Em Congonhas, cresce um grupo de moradores que convive com medo, desvalorização de imóveis, perda de qualidade de vida e impactos sociais derivados das atividades minerárias e do risco associado às barragens — sem reconhecimento ou reparação adequada
Na Cidade dos Profetas, um alerta que ecoa longe dos cartões-postais. Conhecida mundialmente pelo patrimônio histórico do Aleijadinho, Congonhas, a Cidade dos Profetas, vive um capítulo pouco visível aos turistas, mas cada vez mais presente no cotidiano de seus moradores. Trata-se de um novo grupo social que emerge a partir de impactos urbanos, psicológicos e sociais associados às atividades minerárias e às estruturas de barragens próximas à área urbana: os chamados “atingidos invisíveis”.
Essas famílias não aparecem com frequência em estatísticas oficiais, tampouco são lembradas em debates sobre reparação ou políticas de mitigação de danos.
Mas a realidade que enfrentam é concreta e crescente. São moradores que, embora não tenham sido vítimas de um rompimento, convivem com desvalorização de imóveis, mudanças na rotina da cidade, alteração no acesso a serviços públicos essenciais e um estado permanente de apreensão.
O impacto que não aparece nos relatórios
O fenômeno descrito por especialistas como “impacto psicossocial decorrente do risco” tem ganhado atenção em estudos acadêmicos e em debates públicos sobre mineração em Minas Gerais. Em Congonhas, moradores relatam que o temor relacionado às estruturas de barragens, somado às transformações territoriais provocadas pela atividade minerária, tem gerado efeitos que vão muito além do campo econômico. “É um medo que a gente não escolheu sentir. Acordamos pensando no que pode acontecer. Isso desgasta a cabeça e o coração”, relata uma moradora de 34 anos, que vive próximo à área de influência das estruturas de mineração e preferiu não se identificar.
A ausência de reconhecimento formal como atingidos faz com que essas pessoas não tenham acesso a medidas de reparação, acompanhamento psicológico ou apoio governamental específico
Quando o medo passa a compor a rotina
Em regiões próximas às áreas de risco, moradores relatam que o medo, antes eventual, tornou-se parte da rotina — especialmente entre famílias com crianças. “Quando a sirene toca, mesmo que seja teste, o corpo não entende como teste. A gente abraça os filhos e corre. É automático”, afirma um pai de duas crianças, que explicou ter reorganizado a casa para que os quartos fiquem próximos à rota de saída.
Pesquisadores que analisam impactos de barragens no Brasil descrevem esse cenário como “violência lenta” ou “sofrimento difuso prolongado”, caracterizado por adoecimento emocional, desgaste familiar e sensação de vida suspensa. È a rotina afetada pela convivência diária com placas de “rota de fuga” e sinalizações de emergência.
Desvalorização e sensação de aprisionamento
Moradores também relatam que a desvalorização imobiliária nas áreas próximas ao risco e à atividade minerária criou um efeito adicional: a sensação de que estão impedidos de reconstruir a vida em outro local. “Eu tentei vender minha casa para sair daqui, mas ninguém quis comprar. A gente fica sem opção”, conta um morador que convive com essa dificuldade há mais de dois anos.
Esse fenômeno tem sido discutido em estudos e audiências públicas sobre cidades mineradoras, que apontam um paradoxo: embora a mineração mova a economia local, o desenvolvimento social não acompanha, e parte da população vivencia perda de qualidade de vida.
Um tema que exige reconhecimento e política pública
Organizações de direitos humanos e pesquisadores da área socioambiental têm chamado atenção para a necessidade de políticas públicas que incluam essas famílias nos debates sobre impacto e reparação, sobretudo em cidades onde a atividade minerária coexiste com áreas habitadas.
Entre os direitos apontados como afetados estão:
- direito à moradia digna
- direito à informação e à transparência
- direito ao planejamento urbano seguro
- direito ao desenvolvimento saudável da infância
- direito ao bem-estar psicológico
O fortalecimento de canais de escuta, participação comunitária e avaliação contínua dos riscos é considerado por especialistas como caminho essencial para reduzir tensões e ampliar a proteção social desses grupos.
Uma questão central para o futuro de Congonhas
O debate sobre os “atingidos invisíveis” abre uma reflexão mais ampla sobre o modelo de desenvolvimento urbano da Cidade dos Profetas. Até que ponto o avanço econômico pode coexistir com o bem-estar da população local? Como equilibrar a vocação minerária com a preservação da vida, da saúde, da infância e do patrimônio social?
A discussão não se trata de impedir o desenvolvimento da cidade, mas de assegurar que ele não ocorra às custas do bem-estar e da dignidade de parte da população.
Para esses moradores, o pedido é simples e legítimo: ser ouvidos, reconhecidos e considerados nas decisões que afetam sua vida cotidiana.



