Moradores preferem deixar a região a conviver com impactos da Sigma, que enfrenta dificuldades financeiras
Por Rafael Oliveira, José Cícero
No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, moradores de uma comunidade colada em uma mina de lítio, entre os municípios de Araçuaí e Itinga, temem que o teto caia sobre suas cabeças. Há semanas não se escuta o barulho da mineradora, mas a preocupação com as rachaduras das casas, causadas por anos de detonações, é maior do que o alívio momentâneo. Ninguém sabe o que vai acontecer daqui para frente.
Os representantes da empresa, que chegou ao Jequitinhonha prometendo mundos e fundos, disseram que as operações retornariam em novembro, mas o prazo não foi cumprido. Os impostos e royalties que viriam com a exploração do lítio, um dos chamados minerais críticos para a transição energética, secaram no último ano. Mesmo o aumento da oferta de empregos sofreu um revés: a Fagundes Construção e Mineração, empreiteira terceirizada, demitiu 500 funcionários e se retirou da operação minerária por falta de pagamento de um montante que chegaria a R$ 115 milhões.
A 1.800 km dali, em um evento paralelo à Conferência do Clima da ONU (COP30), em Belém (PA), a fundadora e CEO da Sigma Lithium, a maior produtora de lítio do Brasil, exalta a responsabilidade social da empresa, afirma ter a mina “mais sustentável do mundo” e diz que a chegada da companhia mudou a história da região, que “não tinha absolutamente nenhuma atividade econômica”.
POR QUE ISSO IMPORTA?
A exploração de lítio, mineral crítico para a transição energética, é vista como promissora para o Brasil. Mas a chegada de novas empresas da mineração no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, vendido em Nova York pelo governador Romeu Zema como “Vale do Lítio”, mostra impactos sociais e ambientais que os moradores têm enfrentado sozinhos e o descumprimento de promessas da principal mineradora, a Sigma Lithium. Além disso, revela os limites do mercado e da empresa, que está tendo dificuldades com a queda do preço do lítio, o que impacta também o caixa das prefeituras da região pela redução da arrecadação.
A contradição entre o que a Agência Pública viu e ouviu no Jequitinhonha nos cinco dias em que esteve na região e as promessas e afirmações da CEO Ana Cabral salta aos olhos.
Com ações negociadas nas bolsas de valores de Canadá, EUA e Brasil, a empresa vale mais de 1 bilhão de dólares – apesar de queda vertiginosa nos últimos anos –, aposta suas fichas em marketing e vende seu produto com “preço premium”, ancorada no discurso ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança). Além disso, conta com o apoio político do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que chegou a lançar nos Estados Unidos o projeto “Vale do Lítio”, em 2023, buscando atrair mineradoras para a região. O Jequitinhonha, historicamente habitado por comunidades tradicionais de agricultura familiar, é rico em cultura, artesanato e natureza, mas é também marcado pelo abandono do poder público e por índices socioeconômicos abaixo da média do estado.
Com a chegada da mineradora em 2012, a região viu a oferta de empregos aumentar e a economia se aquecer – ainda que em nível aquém ao esperado –, mas também passou a conviver com a poluição do ar, o barulho ensurdecedor, os danos às casas e ainda os aumentos nos preços, nos aluguéis e na demanda dos serviços de saúde.
Na comunidade de Piauí Poço Dantas, a mais afetada pela operação da Sigma, encontramos moradores decepcionados e sem esperança. Eles reclamam de problemas respiratórios, dificuldade para dormir, contaminação do ribeirão que dá nome ao local e afirmam preferir receber indenização para deixar a região a permanecer sujeitos aos impactos da Sigma.
“Esse povo veio pra cá, a gente estava de boa. Eles podiam ter deixado a gente quietinho, não precisavam ter judiado de nós. Eu não sou contra tirar o minério, mas eles podiam ter legalizado direitinho, ter afastado as pessoas daqui. Acabaram com a minha casa, mas eu não posso reclamar para eles, porque o dinheiro fala mais alto”, desabafa o aposentado Amilcar Viana, morador da região há décadas.
FONTE: PUBLICA





