Materiais consumidos pela humanidade passam de 100 bilhões de toneladas anuais, mas só 8,6% são novamente aproveitados
A ciência do clima alerta que o aquecimento do planeta no século deve ficar limitado a 1,5 ou até 2 graus centígrados sobre as temperaturas pré-revolução industrial. Será o único modo de conter desastres naturais de proporções enormes.
Mas grande parte dos cientistas acredita que este limite não será viável. Parte da saída será a reciclagem e o reuso de bilhões de toneladas de recursos utilizadas pela economia mundial. E hoje apenas um 8,6% das cerca de 100 bilhões de toneladas de materiais – incluindo minerais, metais, combustíveis fósseis e biomassa – são novamente aproveitáveis. Os dados são da Circle Economy, uma empresa social baseada em Amsterdã.
O relatório revela que os recursos que entraram na economia global aumentaram em 8.4% em dois anos – de 92.8 bilhões de toneladas em 2015 para 100.6 bilhões em 2017, último ano para o qual há dados disponíveis. A maior parte deles – 40% – foi para habitação, Outras categorias importantes incluem alimentos, saúde, comunicações e bens de consumo como roupas e móveis. E a taxa de reaproveitamento caiu 9,1%.
O trabalho, divulgado no final de janeiro, diz que 62% das emissões de gases de efeito estufa, excluindo uso da terra, são liberadas durante a extração, processamento e fabricação de bens. Para enfrentar a mudança do clima, as políticas governamentais até o momento focaram na adoção de energias renováveis, melhorando a eficiência energética e brecando o desflorestamento, afirma o documento,
Não é o bastante. A quantidade de uso de materiais no mundo triplicou desde 1970, e pode dobrar até 2050 se outras ações não forem incluídas nestas políticas. Para reduzir as emissões, as economias têm de se tornar “circulares”, ou seja, reusando produtos.
A tarefa é difícil. Envolve mudanças de hábitos de empresas e consumidores, e o convencimento dos países para que adotem as regulações adequadas. Isto, porém, pode ser feito.
Na Ásia, economias de rápido crescimento e urbanização estão fazendo grandes investimentos em construção e infraestrutura, oferecendo oportunidades de promoção de uma economia circular. No caso da Europa, diz o relatório, é preciso que os países maximizem as construções existentes para estender sua vida útil e impulsionar a eficiência energética, encontrando novos usos para os materiais.
Existem três estratégias amplas para a mudança para uma economia circular. O uso de produtos tem de ser mais racional, como por exemplo a partilha de carro ou a manutenção de veículos para que durem mais. A reciclagem e a redução do descarte de materiais são também chaves, assim como a utilização de materiais naturais e de baixo carbono em construção, como o uso de bambu e madeira em vez de cimento,
Os governos devem adotar taxações e planejamento de gastos que encorajem a economia circular, aumentando impostos sobre emissões e produção excessiva de lixo na produção, e os diminuindo no caso de mão-de-obra e inovação. Finalmente, devem ser abolidos incentivos financeiros ao uso em excesso de recursos naturais, como combustíveis fósseis.
Carolina Schmidt, ministra do meio ambiente do Chile, acredita que os relatórios de circularidade têm sido muito úteis, por revelarem a preocupante tendência dos anos passados: “São um alerta para todos os governos. Temos de usar todo tipo de políticas para catalisar uma transformação”, disse ela.
A maioria dos produtos não é planejado para o reuso e não há centros de reciclagem suficientes para reprocessar materiais ao fim de suas vidas úteis. As taxas de reciclagem estão melhorando e trazendo materiais de mais alta qualidade, mas isto está longe do ideal para alimentar o crescimento econômico com segurança.
Em 2021, a humanidade excedeu sua cota anual de recursos regeneráveis em 29 de julho, três semanas antes do que em 2020. Seriam necessárias 1,7 Terras para satisfazer nossas necessidades de consumo.
Após um adiamento temporário devido à pandemia em 2020 – quando o Dia da Sobrecarga da Terra foi em 22 de agosto – em 2021 a data em que a humanidade esgotou todos os recursos biológicos que a Terra regenera ao longo de um ano acontece três semanas antes, neste 29 de julho. No Brasil, a cota foi esgotada dois dias antes, em 27 de julho.
“Apesar de nos restar quase meio ano, já esgotamos nossa cota de recursos biológicos para 2021”, advertiu Susan Aitken, líder do Conselho Municipal de Glasgow, onde lideranças mundiais se reunirão em novembro para a cúpula climática COP26. “Se precisamos lembrar que estamos sob uma emergência climática e ecológica, o Dia da Sobrecarga da Terra é a ocasião para isso”, lembrou.
Como grande parte do mundo estava vivendo sob lockdowns impostos devido ao coronavírus no ano passado, o Dia da Sobrecarga aconteceu quase um mês depois do recorde de 2018, quando foi em 25 de julho.
Mas mesmo que as emissões de carbono causadas por viagens aéreas e transporte rodoviário ainda estejam abaixo dos altos índices de 2019, a economia global em ascensão está empurrando as emissões e o consumo de volta para cima.
“Em vez de reconhecer isto como oportunidade para recomeçar, os governos estão ansiosos para voltar a fazer negócios como de costume. As emissões globais já estão voltando aos níveis pré-pandêmicos”, alertou Stephanie Feldstein, diretora de população e sustentabilidade do Centro de Diversidade Biológica (CBD, do nome em inglês), um grupo ambiental baseado nos Estados Unidos.
Em um e-mail para a DW, ela apontou que, apesar da menor movimentação no ano passado, os gases de efeito estufa diminuíram 6,4% em 2020 – uma queda substancial, que representa cerca de duas vezes as emissões anuais do Japão, mas não o suficiente para mudar a situação.
“Perdemos oportunidades quando fundos de resgate foram dados a grandes poluidores climáticos, como a aviação e a indústria da carne, sem nenhuma exigência de recuperação verde”, disse Feldstein. “E continuamos a perder oportunidades todos os dias em que as autoridades se recusam a reconhecer as crises climáticas e de extinção como emergências – assim como a pandemia.”
Como é estipulada a data
O Dia da Sobrecarga da Terra existe desde 2006. A Global Footprint Network (GFN), organização de pesquisa que apresenta a data a cada ano junto com o grupo ambiental WWF, compara o cálculo a um extrato bancário que rastreia receitas em relação aos gastos. Ele considera milhares de dados da ONU sobre recursos como florestas biologicamente produtivas, pastagens, terras de cultivo, áreas de pesca e áreas urbanas. Esse cálculo é então medido em relação à demanda desses recursos naturais, entre eles alimentos de origem vegetal, madeira, gado, peixe e a capacidade das florestas de absorver emissões de dióxido de carbono.
Hoje, a humanidade consome 74% a mais do que o que os ecossistemas globais podem regenerar. Para continuar vivendo nos padrões atuais, precisaríamos dos recursos de cerca de 1,7 planetas. E isso não parece mudar tão cedo. De acordo com a Agência Internacional de Energia, as emissões de CO2 relacionadas à energia — particularmente combustíveis fósseis como o carvão — deverão crescer 4,8% este ano sobre os níveis de 2020.
Impulsionar a bioeconomia
Feldstein, no entanto, vê algumas razões para ser otimista. “Os sinais mais esperançosos estão vindo de comunidades ao redor do mundo que estão levando a crise climática a sério, repensando o consumo e o crescimento, e integrando a equidade e a proteção ambiental em suas políticas”, salientou.
Entre elas estão comunidades que buscam explorar a bioeconomia, trocando uma economia baseada em combustíveis fósseis por uma “de base biológica ou de base renovável”, ao mesmo tempo em que enfrenta os desafios da sociedade, conforme delineado em um relatório de dezembro de 2019 do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI).
Rocio Diaz-Chavez, vice-diretora do SEI África, em Nairóbi, no Quênia, e autora do relatório, disse que a mudança para uma bioeconomia pode ajudar a preservar os recursos naturais para as gerações futuras, enquanto trabalha para criar indústrias sustentáveis. Ela destacou grupos regionais, como a Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe, ou BioInnovate Africa, no Quênia, organizações que estão trabalhando para promover a bioeconomia e o desenvolvimento sustentável em suas regiões.
Diaz-Chavez disse à DW que a pandemia poderia ser a oportunidade para estas regiões explorarem alternativas à economia tradicional que “contribuiriam para a criação de empregos e melhorariam a subsistência, ao produzir alternativas aos produtos de combustíveis fósseis”.
Um exemplo: reduzir a dependência do Sul Global de pesticidas e fertilizantes derivados de combustíveis fósseis importados do exterior em favor de biofertilizantes produzidos localmente. “Isto teria uma série de contribuições para a saúde humana e para o meio ambiente”, assinalou, acrescentando que esta mudança também poderia ajudar a desenvolver cadeias alternativas de fornecimento para outros produtos sustentáveis.
Ela enfatizou, no entanto, que o desenvolvimento da bioeconomia depende da existência da infraestrutura necessária ou da melhoria das cadeias de abastecimento para apoiar e comercializar tais produtos, especialmente na África subsaariana.
Em busca de soluções
A “ecologização” de nossas economias não é a única maneira de nos trazer de volta ao equilíbrio com a Terra. Em seu site, sob o lema #MoveTheDate (mude a data), a Global Footprint Network destaca outras formas de aproximar essa data de 31 de dezembro.
Reflorestar uma área do tamanho da Índia, por exemplo, adiaria a data em oito dias, de acordo com a GFN. Reformas de edifícios e indústrias com tecnologias para economizar energia, como atualizações de sistemas, controles de conservação de água, sensores que controlam a iluminação com precisão, a temperatura e a qualidade do ar, atrasariam a data em 21 dias.
Os alimentos são outra área importante — segundo a GFN, metade da biocapacidade da Terra é usada apenas para nos manter alimentados. Mas muito desse alimento é perdido devido a ineficiências durante o processo de produção, ou desperdício. Estima-se que 30% a 40% dos alimentos nos EUA acabem em aterros sanitários a cada ano.
Eliminando a perda e o desperdício de alimentos, reduzindo o consumo de carne e escolhendo alimentos cultivados com práticas agrícolas mais sustentáveis e menos dependentes de combustíveis fósseis, outro mês poderia ser adicionado à conta de biocapacidade da Terra. Mudar para dietas mais baseadas em vegetais, por exemplo, poderia ajudar a reduzir as emissões relacionadas aos alimentos em até 70% até 2050, de acordo com um recente relatório preliminar divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
“Enquanto precisamos fazer a transição da agricultura industrial como um todo, não podemos resolver este problema simplesmente ajustando a forma como os alimentos são produzidos — devemos mudar o que é produzido”, disse Feldstein, acrescentando que, enquanto os combustíveis fósseis são responsáveis por mais emissões em geral, a produção de carne e laticínios também é uma das principais causas da perda de habitats pelo mundo. “Os governos podem acelerar esta mudança, ao apoiar a agricultura e dietas baseadas em vegetais, e acabando com os subsídios para carne e laticínios”.
FONTE DW.COM
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