “Santa Milagreira de Coqueiros”, bem como toda a movimentação de romeiros (muitos deles doentes) naquela região, passou a incomodar… Em abril de 1931, Manoelina muda, de madrugada, com toda a família, para Dom Silvério – distrito de Bonfim(MG). Logo, romeiros descobrem seu paradeiro. Acusada de “perturbação da ordem social”, chegou a ser internada em um manicômio. O pai ,Sr.Miguel, alegando na Justiça que a filha era menor de idade, conseguiu retirá-la.
Tempos depois, uma nova mudança, desta vez para a localidade denominada Capão, em Crucilândia, onde continuou recebendo a visita de inúmeros romeiros e intercedendo “curas espirituais”. Manoelina Maria de Jesus faleceu em 14 de março de 1960 e, até hoje, sua sepultura é muito visitada.
Em reconhecimento por sua fervorosa fé e dedicação ao próximo, além dos vários relatos de graças alcançadas por sua intercessão, há um processo pedindo a sua beatificação a ser aberto na Arquidiocese de Belo Horizonte, pelas mãos do bispo auxiliar Dom Vicente Ferreira.
Enquanto isso, fica a certeza de que “Santa”, “Virgem” ou simplesmente “Irmã” Manoelina dos Coqueiros, “intercedendo por todos junto a Jesus Cristo”, VIVE nos corações dos devotos, cuja fé liberta e cura!