Decisão reconhece violação da Convenção 169 da OIT e obriga governo Zema a ouvir comunidades
O juiz federal substituto Marcelo Aguiar Machado, da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, suspendeu na terça-feira (7) a licença prévia do Rodoanel Metropolitano da capital mineira. A decisão impede o governo de Romeu Zema (Novo) e as empresas responsáveis pela obra de prosseguir com o licenciamento ambiental até que seja realizada a consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas afetadas, conforme determina a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A decisão recai sobre a Licença Prévia nº 405, emitida em fevereiro de 2025 pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). O magistrado destacou que o processo foi conduzido sem participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e sem a escuta das comunidades tradicionais, o que torna o licenciamento irregular.
Divergências e omissões do governo mineiro
Há divergências entre os órgãos públicos e as próprias comunidades sobre quantos grupos quilombolas seriam atingidos. O governo de Minas reconhece seis comunidades diretamente impactadas, enquanto a Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’Golo) identificou dez. Já a Prefeitura de Contagem aponta que 37 povos e comunidades tradicionais, entre quilombolas, povos de terreiro e agricultores familiares, seriam afetados.
O Incra reconhece seis comunidades diretamente atingidas: Arturos (Contagem), Pinhões e Manzo Kalungo (Santa Luzia), Família Araújo (Betim), Mangueiras (Belo Horizonte) e Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis (Ribeirão das Neves).
A ação civil pública foi proposta pela federação quilombola em 2022 e contou com a adesão do Município de Contagem. O processo já havia obtido decisão parcial favorável, que condicionava o licenciamento à consulta prévia, ignorada pelo governo estadual.
“Quilombolas não pediram essa estrada”, diz vereadora
A vereadora Moara Saboia (PT), de Contagem, que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, afirmou em artigo ao Brasil de Fato MG que as comunidades não foram ouvidas de forma adequada.
“Quilombolas, anciãos de saberes ancestrais, agricultores familiares e povos de terreiro não pediram essa estrada. Queriam ser ouvidos conforme estabelece a Convenção 169 da OIT”, denunciou a parlamentar.
“O governo Zema promoveu audiências genéricas, cheias de jargão técnico, inacessíveis a quem de fato será atingido”, esclareceu a vereadora à época.
Uma audiência pública, organizada pelo mandato de Moara Saboia, foi realizada em abril de 2025, em Contagem, e reuniu representantes de comunidades tradicionais, movimentos sociais e especialistas para denunciar o descumprimento da convenção internacional. Os presentes foram enfáticos ao rechaçar o projeto da forma como foi elaborado e sem a devida participação dos afetados.
Rodoanel ameaça territórios e mananciais
Com 100,6 quilômetros de extensão e investimento de R$ 5 bilhões, parte proveniente do acordo de reparação com a Vale após a tragédia de Brumadinho, o Rodoanel Metropolitano vem sendo questionado também por seus impactos socioambientais.
O traçado atravessa a Bacia Hidrográfica da Várzea das Flores, que abastece 12 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Além de colocar em risco o abastecimento de água, o projeto atinge territórios usados por 73 povos e comunidades tradicionais.
Entre os espaços ameaçados está o Ilé Ogodo Lomiwa, terreiro que abriga uma árvore de Irôko, símbolo sagrado das religiões de matriz africana. A comunidade alerta que a destruição da árvore representaria “matar a memória ancestral de cultos e consagrações”.
Constituição também foi desrespeitada
Além da violação à Convenção 169, a decisão judicial cita ofensa aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, que asseguram a proteção da cultura, da memória e das expressões religiosas dos povos brasileiros. O traçado atual, segundo as comunidades, contraria ainda o Plano Diretor de Contagem, que proíbe a abertura de estradas na região da bacia hidrográfica.
A suspensão da licença não anula o contrato com o consórcio vencedor da licitação, liderado pela empresa italiana INC S.p.A., mas impede qualquer avanço no licenciamento até que as consultas sejam feitas de forma legítima e participativa.
Próximos passos
A decisão da Justiça Federal reafirma o dever do Estado em garantir a participação efetiva das comunidades tradicionais nas decisões sobre grandes empreendimentos. O juiz ressaltou que o dever de consulta “não é mero requisito formal, mas instrumento essencial de diálogo e influência sobre políticas públicas”.
Editado por: Ana Carolina Vasconcelos
FONTE: BRASIL DE FATOS