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Restaurada, Igreja Barroca de Alto Maranhão deve ser reaberta em agosto

Congonhas – Os braços se abrem de satisfação, os olhos brilham e, num momento de contemplação,

poucas palavras resumem tanta alegria. Depois, de joelhos, o aposentado Francisco Pereira Trindade, de 68 anos, reverencia a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, marco religioso e cultural do distrito de Alto Maranhão, em Congonhas, na Região Central.

O aposentado Francisco Pereira Trindade, de 68 anos, abre os braços e reverencia e contempla igreja restaurada/Reprodução

Há pouco mais de oito anos, diante do templo barroco então escorado com madeira, conforme registrou o Estado de Minas, o sentimento do ex-coordenador do Conselho Comunitário de Pastoral era bem diferente: preocupação com a segurança dos fiéis, medo de desabamento da construção e tristeza com uma possível perda do monumento do século 18. Agora, com a restauração em fase final, Francisco é só elogios. “Melhorou muito, né? Está mais perto do original. A obra redescobriu as maravilhas de nossa igreja.”

Interditado em 2009 por questão de segurança, o templo tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) há 39 anos e distante sete quilômetros do Centro da cidade deverá reabrir as portas em agosto, antes do dia 15, quando milhares de pessoas participam da festa da padroeira. Desde aquele ano, ouviu-se um grande clamor dos moradores de Alto Maranhão para o início dos serviços, que foi executado numa parceria entre prefeitura local e Iepha ao custo de R$ 2 milhões.

Segundo o presidente do Conselho de Patrimônio de Congonhas, Maurício Geraldo Vieira, havia realmente risco de desabamento devido à movimentação das paredes. Para resolver os sérios problemas, a prefeitura, inicialmente, trocou toda a madeira do telhado, refazendo a cobertura, enquanto o Iepha se encarregou do trabalho da drenagem no entorno.

“A situação era de muita fragilidade. Mesmo com a execução dos serviços, o movimento das paredes continuou, exigindo estudos e diagnóstico feitos por especialistas. O laudo mostrou a falta de massa nas paredes e na base da igreja, o que demandou o preenchimento desses vazios com microcimento injetado em alta pressão”, afirma Maurício.

Na sequência, foram conduzidos os projetos de recuperação do piso, da parte elétrica, de luminotécnica e outro contra descargas elétricas. “Só está faltando o de pânico-incêndio, em fase de conclusão para ser encaminhado à aprovação dos bombeiros”, acrescenta.

Entusiasmado com o resultado, embora de olho em todos os detalhes, Francisco chama a atenção para dois pontos de infiltração que não foram resolvidos e também para a quantidade de morcegos que insistem em visitar a nave. Maurício explica que, antes da entrega do prédio à comunidade, será passado um pente-fino no interior da igreja, de forma a deixar tudo perfeito. Francisco faz questão de destacar o trabalho do Ministério Público, por meio dos promotores de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, Vinícius Alcântara Galvão e Karina Arca, na investigação das causas de abalo e trincas na igreja, creditados, em 2009, a explosões numa mineradora, o que foi descartado.

Durante anos a sorte esteve ao lado da igreja que se manteve em pé com escoras/Reprodução

FORRO Enquanto o trabalho de engenharia era realizado, a equipe de uma empresa de conservação e restauro contratada pelo Iepha se ocupou da recuperação do forro, transformando o consistório (sala de reuniões) da igreja em ateliê. Também conforme documentou o EM, estavam ali 21 peças ou caixotões, medindo 103cm x 84cm, com pinturas representando a Ladainha de Nossa Senhora; depois, mais três foram recuperados na sede do Iepha em BH incluídos no conjunto de 25 caixotões. Apenas um não foi recolocado, devido à perda avançada na policromia e, por isso, os restauradores optaram por deixar o espaço com a madeira nua.

Olhando o forro, Francisco se recorda do dia em que um ornamento de madeira se desprendeu e só não foi ao chão porque ficou seguro pela mão de um anjo de trombeta e da primeira reunião comunitária, em 2008, pedindo socorro. “Estava tudo comido de cupim.” Ao lado, a pesquisadora e estudante da história da arte, Maria da Paz Pinto, também natural do distrito de Alto Maranhão e mergulhada em levantamentos históricos sobre o templo, ressalta a importância dele para a comunidade.

“Aqui há uma grande devoção a Nossa Senhora da Ajuda, e não uma simples tradição. Esta igreja é muito preciosa no conjunto da arquitetura colonial religiosa mineira”, observa a pesquisadora, envolvida num documentário sobre o distrito e seu monumento principal. “Este lugar é muito antigo, um dos primeiros arraiais de Minas. Um mapa de 1717 já mostrava o local, que tinha o nome de Redondo.”

MEMORIAL Maria da Paz adianta que um dos objetivos da comunidade é criar um memorial no espaço do consistório, com exposição de oratórios, casulas (vestimenta sacerdotal), alfaias (paramentos e adornos de igreja), ex-votos (objeto para reconhecimento de graça alcançada), como quadros – “já temos dois, datados de 1746 e 1757” – e outras peças que pertenceram às irmandades religiosas. Num canto, a pesquisadora mostra um arcaz (móvel com gavetões), que será restaurado. “O patrimônio mineiro é precioso. “Minas consagrou o Brasil na história da arte sacra”, resume, destacando o empenho na empreitada do titular da paróquia de São José Operário, padre Eduardo Bastos.

Congonhas recupera mais uma igreja de seu patrimônio e é citada como exemplo em preservação cultural/Reprodução

Filha da organista Maria Lina de Rezende, que tocava na igreja na década de 1930, e irmã de Maria da Paz, a ministra da eucaristia Maria da Ajuda Pinto Gomes, de 69, conta que recebeu este nome em homenagem à padroeira de Alto Maranhão. “Alcancei muitas graças”, destaca a devota, que não esconde a vontade de ver, o mais rápido possível, a igreja cheia de gente, principalmente nos domingos. Enquanto esse grande dia não chega, os católicos assistem às missas e participam das demais celebrações em um salão do lado da igreja, que é vinculada à Paróquia de São José Operário. Na mesa do altar da igreja, as irmãs mostram a imagem do Cristo Crucificado, que tem articulação nos braços e pode ser visto após a retirada de duas portinholas.

O prefeito de Congonhas, José de Freitas Cordeiro (Zelinho), se declara emocionado “por estarmos perto do dia da reabertura da igreja, que compõe nosso rico patrimônio artístico, histórico e arquitetônico e que tem grande importância devocional”. E mais: “A localidade merece atenção por ser cortada pelo Caminho Velho da Estrada Real”. Já a diretora de Proteção e Memória do Iepha, Françoise Jean de Oliveira Souza, explica que o templo erguido em meados do século 18 é um importante exemplar remanescente da arquitetura religiosa do período colonial. “A edificação apresenta, interna e externamente, os elementos típicos dos templos mineiros setecentistas. Além disto, a capela corresponde a um importante registro histórico do período da exploração do ouro em Minas. Implantada em posição privilegiada, situa-se em um platô de onde se tem uma bela visão da paisagem local, integrando-se harmoniosamente a seu entorno, que guarda características arquitetônicas dos arraiais de mineração”.

O sexo dos anjos

Um detalhe curioso chama a atenção nos altares laterais e colaterais da Igreja Nossa Senhora da Ajuda, no distrito de Alto Maranhão, em Congonhas. Os famosos anjinhos barrocos têm genitália, contrariando o ditado de que eles não têm sexo. Algumas esculturas são femininas, outras, masculinas (foto), embora a parte íntima de um deles (de madeira) tenha sido quebrada. “São chamados de anjos atlantes ou simplesmente atlantes, pois sustentam as colunas. Não é muito comum ver dessa forma nas igrejas mineiras”, observa o diretor de Patrimônio de Congonhas, Luciomar Sebastião de Jesus. Triste é que as imagens dos altares foram roubadas há muitos anos e não recuperadas: Santo Antônio, Nossa Senhora do Rosário, Santana Mestra, São Benedito, Santa Efigênia e São Domingos. No altar-mor, fica a réplica da padroeira e a original, muito bem guardada.

Fonte: Estado de Minas

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