Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que uma madrasta deve pagar aluguel aos enteados para continuar vivendo no imóvel da família, após disputa judicial envolvendo copropriedade do bem e direito de habitação contestado.
A 8ª câmara de Direito Privado do TJ-SP manteve decisão da 4ª vara Cível do Foro Regional de Nossa Senhora do Ó e determinou que uma madrasta pague aluguel aos enteados para continuar morando no imóvel da família.
De acordo com o portal Migalhas, em matéria publicada nesta segunda-feira (22), o colegiado definiu que a quantia corresponderá a 75% do valor apurado na fase de cumprimento de sentença, preservando os parâmetros fixados pelo juízo de primeiro grau.
Conforme os autos, a mulher vivia em união estável com o pai dos três autores e permaneceu no apartamento utilizado pelo casal após a morte do companheiro.
Com o falecimento, os herdeiros questionaram judicialmente a ocupação exclusiva do bem e requereram indenização pelo período de uso sem contraprestação.
O tribunal reconheceu que o imóvel não era de propriedade exclusiva do falecido.
Antes do início da união estável, o bem havia sido partilhado em razão do óbito da primeira esposa — mãe dos autores —, tornando os filhos coproprietários de 50% do apartamento.
Nessa configuração, a permanência da madrasta no imóvel impede o exercício pleno do direito de propriedade pelos demais titulares, o que justifica a fixação de aluguel.
Direito de habitação foi afastado no caso concreto
No voto condutor, o relator Ronnie Herbert Barros Soares concluiu que não se aplica o direito real de habitação à companheira supérstite.
O fundamento central é objetivo: na constância da união estável, o falecido não detinha a titularidade exclusiva do imóvel que servia de residência comum.
Em situações assim, o instituto destinado a resguardar a moradia do cônjuge ou companheiro sobrevivente não pode prevalecer para restringir uma copropriedade preexistente.
O magistrado também ressaltou a ausência de vínculo jurídico que imponha solidariedade familiar entre enteados e companheira, de modo a transferir a eles o ônus de garantir a moradia da sobrevivente.
Em passagem citada no acórdão, o relator registrou que, diante da “preexistente copropriedade”, os autores não adquiriram seu direito “em decorrência do falecimento do pai”, mas por sucessão da mãe; por isso, “não se aplica o direito real de habitação” no contexto analisado.
Copropriedade e uso exclusivo: por que há aluguel a pagar
Embora a companheira tenha permanecido no imóvel após a morte do companheiro, a situação jurídica do bem já estava definida pela copropriedade.
Como os filhos são titulares de fração ideal do apartamento, a ocupação integral do espaço pela madrasta impede que eles utilizem o bem ou extraiam renda dele.Play Video
Nesses casos, a jurisprudência admite a indenização locatícia como forma de compensar os coproprietários pelo uso exclusivo por terceiro.
O colegiado fixou a obrigação de pagamento em 75% do valor de referência a ser apurado em liquidação.
Esse percentual, de acordo com a decisão, atende à proporcionalidade do caso e assegura compensação pelo período em que o imóvel é utilizado somente por uma das partes.
A definição do montante final ocorrerá no cumprimento de sentença, fase processual em que se calcula o valor devido conforme parâmetros de mercado e elementos do processo.
Linha do tempo do patrimônio familiar
A cronologia foi determinante para o desfecho. Primeiro ocorreu o falecimento da mãe dos autores, evento que levou à partilha e lhes garantiu 50% do imóvel.
Apenas depois se iniciou a união estável entre o pai e a companheira agora requerida.
Com isso, quando sobreveio a morte do pai, a companheira não podia invocar o direito real de habitação para neutralizar um direito de propriedade anterior e legítimo dos herdeiros.
Além dessa sequência, não há entre enteados e companheira sobrevivente parentesco que imponha deveres patrimoniais capazes de suplantar a copropriedade já constituída.
O tribunal, portanto, preservou a prioridade do título dominial dos filhos, afastando a possibilidade de ocupação gratuita do bem.
Julgamento unânime e composição da turma
A decisão foi tomada de forma unânime.
Acompanharam o voto do relator os desembargadores Silvério da Silva e Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, integrantes da 8ª câmara de Direito Privado.
Com o resultado, manteve-se a determinação para que a madrasta pague aluguel se optar por continuar residindo no apartamento da família.
Ainda que a obrigação esteja definida, o processo seguirá para a etapa de apuração do valor, quando serão considerados elementos objetivos para fixar a quantia mensal devida.
Até a conclusão dessa fase, prevalece o critério estabelecido no acórdão quanto ao percentual de 75%.
O que está no processo e onde localizar a decisão
O caso tramita sob o número 1012159-10.2014.8.26.0020 e teve origem na 4ª vara Cível do Foro Regional de Nossa Senhora do Ó, em São Paulo.
A peça decisória da segunda instância confirma a tese de que a copropriedade anterior inviabiliza o uso do direito de habitação pelo companheiro sobrevivente quando o falecido não era proprietário exclusivo do imóvel residencial.
O acórdão está vinculado ao recurso analisado pela 8ª câmara e pode ser consultado nos autos.
Impactos práticos para famílias recompostas
Embora a decisão diga respeito a um caso específico, ela reforça uma orientação de interesse em contextos de famílias recompostas.
Havendo copropriedade formada por herdeiros de relação anterior, a permanência do novo cônjuge ou companheiro no imóvel tende a exigir compensação aos demais titulares, salvo acordo entre as partes.
A solução judicial busca equilibrar o uso do bem com o direito de fruição de cada coproprietário, evitando que um deles suporte sozinho o ônus da ocupação exclusiva.
Esse parâmetro também funciona como sinalização preventiva: inventários e partilhas que consolidam copropriedades antes de novas uniões demandam atenção quanto ao uso do imóvel comum.
Sem consenso entre os condôminos, a alternativa costuma passar pela indenização, pela venda da coisa comum ou por ajustes que permitam uso alternado, medidas que dependem de negociação ou, na ausência dela, de decisão judicial.
O que ficou dito no voto
Ao resumir o cenário, o relator pontuou que a fração ideal dos autores foi assegurada “há muito por meio da sucessão de sua genitora”.
Destacou, ainda, a inexistência de afinidade jurídica obrigacional capaz de impor aos enteados o dever de garantir moradia gratuita à companheira sobrevivente.
Com base nesses elementos, concluiu pela inaplicabilidade do direito real de habitação e confirmou a necessidade de aluguel compensatório pelo uso exclusivo do apartamento.
Em contextos semelhantes, a solução adotada pelo tribunal tende a orientar acordos extrajudiciais, inclusive quanto à base de cálculo do aluguel e às condições de permanência do ocupante no imóvel.
Na ausência de consenso, a definição fica para o juízo responsável pela execução, que ajusta valores conforme as provas do caso.
Quais cuidados você considera essenciais para evitar conflitos patrimoniais quando há copropriedade entre herdeiros e o companheiro sobrevivente deseja seguir no imóvel?
FONTE: CLICK PETRÓLEO E GÁS