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Moradores resistem à expansão de mineração em Congonhas (MG)

CSN tenta desapropriar terrenos do bairro Santa Quitéria para expandir operação da mina Casa de Pedra


Maíra Cabral
Proprietários de terrenos que estão na mira do projeto de expansão do complexo de mineração Casa de Pedra, da mineradora CSN, em Congonhas (MG), recusaram as
propostas de indenização feitas pela empresa. Por determinação do Decreto 496, do governador Minas Gerais, Romeu Zema, uma área de 261 hectares, o equivalente a 365 campos de futebol, deve ser desapropriada para implementar pilhas de rejeito.

Os moradores estão insatisfeitos com o valor oferecido pela mineradora e com o processo de desapropriação que, na visão deles, está sendo feito de forma autoritária. Há ainda o temor de que a região vire uma “área fantasma”.

A Casa de Pedra é importantíssima para a CSN, segunda maior exportadora de minério de ferro do Brasil.
Balanço da empresa mostra que da produção anual, de 33 milhões de toneladas de minério de ferro, 30 milhões saem da mina.
Moradores criticam a ampliação pela inconsistência nas informações divulgadas pela companhia.
“Não houve nenhum tipo de conversa entre a CSN e a comunidade. A empresa não enviou representantes em nenhuma das audiências públicas que fizemos”, diz Aline Soares, moradora da área e liderança comunitária.
De acordo com a CSN, “foram feitas diversas visitas individuais e reuniões para negociação dos valores”.

Moradores temem que sejam comprometidas partes do bairro Santa Quitéria e de terrenos que restaram em Plataforma, região que foi despovoada entre 2006 e 2008, também para uma expansão da CSN, feita por negociação área a área, sem desapropriação.
Em resumo, enquanto a desapropriação é uma medida imposta pelo Estado para atender ao interesse público, a negociação de terreno a terreno é uma troca voluntária entre proprietários privados.

As informações imprecisas aumentam a sensação de insegurança da população em relação ao futuro . Segundo Aline Soares, o medo dos moradores é ver Santa Quitéria se transformar em uma nova Plataforma. “Tinha escola, posto de saúde, igrejas, campo, mercado e mais de 100 famílias. Hoje é um bairro fantasma. Os moradores que restam vivem isolados, cercados pela operação da CSN”, diz ela, que defende a revogação do decreto.

O descontentamento da comunidade começou com a incerteza sobre quais terrenos são alvo da expansão, já que o despacho do governo mineiro não deixa claro qual será a área atingida.

Em 9 de agosto, a Prefeitura de Congonhas se manifestou, por meio de uma nota nas suas redes sociais, dizendo que “em momento algum foi comunicada pelo governo de Minas Gerais sobre qualquer desapropriação de terreno de que trata o Decreto Estadual 496”. Questionada, a assessoria da prefeitura reafirmou o conteúdo da nota, acrescentando que também não foi procurada pela CSN.

A preocupação dos impactos ao modo de vida da população local também passa pelos danos ao meio ambiente. As pilhas de rejeito filtrado, em princípio, são alternativas menos nocivas ao meio ambiente e supostamente mais seguras às tradicionais barragens.

Porém, de acordo com o governo de Minas Gerais, “no momento, não há nenhuma solicitação de análise de pedido de licenciamento ambiental para a área mencionada”.
A CSN afirma que “existe um rito processual para o licenciamento das pilhas”. “O processo ainda não foi iniciado, pois o primeiro passo é exatamente fazer os estudos ambientais necessários à sua implantação, e para elaboração desses estudos é necessário determos a titularidade das áreas onde eles serão realizados.”

O Rancho Santana está entre as propriedades remanescentes de Plataforma, que ficaram de fora na ampliação anterior, e que agora deve ser desapropriada. Segundo a comerciante Rebeca Santana, 33, herdeira do espólio, em 15 de julho, três dias após a publicação do decreto, foi feito o primeiro contato da CSN, via WhatsApp.

No comunicado, a mineradora informou que a empresa contratada NMC faria um “estudo socioeconômico com o intuito de levantar dados do bairro Plataforma”. Para ela, a mensagem não deixou claro o motivo do estudo.

Em 5 de agosto, a família recebeu o funcionário terceirizado da siderúrgica para avaliar a propriedade, mas recusou a oferta da empresa, que chegou via notificação extrajudicial como “proposta final de indenização”, em 30 de outubro.

Segundo consta no laudo, o estudo se baseou em “expressões matemáticas que representam de forma segura a lei de formação de valores de imóveis no local de abrangência”. Mas família questiona o levantamento feito pela mineradora. “Na avaliação da CSN, temos áreas improdutivas, tidas como de menor valor. Mas não é verdade. Aqui plantamos e vendemos o que colhemos. Criamos vacas, porcos, galinhas, cavalos e produzimos leite e queijo”, enumera. “Aceitamos negociar, mas com o valor que ofereceram não compramos, na região, um terreno como este.”

Bem em frente ao Rancho Santana está localizada a Estação Ferroviária de Casa de Pedra, onde os comboios de minério seguem para exportação no Porto de Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro. Ao fundo, o terreno é delimitado pelo rio Maranhão, que deságua do rio Paraopeba, impactado pelo rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019.
Na margem oposta, fica o bairro Santa Quitéria, onde mora Cristiane* (nome fictício, pois ela preferiu não se identificar), também atingida pela ampliação e que não aceita negociar a propriedade.

“Minha mãe morreu há dois anos e me deixou esse terreno. Construí minha casa —um imóvel de 220 m²— com muita luta. Ela acabou de ficar pronta e é a única coisa que eu tenho. Não posso abrir mão”, diz ela.

Um primo e dois tios, donos de lotes vizinhos, também receberam propostas de indenização, mas ninguém aceitou. Ficaram de fora os três familiares que têm terrenos do outro lado da rua, mas que ficam fora da área do empreendimento. Caso o projeto da mineradora seja concluído, terão a operação da CSN de nova vizinhança.

A CSN nega as acusações e diz que “tem mantido um relacionamento estruturado e transparente com a comunidade”. Sendo o valor das indenizações calculado “por empresa independente e especializada” e que “durante todo esse período foi mantido constante diálogo com os proprietários”.

FONTE:FOLHA DE SÃO PAULO

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