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Diário da Covid-19: A Olimpíada do vírus e os cenários para o fim da pandemia

Cerca de quatro bilhões de pessoas já foram vacinadas no mundo, mas OMS não descarta uma quarta onda da doença

A covid-19 impediu a realização da Olimpíada em 2020, mas não inviabilizou a abertura dos Jogos de Tóquio no dia 23 de julho de 2021. Desde o final do século XIX, as Olimpíadas modernas são realizadas, em geral de 4 em 4 anos, mas foram canceladas em 1916 e 1940 por conta, respectivamente, das duas Grandes Guerras. Em 125 anos, houve boicotes, atentados, manifestações de racismo e xenofobia, escândalos de doping e campanhas de cancelamento, mas até mesmo a pandemia de influenza não inviabilizou os Jogos de Antuérpia em 1920.

A emergência sanitária atrapalhou, mas não impediu o início das competições esportivas, embora sem a plena vivacidade das cores das manifestações multiculturais que costumam ocorrer na alegre e saudável interação das delegações de todos os países do mundo. Decerto, o congraçamento dos atletas e das nações ficou prejudicado pela presença de um vírus microscópico que insiste em estragar a festa.

Todavia, a Olimpíada de Tóquio vai testar os limites da volta à normalidade (embora o que se considera normal tenha se tornado uma coisa muito relativa). Obviamente, cancelar os Jogos Olímpicos traria um grande prejuízo para toda uma geração de atletas que se preparou para as competições, assim como geraria enormes prejuízos financeiros para o Japão que investiu na infraestrutura do evento esportivo e para as empresas que investiram nas diversas etapas da preparação dos jogos. Mesmo com a falta de grande público nos estádios e a implementação de medidas de prevenção, vivemos na “Sociedade do Espetáculo” e o show não pode parar.

O processo global de imunização avança e cerca de 4 bilhões de pessoas já tomaram pelo menos uma dose de alguma vacina contra o SARS-CoV-2. Mesmo assim, a Organização Mundial da Saúde alerta para a possibilidade de uma quarta onda global da pandemia. O 3º pico mundial de casos e de óbitos ocorreu na segunda quinzena de abril de 2021. Os números caíram em maio e junho, mas voltaram a subir em julho, conquanto, em menor proporção do que nos dois picos anteriores, como mostra o gráfico abaixo com dados da Universidade Johns Hopkins.

A média de casos está subindo no mundo, no Japão e no Brasil neste final de julho de 2021. No dia 23/07 a média mundial foi de 67 casos por milhão de habitantes, sendo 218 casos por milhão no Brasil e somente 31 casos por milhão no Japão, conforme mostra o gráfico abaixo. Em números absolutos, o mundo tem média de 520 mil casos; o Brasil, 46,3 mil casos, e o Japão, 3,9 mil casos diários.

A média de óbitos está estabilizada ou caindo, conforme mostra o gráfico abaixo. No dia 23/07 a média mundial foi de 1,2 óbito por milhão de habitantes, sendo 5,3 óbitos por milhão no Brasil e somente 0,1 óbito por milhão no Japão. Em números absolutos, o mundo tem média de 9,5 mil óbitos, o Brasil 1.135 óbitos e o Japão 11,8 óbitos diários.

O Brasil sediou a 47ª edição da Copa América entre os dias 11 de junho e 10 de julho de 2021, quando o país tinha uma média diária de cerca de 60 mil casos e uma média de mortes de cerca de 1.700 óbitos. O Japão está organizando a 32ª edição das Olimpíadas modernas, na cidade de Tóquio, entre os dias 23 de julho e 8 de agosto de 2021, e na abertura dos jogos o país apresentou uma média diária de cerca de 4 mil casos e uma média de 13 óbitos diários.

Portanto, o risco de organizar o grande evento esportivo no Japão é muito menor do que o risco da organização da Copa América no Brasil. No dia 24/07, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou um total acumulado de 19,67 milhões de casos, com um coeficiente de incidência de 93,6 mil casos por milhão de habitantes, e um total de mortes de 549,5 mil óbitos, com coeficiente de mortalidade de 2,6 mil óbitos por milhão de habitantes. Na mesma data, o Japão registrou um total de 862 mil casos e de 15,1 mil óbitos com coeficientes de 6,8 mil casos por milhão e de 120 óbitos por milhão.

Se o Brasil tivesse os mesmos coeficientes do Japão teria somente 1,45 milhão de casos e 25,4 mil óbitos. Ou seja, no padrão japonês de combate à covid-19, o Brasil poderia ter evitado mais de 18 milhões de pessoas infectadas e poderia ter salvo cerca de 520 mil pessoas que perderam a vida no território brasileiro em decorrência de incompetência das políticas públicas de saúde, da corrupção, de posturas negacionistas e da falta de determinação no controle da pandemia.

Exatamente por ter a pandemia relativamente sob controle, o Japão decidiu realizar os Jogos Olímpicos de Tóquio no verão de 2021. Evidentemente, a realização da Olimpíada vai implicar no aumento da morbimortalidade. Sem embargo, existe um “trade off” entre realizar atividades sociais e esportivas e a preservação da saúde e da vida. Parece que as autoridades japonesas e o Comitê Olímpico Internacional resolveram correr um risco calculado. Não é uma decisão simples, pois existem muitos interesses em questão. O fato é que o mundo precisa reavaliar a filosofia básica destes grandes eventos que, em geral, tendem a dar mais destaque para a competição individual e nacional do que para a colaboração, a fraternidade e a solidariedade.

Zero covid ou baixa covid?

Assim como os japoneses tiveram de decidir sobre a realização dos Jogos de Tóquio, o mundo está diante do dilema de eliminar ou conviver com a covid-19. A revista The Economist publicou um relatório, no dia 22 de julho, por um lado, elogiando alguns países asiáticos que estabeleceram uma política de “Zero covid” e conseguiram salvar muitas vidas, além de obter grandes benefícios econômicos com a retomada das atividades produtivas e sociais. Países como Austrália, Nova Zelândia, China, Hong Kong, Macau, Cingapura, Taiwan e Vietnã adotaram políticas destinadas a eliminar a covid-19, em vez de viver com ela. Estas nações não hesitaram em adotar medidas restritivas de bloqueio quando surgiram surtos de casos do novo coronavírus.

Porém, The Economist considera que a abordagem de “Zero covid” praticada em partes de Ásia e Oceania proporcionou saúde e benefícios econômicos, mas ela seria uma estratégia totalmente vitoriosa somente se o resto do mundo tivesse adotado a mesma política. Da forma que ocorreu, adotada de maneira isolada é uma estratégia insustentável diante da necessidade de reabertura da economia internacional, pois os países citados podem enfraquecer permanentemente seus status de centros de negócios se não conseguirem liberalizar os controles fronteiriços.

Assim, na perspectiva econômica da revista britânica, a abordagem “Zero covid” corre o risco de minar em vez de estimular a atividade econômica e de manter os países à margem do renascimento nos fluxos internacionais de turistas e estudantes. As restrições de viagens de negócios e outras operações pode significar que algumas empresas optem por direcionar seus investimentos para outros mercados, dificultando a atração e a retenção de talentos estrangeiros. Por exemplo, cerca de 30% da população de Cingapura não tem cidadania nem estatuto de residência permanente e o país corre o risco de perder permanentemente essa mão de obra.

Inegavelmente, uma transição da estratégia de “Zero covid” para uma estratégia de “Baixa covid” deverá vir de maneira gradual e condicionada ao aumento da prevalência da vacinação. À medida que a cobertura de vacinação aumenta, os governos devem ampliar a reabertura das fronteiras com países com um perfil de risco semelhante, além de estabelecer menores requisitos de quarentena para residentes totalmente vacinados que retornam de outro continente. Hong Kong, por exemplo, planeja reduzir suas exigências de quarentena a sete dias para residentes vacinados que voltam de países de baixo risco, embora a vacinação não deva impedir totalmente a propagação do vírus, e conquanto a redução dos períodos de quarentena poderá aumentar a probabilidade de transmissão local.

Por conseguinte, a revista The Economist, que defende políticas liberais, considera que é melhor ter maior abertura fronteiriça e maior atividade econômica, ainda que com números baixos da covid-19, do que uma situação de zero covid às custas de uma economia mais fechada e controlada. Ela recomenda aos governos investir no convencimento de suas populações da necessidade de reabertura internacional, pois o fechamento de fronteiras por vários anos teria efeitos danosos, forçando os países a desenvolver economias mais autossuficientes e limitando as conexões comerciais, provavelmente prejudicando as relações internacionais. Obviamente, The Economist considera correta a realização dos Jogos de Tóquio em um ambiente de “Baixa covid”.

Quatro cenários para o futuro da pandemia

A pandemia da covid-19 já completou 20 meses e ainda não está claro quais serão os próximos desdobramentos. Pesquisadores americanos publicaram o artigo “Potential Covid-19 Endgame Scenarios: Eradication, Elimination, Cohabitation, or Conflagration?” no periódico acadêmico JAMA – Journal of the American Medical Association (Kofman et. al. 08/07/2021) onde traçam 4 cenários possíveis para o futuro próximo da pandemia: 1) erradicação; 2) eliminação; 3) coabitação; e 4) conflagração.

Segundo os autores, o cenário da Erradicação implica ter a circulação do novo coronavírus próxima a zero. Neste caso a imunidade derivada da vacina e da infecção teria que ser altamente eficaz, duradoura, capaz de prevenir a transmissão secundária e a reinfecção e proteger contra as novas formas de variantes. Este cenário se aplica melhor para alguns países e regiões e não para o plano internacional.

No cenário da Eliminação haveria diferentes incidências espaciais. Áreas com alta prevalência vacinal poderiam ficar livres do vírus, mas a circulação continuaria em outras regiões. Neste caso o sucesso aconteceria no médio e longo prazo e dependeria das medidas preventivas e do avanço da vacinação.

O cenário mais provável é o da coabitação com o coronavírus, situação na qual a proteção possibilitada pelas vacinas evitaria as manifestações mais graves da covid-19, além de diminuir o processo de transmissão comunitária das velhas e novas cepas do SARS-CoV-2. Haveria áreas livres da doença, mas as infecções continuariam mesmo que em níveis mais baixos. Neste caso, as atividades econômicas seriam retomadas plenamente, mas com medidas de prevenção para evitar novos surtos pandêmicos.

O cenário da Conflagração é o mais prejudicial, com elevado montante da população não vacinada e com a continuidade da circulação do vírus, mantendo elevados níveis de infecções e mortes. Surgiriam novas cepas, que poderiam escapar das vacinas. Neste caso o fim da pandemia não estaria contemplado no horizonte.

Infelizmente, o Brasil ainda está nesta pior fase, pois no dia 23 de julho o Ministério da Saúde registrou 108,7 mil pessoas infectadas no espaço de 24 horas, um dos valores mais altos em toda a pandemia. No dia 24/07 as curvas epidemiológicas brasileira apresentaram tendência de alta. Portanto, é urgente reforçar as medidas preventivas ao mesmo tempo que se avance no processo de vacinação.

A Olimpíada mais feminina da história

As mulheres não puderam competir na primeira Olimpíada da era moderna, que aconteceu em Atenas, em 1896. Na época, o Barão Pierre de Coubertin, fundador do Comitê Olímpico Internacional, disse que as mulheres tinham apenas o papel de: “coroar os homens vencedores”. Mas o tempo não para, o mundo gira e a realidade foi se alterando lentamente nos jogos seguintes.

O gráfico abaixo mostra que o percentual de atletas do sexo feminino passou para 2,2% nos segundos Jogos Olímpicos, acontecidos em Paris. Entre 1900 e 1920 o percentual de atletas do sexo feminino ficou entre 1% e 2,4%. Só atingiu o percentual de 20% em 1976, na Olimpíada de Montreal. Ultrapassou 30% em 1996 nos Jogos de Atlanta. Chegou a 40% na Olimpíada de Atenas de 2004. Nos Jogos de Londres (2012) e do Rio de Janeiro (2016) ficou próximo de 45%. Agora em Tóquio, pela primeira vez se chega praticamente à paridade de gênero, com 49% de mulheres disputando as provas esportivas.

Olimpíada de Tóquio: gráfico mostra maior participação feminina

Mas além da quase paridade de gênero no número de atletas, a Olimpíada de Tóquio estão sendo inovadoras em vários outros aspectos. Pela primeira vez na história, o Comitê Olímpico Internacional (COI) orientou os países a dividir entre homens e mulheres a honraria de ser porta-bandeira dos países, uma iniciativa para promover a igualdade de gênero. Os Jogos de Tóquio têm número recorde de atletas no time olímpico de refugiados, como mostrou Carla Lencastre, aqui no #Colabora (20/07/2021). Houve recorde de atletas LGBT+ e a jogadora Marta da seleção brasileira de futebol estreou estufando as redes e dedicando o gol à noiva, como mostrou Laís Malek, aqui no #Colabora (22/07/2021). Tóquio 2020 também pretende ser os jogos mais verdes da história com apostas em material reciclado e energia renovável, como mostrou Oscar Valporto, aqui no #Colabora (23/07/2021).

Em uma linda e oportuna homenagem a John Lennon e Yoko Ono a festa de abertura teve a apresentação da música Imagine, cujos versos pregam a irmandade universal:

“Imagine que não houvesse países

Não é difícil imaginar

Nenhum motivo para matar ou morrer

E nenhuma religião também.

Imagine todas as pessoas

Vivendo a vida em paz”

Mas os japoneses não decepcionaram em uma das cerimônias mais emblemáticos de qualquer Olimpíada que é o momento de acender o fogo que dá início à abertura dos jogos. A Chama Olímpica é um dos principais símbolos do evento esportivo e evoca a lenda de Prometeu que teria roubado o fogo de Zeus para o entregar aos mortais. A honraria coube à uma mulher mestiça – filha de mãe japonesa e pai negro do Haiti – nascida no Japão e criada nos Estados Unidos. A tenista Naomi Osaka acendeu a pira olímpica no estádio olímpico de Tóquio, no dia 23 de julho. Num país pouco afeito à imigração internacional, uma mulher negra que vive em dois continentes acendendo a pira olímpica é uma forma de dar concretude aos versos de John Lennon (um europeu branco):

“Imagine todas as pessoas

Partilhando todo o mundo

Você pode dizer que eu sou um sonhador

Mas eu não sou o único

Espero que um dia você junte-se a nós

E o mundo viverá como um só”

FONTE PROJETO COLABORA

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