No Dia da Independência, país somará 13,3 milhões de infectados pela doença e cerca de 390 mil mortos em 2021
O Brasil ciclotímico tem alternado expectativas de alegria e tristeza quanto ao futuro da pandemia. A boa notícia da semana é que a média de casos e de óbitos da covid-19 continua caindo em todo o território nacional e encontra-se abaixo das menores marcas do ano. A má notícia é que o país terá, de 01 de janeiro de 2021 até o Dia da Independência (07/09), o dobro das mortes em relação ao montante do ano passado.
O Brasil registrou 7,7 milhões de pessoas infectadas pelo novo coronavírus e 194,9 mil vidas perdidas no dia 31 de dezembro de 2020, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas em 2021, em pouco mais de oito meses (até o próximo 7 de setembro), o país somará algo em torno de 13,3 milhões de pessoas com testes positivos da covid-19 e cerca de 390 mil vítimas fatais. Ou seja, em um espaço de tempo mais curto, o Brasil já acumula no corrente ano números bem superiores aos de todo o ano de 2020. Até o final de setembro, o Brasil deve acumular 400 mil mortes pela covid-19 somente em 2021, se aproximando de 600 mil vidas perdidas desde o início da pandemia.
Entre todas as nações do mundo, o Brasil é o país com maior número de mortes da covid-19 de 01 de janeiro a 03 de setembro de 2021. O gráfico abaixo do Our World in Data mostra os 3 países com maiores perdas de vidas para a pandemia no corrente ano. O Brasil registrou o montante de 388 mil óbitos até 03/09. Os Estados Unidos, que havia sido ultrapassado pelo gigante do sul asiático, voltou a ocupar o segundo lugar em vidas perdidas em 2021, com 295 mil óbitos. A Índia, em terceiro lugar, acumulou 290 mil vítimas fatais nos primeiros 246 dias de 2021. Para se ter a dimensão da tragédia provocada pela pandemia, o Brasil registrou 1,1 morte por minuto e os EUA e a Índia registraram 0,8 morte por minuto dia após dia de 01/01 a 03/09/2021.
O gráfico abaixo mostra as cerca de 380 mil mortes da covid do Brasil, de 01 de janeiro a 03 de setembro de 2021, distribuídas por sexo e idade. Nota-se que 56% dos óbitos são masculinos e 44% são femininos. Em termos etários, 36% dos óbitos são de pessoas abaixo de 60 anos e 64% de idosos de 60 anos e mais de idade. No mês de junho de 2021 houve mais mortes de não idosos, como mostramos no Diário da Covid-19 “Junho com mais vacinas e menos mortes de idosos” (Alves, 04/07/2021). Mas no mês de agosto a maior parte das mortes voltou a se deslocar para o grupo de idosos.
A tabela abaixo mostra que o mundo chegou a quase 220 milhões de habitantes infectados pelo SARS-CoV-2, com 4,56 milhões de vidas perdidas, com coeficiente de incidência de 27,9 mil casos por milhão, coeficiente de mortalidade de 578 óbitos por milhão e taxa de letalidade de 2,1%.
O Brasil, com 2,7% da população mundial, tem 9,5% dos casos globais da covid-19 e 12,8% dos óbitos globais. Consequentemente, possui coeficientes de incidência (97,8 mil casos por milhão) e de mortalidade (2,7 mil óbitos por milhão) bem acima da média mundial. A taxa de letalidade no mundo é de 2,1% e no Brasil de 2,8% de óbitos em relação aos casos.
Com coeficientes de incidência acima da média nacional estão as regiões Sul (132,8 mil casos por milhão) e Centro-Oeste (131 mil casos por milhão). As regiões Sudeste e Norte possuem coeficientes na casa de 90 mil casos por milhão e a região Nordeste possui o menor coeficiente de incidência com 82,3 mil casos por milhão. Em relação ao coeficiente de mortalidade, os maiores valores estão nas regiões Sudeste e Centro-Oeste com mais de 3 mil óbitos por milhão. As regiões Norte e Sul estão em posições intermediárias e o Nordeste com o menor coeficiente, com 2 mil óbitos por milhão de habitantes. A maior taxa de letalidade está na região Sudeste e a menor, na região Sul.
Entre as Unidades da Federação (UF), Roraima (RR) possui o maior coeficiente de incidência, com 190 mil casos por milhão (cerca de 1 pessoa infectada para cada 5 habitantes). Em seguida aparecem Santa Catarina (SC) e Distrito Federal (DF) com mais de 150 mil casos por milhão. Os menores coeficientes estão no Maranhão (MA), com 49 mil casos por milhão, e no Rio de Janeiro (RJ), em Pernambuco (PE) e no Pará (PA) com cerca de 65 mil casos por milhão de habitantes.
Em termos de coeficiente de mortalidade, as UFs com os maiores valores são Mato Grosso (MT), com 3,7 mil óbitos por milhão; Rio de Janeiro, com 3,6 mil óbitos por milhão, e Roraima (RO), com 3,57 mil óbitos por milhão. Os menores coeficientes estão em 3 UFs do Nordeste: Maranhão com 1,4 mil óbitos por milhão, Bahia (BA) com 1,77 óbitos por milhão e Alagoas (AL) com 1,8 mil óbitos por milhão.
As incertezas do 7 de setembro
No dia 07 de setembro de 2021 o Brasil vai chegar aos 199 anos da separação política entre a Colônia e Portugal e começará a contagem regressiva para a comemoração dos 200 anos do grito “Independência ou morte”. Mas existem muitas incertezas quanto ao futuro imediato da nação brasileira.
A primeira incerteza é sobre a possibilidade de controle das infecções e das mortes da pandemia. Os últimos números são animadores, pois a quantidade de casos e de óbitos da covid-19 têm caído consistentemente e a média móvel atual é a mais baixa do ano. O Brasil já aplicou mais de 200 milhões de doses, com 31% da população totalmente imunizada. Porém, se o processo de vacinação é essencial para controlar a pandemia, as vacinas não são uma bala de prata.
Países com taxas de vacinação superiores às brasileiras não conseguiram evitar novos surtos da doença. Por exemplo, Israel possui taxas de vacinação completa mais do dobro do nível brasileiro e, assim mesmo, tem apresentado coeficientes de incidência e de mortalidade diários acima dos coeficientes brasileiros. Portanto, o Brasil venceu uma batalha, mas não venceu a guerra. Além do mais, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suspendeu o uso de mais de 12 milhões de doses da vacina CoronaVac, que passaram por processos de produção em uma fábrica na China, que não foi inspecionada pela Anvisa. Enquanto isto a Fiocruz suspendeu a entrega da vacina AstraZeneca por atrasos na chegada da matéria-prima importada. Há dúvidas sobre a capacidade do país acelerar o plano de imunização no restante do ano e sobre a plena efetividade das vacinas para erradicar definitivamente as infecções e as mortes da covid-19.
A segunda incerteza está relacionada à retomada da economia e à geração de emprego. O IBGE divulgou os dados do Produto Interno Bruto (PIB), no segundo trimestre de 2021, com queda de 0,1%, na comparação com os primeiros três meses do ano, jogando água fria nas expectativas de acelerada recuperação da economia em 2021. O IBGE também divulgou os dados do mercado de trabalho e, embora as taxas de desocupação e de subutilização da força de trabalho tenham diminuído, ainda existem 14,4 milhões de pessoas procurando trabalho e um total de 32,2 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas.
Há pelo menos 10 fatores que podem frustrar o crescimento do PIB: baixas taxas de ocupação; inflação em alta; juros mais caros; desequilíbrios nas contas públicas; crise institucional e confronto político; confusão nas reformas políticas; falta de insumos para a retomada das atividades produtivas; cenário global menos favorável; crise hídrica, e crise energética. Os manifestos assinados na última semana por importantes atores produtivos – entidades do agronegócio, da indústria e do mercado financeiro – são indicadores de que está havendo um “desembarque” de grande parte da elite econômica da base de apoio do governo Bolsonaro.
A terceira incerteza é sobre a situação política. No Diário da Covid-19 “Pandemia arrefece, mas Brasil vive clima de guerra civil” (Alves, 11/07/2021) comentei que o Brasil nunca esteve tão divido e confrontado, dizendo: “Há uma polarização econômica, política e cultural e a pandemia só agravou a situação. A renda per capita regrediu na última década, com desindustrialização, reprimarização da economia e uma especialização regressiva na estrutura produtiva, assim como um rebaixamento na pauta de exportações. O agravamento das desigualdades sociais tem minado a democracia, e o conflito entre as instituições ameaça o Estado de Direito. O país do futuro está preso no passado. O Brasil atual é uma nação dividida. A ameaça de golpe está permanentemente poluindo o ar, gerando incertezas e dificultando o livre debate e o saudável embate democrático. Existe um fosso entre a sociedade civil e o poder político situado no Palácio do Planalto. As denúncias de corrupção na compra de vacinas e de equipamentos de proteção só agravam a situação”.
Às vésperas das manifestações do 7 de Setembro, no dia 04 de setembro de 2021, em Caruaru (PE), o presidente Jair Bolsonaro repetiu as ameaças ao Estado de Direito falando em uma “ruptura que nem eu nem o povo deseja”, ao mesmo tempo em que afirmou que ministros do Supremo Tribunal Federal sejam “enquadrados” pela população. Bolsonaro defendeu que policiais militares possam comparecer aos atos marcados para 7 de setembro e criticou as punições planejadas pelos governadores. Em Brasília, mesmo após o 7 de setembro, a tensão deverá permanecer, pois os bolsonaristas pretendem acampar na cidade, num ponto não muito distante de onde estão concentradas lideranças indígenas que pressionam o STF contra a criação do marco temporal de demarcações de terras.
Mas por maiores que sejam os atos convocados por Bolsonaro e contra Bolsonaro no dia 7 de Setembro, o país vai acordar no dia seguinte com os mesmos e inadiáveis problemas: a confrontação política, o baixo crescimento econômico, as tímidas taxas de ocupação, a crise fiscal e inflacionária, o aumento da pobreza e da fome, os reservatórios vazios, a crise energética e a possibilidade de apagão, os problemas ambientais na Amazônia, Pantanal e outros biomas, a disputa institucional e, além de tudo, a variante delta que pode insuflar uma terceira onda pandêmica. A única certeza é que, até o final de 2022, deve haver momentos de maior tumulto do que ocasiões de maior tranquilidade.
FONTE PROJETO COLABORA