Infelizmente, a exploração desmedida de recursos naturais encontra um aliado nesse caminho de devastação: o nosso próprio desconhecimento
Um dos privilégios do nosso percurso como jornalistas no Projeto Preserva tem sido a possibilidade de nos encontrar com pessoas altamente qualificadas na área ambiental e ver, com frequência, uma tarde de entrevista se transformar numa grande aula.
Foi numa tarde dessas que conhecemos o geólogo Paulo Rodrigues, pesquisador e professor do programa de pós-graduação do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, o CDTN. Eu e o jornalista Odilon Amaral resolvemos ir até lá depois de ver o professor explicar, numa conferência transmitida na internet, sobre os aquíferos raros de Minas Gerais.
Assim como nós, você, em algum momento da vida escolar, provavelmente, ouviu falar dos aquíferos. O país tem vários deles e alguns famosos, como o Aquífero Guarani e o Aquífero de Alter do Chão: são sistemas naturais que absorvem a água da chuva de forma lenta o bastante para formar reservatórios subterrâneos. Disso dependem a água dos rios e, por fim, a água que sai nas nossas torneiras.
Mas, em Minas Gerais, há uma raríssima condição geológica encontrada bem no entorno de Belo Horizonte, o que fez aumentar o meu espanto durante a entrevista. Apesar de existirem tantas pesquisas científicas sobre o assunto, uma informação crucial sobre nossos aquíferos não era de conhecimento público. É que, diferentemente dos outros aquíferos do Brasil, aqui no quadrilátero os aquíferos estão exatamente dentro das rochas de minério de ferro.
As nossas rochas de minério de ferro abrigam um sistema natural que coleta lentamente a água da chuva e a faz chegar ao subsolo. Essa é a definição de aquífero, como explica o professor: sistemas capazes de armazenar água e doar, fazendo a água brotar em nascestes e abastecendo, por exemplo, os rios.
E tem mais: nas nossas rochas de minério, há uma faixa denominada Cauê que é responsável por 80% da água subterrânea de toda essa área. Paulo Rodrigues chama isso de paradoxo da sorte: “é exatamente no aquífero Cauê que está o minério de ferro que interessa à exploração”, explica o professor.
Por isso, disse acima que essa informação é crucial. Estamos vivendo, ano após ano, o aumento da escassez de água subterrânea que vem produzindo as imagens assustadoras do encolhimento de tantos rios brasileiros. Dentro desse contexto de seca progressiva que tende a aumentar nos próximos anos, proteger os aquíferos é a melhor chance de garantir água.
Em Minas Gerais, restam poucos aquíferos preservados e um deles está na Serra do Gandarela, onde a Vale apresentou um projeto de mineração.
A preservação dessas rochas esculpidas ao longo de bilhões de anos é mais que essencial em tempos de crise climática, mas as milhares de pessoas que dependem da água desses aquíferos, sequer sabem que eles existem.
Infelizmente, a exploração desmedida de recursos naturais encontra um aliado nesse caminho de devastação: o nosso próprio desconhecimento.
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