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Minas registra 3 suicídios por dia; prevenção ainda é precária

Mais de 300 cidades não investiram em saúde mental em 2023, aponta estudo do TCE. Para especialistas, atenção pública é essencial para evitar mortes

Entre janeiro e agosto deste ano, 744 pessoas cometeram suicídio em Minas Gerais, segundo a Secretaria de Estado de Saúde do estado, uma média de três mortes por dia. O número representa uma queda de 37,9% em relação a igual período do ano passado, quando 1.199 tiraram a própria vida. Em todo o ano de 2024, foram 1.743 suicídios. O recuo, entretanto, ainda não pode ser considerado uma tendência, afirma especialista, ao lembrar que há uma defasagem entre o momento da morte, a confirmação da causa e seu lançamento na base de dados das autoridades públicas. Em outra ponta, levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE) detectou que 305 dos 853 municípios mineiros não fizeram investimentos em saúde mental, área diretamente ligada à prevenção do autoextermínio.

Humberto Corrêa da Silva Filho, professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente da Associação Latino-americana de Prevenção do Suicídio, ao explicar que essa avaliação depende da análise de dados no longo prazo e que somente será possível ter um panorama completo de 2025 quando o ano terminar e os dados estiverem completos.

“Esses dados vão sendo consolidados aos poucos, ninguém sabe exatamente quantos suicídios foram cometidos em setembro de 2025, por exemplo. Devagarinho os bancos de dados vão sendo alimentados e futuramente a gente vai ter um número real”, explica. O especialista aponta que as taxas de suicídio no Brasil aumentaram cerca de 40% nos últimos 20 anos, na contramão da tendência global, que mostra uma queda de cerca de 30% no mesmo período, fruto de estratégias públicas de prevenção adotadas por dezenas de países.

No início dos anos 2000, lembra Corrêa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) convidou os países-membros a estabelecerem suas estratégias nacionais de prevenção do suicídio. “O Brasil foi um dos signatários desse compromisso, mas nunca criou uma estratégia pública nesse sentido. Essa é, provavelmente, a principal explicação de as taxas no mundo caírem enquanto no Brasil elas continuam aumentando. Isso também é um marcador indireto de que o nosso sistema de atenção em saúde mental não está sendo efetivo e não está atendendo a população da forma como deveria”, analisa o psiquiatra.

Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, praticamente a totalidade dos casos de suicídio está relacionada às doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente, de modo que a prevenção das mortes está diretamente ligada ao acesso a tratamento psiquiátrico e informações de qualidade.


DESIGUALDADE NO INVESTIMENTO

Em Minas Gerais, a defasagem nos investimentos é explícita em mais de um terço dos municípios: 305 cidades não registraram nenhum gasto com ações de promoção da saúde mental em 2023, aponta o estudo “Setembro Amarelo: um panorama sobre a saúde mental nas microrregiões de Minas Gerais”, divulgado pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) no mês passado. O levantamento mostra também um aumento de 25% no número de casos de suicídio entre os anos de 2018 e 2023. Nesse período, 10.753 pessoas tiraram a própria vida em todo o estado.

“O Tribunal de Contas, apesar de efetivamente não executar essas políticas, tem a função de avaliar e monitorar a eficácia dessas políticas. A gente vê muitas políticas sendo implementadas sem embasamento, às vezes com viés político, quando o correto seria baseaá-las em dados”, explica Tatiana Hoshika, auditora de Controle Externo do TCE.

Quando analisado como um todo, Minas aumentou em 142% o investimento em ações de promoção da saúde mental, saltando de R$ 48,5 milhões em 2018 para R$ 117 milhões em 2023. Entretanto, ainda há uma grande disparidade entre as cidades.

Além dos 305 municípios sem nenhum investimento na área em 2023, há outros com aportes muito baixos. Bocaiúva foi a cidade que menos injetou recursos, com apenas R$ 2,6 mil, o que representa R$ 0,04 por morador. Entre os menores investimentos per capita está Pirapora, no Norte de Minas, que empenhou R$ 28 mil para ações voltadas para a saúde mental, ou seja R$ 0,18 por habitante.

Por outro lado, Belo Horizonte lidera os investimentos na prevenção ao suicídio, com R$ 27 milhões aplicados em 2023, o que representa aproximadamente R$ 11,70 por cidadão. Em segundo lugar aparece Barbacena, cidade do antigo Hospital Colônia, com R$ 16 milhões, e que hoje lidera o ranking de investimento per capita, com R$ 70,90 por habitante, seguida por Curvelo, (R$ 35 por pessoa e aporte total de R$ 5,5 milhões ) e São João del-Rei (R$ 29, per capita e R$ 5,7 milhões no total).

Para o psiquiatra Humberto Corrêa, essa falta de investimento perpetua o estigma das pessoas com doenças mentais e as afasta do tratamento adequado. “Uma coisa leva à outra, o estigma faz com que a sociedade não pressione o poder público a tomar medidas e o poder público, convenientemente, também não faz nada. Costumo dizer que os pacientes que têm doenças mentais, principalmente aqueles que têm doenças mentais graves, são hoje a parcela mais vulnerável porque não têm poder de disputa política. Nós, enquanto sociedade, é que temos que fazer isso por eles”, afirma.

Já o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems/MG) considera que o financiamento da Rede de Atenção Psicossocial é fundamental para que os municípios possam desenvolver as ações de promoção e prevenção em saúde mental, o que garante que os serviços estejam em bom funcionamento. Além disso, o Cosems/MG considera que os municípios têm fortalecido a saúde mental, uma vez que todos os 853 contam com atenção primária.


ALERTA ENTRE OS JOVENS

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 720 mil pessoas tiram a própria vida todo ano no mundo, sendo essa a terceira maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos. Segundo o TCE, a maior parte dos autoextermínios ocorrem entre homens, sendo, em média, sete em cada dez casos. Entretanto, a faixa etária acometida tem diminuído. Em 2018, a maior concentração de suicídios foi entre pessoas de 40 a 49 anos. Já em 2023, o grupo mais acometido foi o de 30 a 39 anos (13,92 por 100 mil habitantes), seguido pelos jovens de 20 a 29 anos (12,66).

Tatiana ainda aponta um aumento na taxa de suicídio entre os adolescentes e idosos. “O que me surpreendeu foi a taxa de suicídio em uma faixa etária tão baixa, o que mostra que o Estado poderia ter mais atenção às questões de bullying na escola, campanhas de conscientização entre adolescentes”, analisa.


SOCIEDADE EM CRISE

Dados preliminares de uma pesquisa nacional realizada este ano pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apontam que um em cada quatro entrevistados afirmaram ter tido pensamentos suicidas nos seis meses anteriores ao levantamento. Além disso, 25,2% dos participantes afirmaram “não se sentir bem” e 30,9% declararam estar tristes ou decepcionados, mas com esperança de melhorar.
Sobre a busca por ajuda, 54,1% responderam que sabiam onde buscar auxílio especializado e metade informaram que já foram atendidos por um psiquiatra ou psicólogo pelo menos uma vez na vida. Sobre o tipo de serviço, 50,9% responderam que, caso precisassem, buscariam atendimento particular, 33,8% procurariam o plano de saúde e 31,6% recorreriam ao SUS.


ACOLHIMENTO QUE SALVA

A campanha do Setembro Amarelo do Centro de Valorização da Vida (CVV) teve como tema “Conversar pode mudar vidas”, focando na importância da escuta e do acolhimento no processo de prevenção ao suicídio. Luiz Augusto, porta-voz do CVV em Belo Horizonte, conta que ao longo do último mês foram realizadas 21 atividades na região metropolitana, como palestras, rodas de conversa e seminários.

“A sociedade parece estar atenta para isso, nós percebemos que cada ano mais empresas se mobilizam para falar sobre o assunto. A gente torce para que a campanha de conscientização do Setembro Amarelo perdure por todo o ano e que todos estejam atentos a essa situação de saúde mental e de apoio emocional”, declara o porta-voz.

Luiz ainda explica que a procura pelo serviço de escuta aumenta durante a campanha, mas que outras datas, como Natal, Ano Novo e Dia das Mães e dos Pais também são datas em que o volume de ligações aumenta. “Essas datas comemorativas, nem todos estão felizes comemorando. Tem aqueles que tiveram perdas, que estão sozinhos e fazem contato com o CVV para conversar”, conta.


REDE DE ATENDIMENTO EM BH

Em Belo Horizonte, 86 pessoas cometeram suicídio em 2024. A Secretaria Municipal de Saúde informou ao Estado de Minas que trabalha na prevenção do suicídio por meio do acompanhamento dos pacientes, tratamento e identificação dos quadros psiquiátricos que levam ao maior risco ao longo de todo o ano.

Os centros de saúde são a porta de entrada para os serviços da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) na capital. Ali os cuidados são coordenados pelas equipes de Saúde da Família que acompanham os casos prioritários quando elas se encontram fora da urgência e crise.

Já os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam) são equipamentos destinados ao acolhimento em situações de crise e urgência, bem como ao acompanhamento de pessoas com sofrimento psíquico em quadros graves e persistentes. Em BH a Rede de Atenção Psicossocial é composta por 34 residências terapêuticas, 8 Consultórios na Rua, 2 Unidades de Acolhimento Transitório (Adulto e Infantojuvenil), além de 9 Centros de Convivência, 9 equipes complementares da infância e adolescência e todo o complexo de atendimento da atenção primária.

Informações, endereços e horário de funcionamento das unidades podem ser acessados no link: https://prefeitura. pbh.gov.br/saude/informacoes/atencao-a-saude/urgencia-e-emergencia/cersam-alcool-e-outras-drogas

FONTE: ESTADO DE MINAS

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